Momentos de tensão na minha luta política

Eu já fiquei feliz, triste e agora estou com medo. Meu pai disse que é assim, mesmo: “Toda luta política sempre traz emoções muito fortes, meu filho.” Semana passada saiu uma notícia no jornal. A prefeitura apresentou o projeto do que ela pretende agora construir no terreno onde fica a minha biblioteca. Todos que acompanham o meu blog ou essas notícias no jornal, já sabem desta história. A prefeitura quer vender o terreno onde fica a biblioteca, um teatro, duas escolas, uma creche, dois serviços de saúde e a Apae para construir no lugar um prédio de apartamentos. No começo a prefeitura dizia que ia manter a biblioteca e o teatro, depois disse que ia demolir e transferir o acervo para outras bibliotecas. A Biblioteca Anne Frank seria extinta!

Agora ela diz que vai derrubar os dois, teatro e biblioteca, e no pedaço do terreno onde eles estão agora, construir um prédio e colocar a biblioteca no térreo e o teatro no subsolo. Depois desse prédio pronto, eles vão demolir as duas escolas, a creche e os serviços de saúde e transferir pra lá também, e no lugar onde eles ficam atualmente, construir o prédio de apartamentos e um parque aberto à população. A prefeitura apresentou uma maquete transparente. Meu pai disse que não acredita em maquetes e que nesse projeto o que falta é transparência. Achei engraçado e concordo em ele, uma hora a prefeitura diz que vai deixar a biblioteca, outra hora diz que vai derrubar e agora vem e diz que vai colocar em outro lugar. Dá pra confiar? Meu pai me disse que a lei aprovada na Câmara, que autorizou a prefeitura a negociar o terreno não diz nada sobre o que vai ser construído lá dentro. “A prefeitura e a construtora podem fazer o que bem entenderem. Por isso, Heitor, é melhor prevenir. Depois que a obra começar não vai adiantar espernear.” Essas palavras do meu pai me dão medo, mas também me animam.  Vou procurar os meus amigos e companheiros para continuar nossa luta, minha primeira luta política.

Depois de ler a notícia cheguei a uma conclusão: mesmo que a prefeitura cumprisse essa sua última promessa, eu prefiro a minha biblioteca do jeito que ela está. Aquele lugar tem história! Foi o Monteiro Lobato que escolheu o terreno para construir a Biblioteca Anne Frank, que foi inaugurada em janeiro de 1946 e no começo se chamava Biblioteca Infantil do Itaim. Ela é a primeira biblioteca infantil construída num bairro da cidade de São Paulo, antes dela só existia a biblioteca do centro, que hoje se chama Biblioteca Monteiro Lobato.

Durante minha luta política conheci um monte de gente e aprendi muita coisa. Hoje eu sei que o quarteirão onde está a minha biblioteca foi construído seguindo o modelo de “Parque Escola” do educador Anísio Teixeira, que nasceu em 1900 e morreu em 1971 e junto com Paulo Freire foi um dos maiores educadores da história do Brasil.

Lá existe uma escola em período integral e os seus alunos frequentam a biblioteca, que é aberta ao público e é por isso que eu também vou lá. Meu pai me disse que “todo o espaço do quarteirão, hoje é público, e é só desse jeito que fica garantido o nosso acesso àquele lugar”.  Achei um pouco confusa essa história de “acesso” e pedi para o meu pai me explicar melhor. Ele me explicou direitinho, eu entendi tudo muito bem e fiquei com medo do que pode acontecer.

Também aprendi que esse terreno conta um pouco da história da cidade e que ele é um dos poucos “redutos” que está sobrevivendo à “especulação imobiliária”. Soube também, que além deste a prefeitura tem projetos para vender outros terrenos parecidos com o quarteirão do meu bairro, que resistem e contam a história do bairro em que eles ficam. A empresa que ficar com o nosso quarteirão vai ter que construir 200 creches. A cidade precisa de creches, mas a prefeitura tem dinheiro para construir e já podia ter feito desde o começo do governo. Resolveu fazer só agora e pra isso quer derrubar a minha biblioteca! Deve ter outro jeito.

Eu sou contra a venda do quarteirão do meu bairro e dos quarteirões dos outros bairros que contam a história da minha cidade. Meu pai disse que ficou decepcionado com um jornalista que falou numa rádio a favor do projeto da prefeitura. “Esse jornalista sempre apoiou os movimentos sociais e se destaca por valorizar projetos ligados à educação e à cultura”. O jornalista disse que o projeto da prefeitura “é um bom negócio”. “Bom negócio pra quem?” “Pra cidade?” Meu pai disse que não concorda e nem eu. Ele disse na rádio que a comunidade que defende a manutenção do espaço esta preocupada com a vista: “Eles não querem perder a vista, na verdade.” A prefeitura já vinha dizendo isso há algum tempo, que a única perda será da vista que as pessoas que moram nos apartamentos em volta têm desse lugar.

Eu não moro nesses prédios, não vou perder a minha vista e não quero que derrubem a minha biblioteca. Assim como eu, tem muita gente que não vai perder a sua vista e não quer que o quarteirão seja vendido. Meu pai sempre se revolta com essas coisas. “Dizer que a nossa única preocupação é a vista é uma estratégia sórdida, uma tentativa de desvalorizar os nossos argumentos, banalizar as nossas crenças e ignorar a importância que esse quarteirão tem para a história do bairro e da cidade. Espero que o Condephaat reconheça isso e tombe logo o nosso quarteirão.”

– É isso aí, pai!

Dois livros de Jorge

Acabei de ler dois livros do primeiro escritor que eu conversei e conheci pessoalmente, o Jorge Miguel Marinho. Um desses livros ganhou um monte de prêmios, até o Jabuti. Vou falar deles no próximo post. Conheci o Jorge Miguel no dia em que eu fui visitar uma editora e lá apareceu a ideia de fazer este blog. Contei tudo isso lá no comecinho, nos primeiros posts. Outro dia eu encontrei o Jorge na FELIT e ele me disse que tem umas ideias para o meu blog. Tenho o telefone do Jorge, vou ligar pra ele pra saber dessas ideias e também pra falar que eu adorei os livros dele.

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  1. Menino Heitor este é o nosso país, enquanto a educação e a cultura não forem prioridades, será cada vez mais raro encontrar meninos como você leitores’…………Precisamos lutar;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;Boa semana menino bom, e um beijo nos seus pais………..

  2. Então, tá.

    Soube, ao participar de uma conferência, que em regiões periféricas de São Paulo áreas públicas também estão na mira da venda sob o mesmo álibi: investir em creches na periferia. Então, vamos falar de vagar para a gente entender: a prefeitura vende terrenos na periferia para construir creches na periferia… Então tá, e a educação e a saúde oferecida à população melhorará com isso… Então tá. É no mesmo prefeito que chama aposentado de vagabundo e greve de chantagem que devemos confiar… Então tá, mas me incluam fora dessa.

  3. Faço minhas as tuas palavras… Seria uma perda irreparável… A biblioteca é uma maravilha, um patrimonio público do qual não podemos abrir mão. Conte comigo.
    Abs Vera

  4. Oi Heitor, a leitura traz conhecimento e capacidade de nos tornarmos mais críticos, mais reflexivos, assim como vc, que está lutando por uma causa que diz respeito a educação e a nossa cultura. Concordo plenamente com o movimento que vc está fazendo. Não desista!!
    bjs stela

  5. Querido menino Heitor…é com pesar que li sobre as suas preocupações…dizem que…”onde há fumaça…com certeza tem fogo”…então acredito que muita coisa ainda vamos ter que engolir…e a seco …Não gosto de pensar que nossos administradores não priorizem a cultura…(sofro com isso…estudei tanto…e sempre em instituições públicas…que eram as melhores…).Será que nossos políticos não têm filhos…netos…ou conheçam serzinhos que dariam tudo por um espaço feliz e cheio de histórias como o que querem fazer desaparecer?…Snifff aqui…tristinha e solidária amiguinho lindo…Bj Neusinha

  6. Obrigado, Vera. Você também conhece, né? Não é legal? Então, não podemos deixar que derrubem a nossa biblioteca. Que bom saber que eu posso contar com você.

  7. Obrigado, Neusinha. Eu também fico triste. Acho tão legal a minha biblioteca e todo aquele espaço, do jeito que ele é.

  8. Que notícia triste Heitor. Infelizmente hoje em dia isso está ficando cada vez mais comum. Destruir a memória da nossa cidade ou não dar valor aos espaços culturais que temos e que fazem tanto bem para a sociedade. Boa sorte em sua luta! Abraços.

  9. Oi, Jailma. Esta semana saiu uma notícia boa pra gente. O Tribunal de Justiça negou o pedido da prefeitura e manteve a suspensão da lei que autorizava a venda do terreno. Mas temos que continuar lutando. No próximo post vou contar mais. Obrigado!

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