David Almond no clube de leitura

De todas as coisas que faço com este blog uma das que mais gosto é o clube de leitura. Fora os livros que leio pra escola é difícil encontrar e conversar com alguém que tenha lido o mesmo que eu, no clube de leitura eu encontro muitos, pois nele fazemos o caminho inverso, primeiro formamos um grupo, depois escolhemos o livro, lemos e no final compartilhamos nossas leituras.

Hoje vou começar a compartilhar aqui no blog a leitura que fiz do livro Meu pai é um homem-pássaro, vou escrever o post e esperar os comentários. Quem sugeriu esse livro foi a professora Luciana da Escola Municipal Luiz Gatti, de Belo Horizonte – é ela quem organiza o clube lá na escola. A professora e os seus alunos já leram e trabalharam com esse livro em sala de aula, na semana passada recebi um e-mail dela me avisando: “Já acabamos a leitura e a atividade… agora estamos só aguardando o post.” E eu respondi ao seu e-mail dizendo que publicaria hoje.

No ano passado fizemos dois encontros do clube de leitura da Luiz Gatti, um foi com o livro A professora encantadora, de Márcio Vassalo e outro com Os herdeiros do Lobo, de Nelson Cruz, neste até entrevistamos o autor. Foi muito bom, adorei! Está tudo publicado aqui no blog, inclusive os comentários dos alunos sobre os livros. Quem quiser ler depois esses posts é só procurar pela ferramenta de busca do blog.

Nossa roda de conversa

Já li o Meu pai é um homem-pássaro e conversei com o Lipe, que também leu. Sempre que tem clube de leitura, peço a ajuda do meu amigo:

– Você gostou do livro, Lipe?

– Gostei… No começo achei meio estranho, o pai pensava que podia voar…

– Eu também… E achei que ele estava ficando louco…

– Então… A filha nem queria deixar o pai sozinho em casa…

– Até a tia veio cuidar dele…

– Mas depois achei legal, a filha entrou na fantasia do pai e a história ficou da hora.

– Ouvi dizer que isso se chama realismo mágico… Na minha pesquisa, li que o David Almond é o Gabriel García Márquez da literatura juvenil.

– Quem? Esse que morreu na semana passada?

– Sim, esse mesmo! Um dia ainda vou ler um livro dele!

O pai voador

O livro Meu pai é um homem-pássaro, escrito por David Almond, ilustrado por Polly Dunbar e publicado pela Editora WMF Martins Fontes conta a história de Jackie, pai de Lizzie, que certo dia, durante o café-da-manhã, disse à filha que iria voar: “Vou entrar numa competição… a Grande Competição do Passáro Humano”. O primeiro a atravessar voando o rio Tyne ganharia mil libras, o pai ia se inscrever, dizia que ia ganhar e, finalmente, ficar famoso.

Lizzie não acreditou na história do pai, disse que ele podia até voar, mas não podia deixar de “tomar ar puro e de comer todo o seu almoço”. A filha via que seu pai não se cuidava, ele não fazia a barba, vivia de pijama e não comia mais, pelo menos comida de gente, pois, escondido, comia insetos feito os pássaros, queria emagrecer: “Você já viu pássaro gordo?” – perguntou à filha. Nesse dia a filha resolveu faltar à escola e ficar vigiando o pai.

David Almond diz que sempre soube que queria ser escritor, quando ainda era criança escrevia histórias e costurava seus próprios livros, seus tios enchiam uma sala de amigos para ouvir essas histórias, e ele conta que eles choravam de tanto rir.

A história do livro continua e entram em cena outros personagens: O senhor Poop, o gorducho que andava pelas ruas com um megafone, anunciando e fazendo as inscrições da competição – o pai de Lizzie, o senhor Jackie Corvo, fez a dele; o senhor Mint, o diretor da escola, que, preocupado, veio até a casa de Lizzie para “ficar a par do que estava acontecendo”; e a tia Doreen que achava um absurdo essa ideia de pássaro humano, dizia que a cidade estava enlouquecendo, e que as pessoas deviam se preocupar em ser pessoas, e manter os pés em terra firme.

No começo Lizzie concordava com a tia, mas aos poucos foi mudando, foi entrando na fantasia do pai, e também fez sua inscrição para a competição. Será que foi por amor ou ela acreditou, mesmo, que eles podiam voar? E a história segue, com os preparativos e a chegada do grande dia. Será que eles voaram? Eu não vou contar, só quem ler o livro vai saber.

Adorei as ilustrações desse livro, os desenhos da Polly Dunbar são muito bonitos e divertidos, ela contou que foi muito gostoso ilustrar Meu pai é um homem-pássaro, disse que ficou “engraçado, colorido, e ao mesmo tempo comovente”. Também gostei de saber que o David Almond adorava a biblioteca do seu bairro – eu também adoro a minha -, e ele ainda contou que sonhava um dia ter livros com seu nome na capa… Conseguiu e ainda ganhou o Hans Christian Andersen, o mais importante prêmio mundial da literatura infantil!

David Almond mora em Northumberland, na Inglaterra e é um dos escritores britânicos mais importantes de literatura infantojuvenil. Foi criado numa família grande e animada, numa cidade de minas de carvão às margens do rio Tyne, onde muitas histórias se tornaram partes de sua vida. Além de O meu pai é um homem-pássaro, publicado no Brasil, escreveu outros livros infantojuvenis traduzidos para o português e publicados em Portugal como, O meu nome é Mina, Um cantinho no paraíso, O grande jogo, e o seu primeiro livro, O segredo do senhor ninguém, que logo fez muito sucesso de público e crítica e ganhou os prêmios “Carnegie Medal” e o “Whitbread Children’s Book Award”. Escreveu outros livros de sucesso como Skellig, The fire-eaterse, e muitas histórias e peças teatrais. Também ganhou os prêmios “Smarties Prize”, “Eleanor Farjeon” e o “Hans Christian Andersen”.

Polly Dunbar estudou na Brighton Art School e mora em Brighton, na Inglaterra. Autora e ilustradora dos livros Dog blue, Flyaway Katie, Here´s a little poem e Penguin, ela acha que as cores são uma maneira maravilhosa de dar ânimo às pessoas. “Foi tão gostoso ilustrar Meu pai é um homem-pássaro! É engraçado, colorido, e ao mesmo tempo comovente.” Sempre que está triste, veste seu melhor vestido cor-de-rosa e pinta. E, quando não está desenhando, adora fazer marionetes.

Extra… Extra! Fotos das turmas da Escola Municipal Luiz Gatti no clube de leitura

Lendo o livro no pátio da escola

Lendo o blog na sala de informática

Outra turma na sala de informática lendo o blog

E depois, ainda, escreveram seus comentários aqui!


Encontro com Luiz Ruffato e novos amigos

No post passado falei que queria fazer treze anos, logo, pra poder ler livros mais maneiros, não fiz treze anos, ainda, mas nesses dias li um livro bem maneiro do escritor Luiz Ruffato, o livro se chama Estive em Lisboa e lembrei de você. Li esse livro por (quase) sugestão da minha amiga Bel, já falei dela aqui no blog, ela faz parte do LiteraSampa, uma ONG que trabalha com incentivo a leitura, que tem uma biblioteca comunitária no bairro de Parelheiros, aqui na cidade de São Paulo.

Eles também fazem um clube de leitura e neste mês leram esse livro, não pude ir no dia que eles conversaram sobre o livro mas, na semana passada, a editora do livro, a Companhia das Letras, promoveu um encontro do autor com os meninos e meninas que frequentam essa biblioteca, a Bel me convidou e eu fui. Nesse dia conheci o Luiz Ruffato, fiz novos amigos, passei uma tarde da hora e hoje vou contar tudo, primeiro vou contar o encontro e no final vou falar do livro.

O escritor do discurso de Frankfurt

Quando a Bel me contou do encontro com o Luiz Ruffato, eu logo fiquei a fim de ir, perguntei a ela quando seria e anotei na minha agenda, no ano passado ele fez um discurso na abertura da Feira de Frankfurt e deu a maior polêmica. Nunca tinha lido nada desse escritor, que eu saiba, ele não escreve literatura juvenil, mas mesmo assim perguntei a Bel que livro ela sugeria para eu ler dele. Foi quando ela me contou do clube de leitura e que os meninos estavam lendo o Estive em Lisboa e lembrei de você, mas que eu não precisa ler pra participar desse encontro com o autor.

Acho que ela pensou que eu era muito pequeno para ler esse livro, mesmo assim fui atrás dele: Como eu ia participar de um encontro sem ter lido nada do escritor? Encontrei o livro e mostrei para o meu pai, ele já conhecia, disse que eu podia ler, sim, e que se tivesse alguma dúvida era só perguntar pra ele. Encarei o livro, li e adorei, o Luiz Ruffato escreve de um jeito legal e bem diferente, mas como disse, ainda não vou falar do livro, primeiro vou contar o encontro.

O caminho da biblioteca

“Heitor, você pega um ônibus para o Terminal Santo Amaro, lá você pega o Terminal Parelheiros e desce no final – a viagem é um pouquinho longa. Dentro do Terminal Parelheiros, na segunda plataforma, você vai pegar o ônibus Barragem, aí pede para o motorista ou cobrador te deixar no ponto da igreja católica do bairro Colônia. Descendo nesse ponto, você procura o cemitério mais próximo, que fica ao lado da igreja, suba a rua do cemitério, a biblioteca fica ao lado, Rua Sachio Nakao, 28, Colônia, Parelheiros, São Paulo, SP”. Com esse e-mail o Du, meu novo amigo de Parelheiros, me orientou a chegar à Biblioteca Caminhos da Leitura, que fica no terreno do cemitério.

O caminho do ônibus é bem bonito, passa pela avenida da represa – parece que a gente está na praia – e por lugares cheios de ávores e com poucas casas – parece que a gente está no inteiror -, mas estamos na cidade de São Paulo – esta cidade é muito grande! Cheguei na hora marcada, encontrei a Val e o Rafael, que eu já conhecia dos eventos do PMLL, conheci o Kevin, que não ficou para o evento, e fiz novos amigos, o Du (do e-mail), o Rodrigo, o Bruninho, a Sidinéia e a Tamiris, todos frequentam e cuidam dessa biblioteca comunitária.

Não demorou muito chegaram a Bel, o Luiz Ruffato e a Janine, a moça que trabalha na editora e organiza os clubes de leitura. Conversei um pouco com eles e aproveitei para confirmar com a Bel nosso próximo compromisso do PMLL. No dia 10 de abril, finalmente, os secretários vão assinar a portaria que cria o grupo de trabalho – já falei disso aqui, é minha nova luta política, depois do dia 10 conto mais novidades. Mas deixa eu voltar para o assunto de hoje, estou rodeando muito – por falar em “rodear”, o Luiz Ruffato contou uma história bem engraçada sobre isso, que já já eu conto.

O menino que se escondia na biblioteca

O quintal da biblioteca

Vieram outras pessoas, o evento tinha bastante gente, sentamos todos, a Bel fez a apresentação, passou a palavra para a Janine, que abriu o encontro com uma pergunta para o Luiz Ruffato: Como foi seu caminho para virar escritor? Antes de começar a responder, ele ficou muito emocionado e quase chorou, acho que o amor dos meninos e meninas de Parelheiros pelo livro e o cuidado que eles têm com a biblioteca o fez lembrar de sua infância pobre em Cataguases, Minas Gerais. Ele contou que ainda criança ajudou seu pai, pipoqueiro – sua mãe era lavadeira -, trabalhou num botequim, num armarinho, depois entrou numa importante escola pública da sua cidade. Lá se sentia discriminado por ser pobre, até descobrir um lugar para se esconder, a biblioteca.

A bibliotecária lhe emprestava livros pra levar pra casa, mas seu pai não deixava que ele ficasse muito tempo com “coisas dos outros”: – “Leia logo e devolve para ela!” Nesse tempo “foi um inferno minha vida”. Ele tinha que ler o livro bem rápido pra levar de volta à biblioteca, mas com isso, calcula que nesse período, leu uns duzentos livros. No final, por uma injustiça, foi suspenso, saiu dessa escola e perdeu o acesso ao livro, mas já tinha sido “inoculado pelo veneno da leitura”, mas só voltou a ter contato com o livro na faculdade. Estudou jornalismo em Juiz de Fora e depois veio para São Paulo, mas nesse intervalo, muitas coisas aconteceram, que ele conta de um jeito bem gostoso de ouvir.

Fizemos algumas perguntas e ainda conversamos sobre seu discurso em Frankfurt e sobre o seu livro Estive em Lisboa e lembrei de você. Queríamos saber se o personagem se parece com o autor, e ele disse que não é tão ingênuo quanto o Serginho. No final os meninos e meninas deram um presente pra ele, poemas que escreveram, inspirados no livro, dentro de uma caixa feita com colagens, e o Luiz Ruffato quase chorou, de novo. A Janine também ganhou um presente.

Na volta peguei carona de carro com a Bel, viemos a Bel, eu, o Luiz Ruffato, a Janine e outra moça da editora. Fiquei sabendo de um monte de histórias desse mundo do livro, e o Luiz Ruffato ainda contou uma bem legal sobre o seu pai. Disse que para contar alguma coisa ele gostava de “rodear” – sua mãe o criticava muito por isso. O cachorro da vizinha morreu, esta era a notícia. Pra dizer isso ele contava a história de toda a família da vizinha, seus pais, seus irmãos, casamentos, separações, mudanças, etc., até chegar ao final, a morte do cachorro. Para contar a história do pai que rodeava, o Luiz Ruffato também rodeou, inventou na hora e contou uma história interinha, cheia de sotaque mineiro. Adorei, foi boa demais da conta!

Um mineiro em Lisboa

O livro Estive em Lisboa e lembrei de você, escrito por Luiz Ruffato e publicado pela Companhia das Letras faz parte da coleção “Amores Expressos”. Uma produtora junto com a editora selecionou alguns escritores, eles fizeram uma viagem para alguma cidade ao redor do mundo e escreveram um romance, com uma história de amor. A produtora fez um documentário com o escritor nessa cidade, procurando a história, e a editora publicou os livros. Istambul, Cairo, Tóquio, Buenos Aires, Dublin, Havana, Praga foram algumas das cidades escolhidas. Luiz Ruffato queria uma cidade onde pudesse colocar, como personagem, um imigrante mineiro, poderia ser alguma cidade dos Estados Unidos, mas escolheu Lisboa. Serginho é o personagem principal desta história, dividida em dois capítulos, “Como parei de fumar” e “Como voltei a fumar”.

Serginho vivia em Cataguases, sua cidade natal e sua vida não estava nada boa, muita coisa ruim acontecia e ainda tentava parar de fumar, mais uma vez. Queria sair de lá, ir pra outro lugar, ganhar dinheiro e melhorar de vida, mas tinha medo, não conhecia nada. O Rio, de passagem, foi cinco vezes, “molhar o pé em Copacabana, subir no bondinho do Pão de Açucar, ver jogo do Flamengo no Maracanã”, São Paulo, pra sua irmã comprar roupa pra revender, e Juiz de Fora, “que não conta, pois é quintal de Cataguases”. Um dia ouviu falar que em Portugal poderia ganhar muito dinheiro e quem sabe, até encontrar um novo amor. Só de falar que queria ir “pro estrangeiro” o povo da cidade já ficou “puxando-saco” dele, “Serginho isso, Serginho aquilo, Doutor Serginho, só faltava deitarem no chão para eu pisar em cima”.

Para saber das coisas Serginho resolveu explorar a experiência do seu Oliveira, português, dono do Beira Bar, “que ultimamente, de dois em dois anos, viajava pra lá”, encostou no balcão, pediu uma cerveja, um pratinho de azeitona e perguntou: “Como é que um sujeito chega em Portugal?”, “De avião, ora pois”, “Como é um avião por dentro?”, “Apertado”, “De onde sai o avião?”, “Do Rio de Janeiro”, “Quanto tempo demora a ida?”, “Umas nove horas”, E a volta?, “Mesma coisa, ora pois”, e fez muitas outras perguntas. No final, Serginho foi pra Portugal, agora, se conseguiu ganhar dinheiro e encontrar seu verdeiro amor, só lendo o livro, mesmo, pra saber. Adorei esse livro do Luiz Ruffato, gostei muito do jeito que ele escreve e nem precisei fazer tantas perguntas, assim, para o meu pai. Ah, peguei um autógrafo do Luiz Ruffato, mais um para minha coleção de livros autografados.

Luiz Ruffato nasceu em Cataguases, Minas Gerais, em 1961. De acordo com ele mesmo, já foi “pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro mecânico, jornalista, sócio de assessoria de imprensa, gerente de lanchonete, vendedor de livros autônomo e novamente jornalista”. Formado em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora, publicou vários livros, entre os quais a série de cinco livros Inferno provisório e o aclamado Eles eram muitos cavalos, traduzido para o francês, o italiano e o espanhol e ganhador dos prêmios APCA, da Associação Paulista dos Críticos de Arte, e Machado de Assis, da Biblioteca Nacional.