As perguntas da Mafalda

Hoje vou escrever o último post do ano e vou falar da Mafalda, do Quino, li dois livros e uma reportagem no jornal, e visitei uma exposição sobre ela. Depois vou sair de férias, mas pretendo voltar ao blog, logo no começo de janeiro, tenho muita coisa pra contar, nesses dias conheci dois escritores novos, a Roberta Asse e o Marcelo Jucá, e quero muito falar deles. Também tem outros livros que já li, que peguei na Bienal e na Flip e ainda não tive tempo de escrever aqui.

Estou ansioso pra chegar janeiro, no mês que vem, vou esperar a última resposta que pode mudar a minha vida, já foram quatro respostas positivas, falta a quinta, que se for positiva, também, vou ter um 2015 muito feliz, será a realização de um sonho, mas ainda não posso contar nada, me pediram segredo até a resposta final, assim que puder, venho aqui e conto tudo. Agora, vamos ao post de hoje, mas antes de começar, aproveito pra desejar boas festas a todos e um feliz Ano Novo.

Mafalda invade a Folha

Nunca tinha visto uma personagem fazer isso em um jornal, na semana passada a Folha de S. Paulo fez uma reportagem com a personagem Mafalda, e ela invadiu as páginas da “Ilustrada”! Fez perguntas para os colunistas Marcelo Coelho e Keila Jimemez, para o Marcelo, Mafalda perguntou, “com que idade ficamos velhos?”, e da Keila, que escreve sobre TV, ela quis saber se tem coisa boa em algum canal. O jornal ainda reservou uma página inteira com alguns ilustradores respondendo às suas “peguntas desconcertantes”.

Laerte, Caco Gualhardo, Mauricio de Sousa, Liniers, João Montanaro, Adão Iturrusgarai, Allan Sieber, Alexandre Moraes e Fernando Gonsales, desenharam seus autorretratos ao lado da Mafalda e reponderam a todas as perguntas da menina. Teve também uma análise do professor Waldomiro Vergueiro, especialista em quadrinhos, falando da importância dessa personagem do quadrinista Joaquín Salvador Lavado, o Quino. Tudo isso para comemorar os 50 anos da Mafalda, que apareceu pela primeira vez, em setembro de 1964, e anunciar a mostra “O mundo segundo Mafalda”, que chegou a São Paulo, além do lançamento de alguns livros.

O mundo segundo Mafalda

Fui visitar a exposição “O mundo segundo Mafalda”, que está acontecendo aqui em São Paulo, na Praça das Artes, que fica na avenida São João, 281, no centro da cidade, funciona das 9h00 às 20h00, vai até o dia 28/2, nesses dias de festa está fechado, reabre no dia 6/1, e é grátis. A mostra, que já passou pela Argentina, Costa Rica, México e Chile, tem diversos ambientes, que contam a história da Mafalda, da sua família e dos seus amigos. Logo na entrada tem o carro do pai da Mafalda, com toda família dentro, um Citroen, que fez sucesso na Argentina nos anos 1960/70, como o Fusca fez no Brasil. Depois vem outra parte que mostra as invenções da Mafalda e dos seus amigos, como o garfo, que foi transformado em antena telepática para captar as boas ideias.

Tem um apartamento montado, com sofá, móveis, televisão, vitrola, igual aos apartamentos da classe média argentina dessa época, os objetos são todos originais. Tem uma oficina com papel e carimbos dos personagens da Mafalda pra gente criar os nossos próprios desenhos. Tem uma seção com os gostos e os desgostos da Mafalda, o que ela adora, e o que ela odeia, como sopa. Tem outra, com todos os mundos que a Mafalda imagina, como o “mundo doente” e “o mundo suicida”. Tem outra seção que descreve todos os personagens das histórias, o pai da Mafalda, Pelicarpo, a mãe, Raquel, o Felipe, o Manolito, a Susanita, o Gui, o Miguelito, e a Liberdade. Todas as seções têm galerias de tiras, passei a tarde toda vendo a exposição e lendo as tirinhas.

Li dois livros da Mafalda

Li dois livros da Mafalda, de uma coleção que a editora Martins Fontes, selo Martins, acabou de lançar, a coleção tem quatro livros e se chama “A pequena filosofia da Mafalda”. Eu li Como vai o planeta? e Injustiça, os outros dois títulos são Assim vai o mundo! e Guerra e paz.

Em Como vai o planeta?, Mafalda começa a refletir sobre a evolução do mundo, cobra de sua mãe por chorar ao descascar uma cebola, motivo tão pouco “altruísta”; olha para um globo terrestre e percebe que ele está enfraquecendo de tanto desgosto; coloca um aviso em outro globo, que ali há “irresponsáveis trabalhando”; e fica imaginando qual seria o aviso para colocar o mundo à venda, “seria bem difícil fazer um comercial convincente”.

Em Injustiça, depois de lamentar o desastre que é o mundo, Mafalda diz ao seu pai, que lê o jornal: “Sou toda ouvidos, papai. Pode me explicar por que em vez de mudar as estruturas todos só ficam remendando as peças”. Pede ao mundo que dure até ela crescer e diz que vai trabalhar como interprete da ONU. E ainda faz à mãe, uma de suas perguntas desconcertantes: “Mamãe, por que tem gente pobre?”. Quino criou seus personagens e histórias, quando a maioria dos países da América Latina vivia sob ditaduras, mas muitas das reflexões de Mafalda, ainda são bem atuais.

Joaquín Salvador Lavado, o Quino

Quino, ou Joaquín Salvador Lavado, nasceu no dia 17 de julho de 1932 na cidade de Mendoza, na Argentina, recebeu o mesmo nome de seu tio, Joaquín Tejón, pintor, desenhista e publicitário, com quem descobriu sua vocação. Ganhou o apelido de Quino, quando ainda era criança. Na década de 1940, perdeu sua mãe e seu pai, terminou a escola primária e decidiu se inscrever na Escola de Belas Artes de Mendoza, mas logo abandou o curso para se dedicar aos quadrinhos de humor.

Em 1954 se mudou para Buenos Aires e percorreu as redações de todos os jornais e revistas, a procura de emprego. Publicou pela primeira vez na revista Esto Es e, desde então, seus quadrinhos saem em diversos jornais e revistas da América Latina e da Europa. Em 1960 se casou com Alicia Colombo, a sua lua de mel foi no Rio de Janeiro, na primeira vez que saiu da Argentina. O Quino não teve filhos.

Em 1963 lançou seu primeiro livro de humor, Mundo Quino; em 1964 apareceu a Mafalda; depois disso, lançou vários livros na Argentina e no exterior; viajou pra muitos países divulgando seu trabalho; e ainda recebeu diversos prêmios, entre eles o de desenhista do ano, em 1982.

Mafalda é a obra-prima de Quino, com a personagem de uma menina aparentemente inocente e de seus amigos, o desenhista reflete sobre a política, a economia e a sociedade em geral, sempre com humor. Mafalda foi traduzida pra dez idiomas, exportada pra vários países, foi garota-propaganda de campanhas da UNICEF, e inspirou cartões-postais e selos argentinos.

Caio Fernando Abreu no clube de leitura

Hoje vamos começar mais um clube de leitura com os alunos da Escola Municipal Luiz Gatti, de Belo Horizonte, desta vez será com duas turmas do sexto ano, no total são sessenta alunos do 6ºA e do 6ºB, e o livro é As Frangas, de Caio Fernando Abreu.

Quem organiza o nosso clube na escola e a professora Luciana, de Língua Portuguesa mas, nesta edição, a professora Gláucia, de artes, também participou, os alunos fizeram, na aula dela, galinheiros de massinha, inspirados na leitura do livro. A professora Luciana me mandou umas fotos e disse que os alunos adoraram fazer esse trabalho, publiquei algumas neste post.

Acho que não preciso contar como funciona o nosso clube de leitura, pois está tudo explicadinho no post anterior.

O sumiço dos Morangos Mofados

A escolha do livro As Frangas, de Caio Fernando Abreu, para o clube de leitura, aconteceu do mesmo jeito que a do Beatriz em trânsito, de Eloí Bocheco. A professora Luciana me mandou a lista dos livros do 6º ano, vi, e logo escolhi esse, por dois motivos. Primeiro é que há muito tempo ouço falar de Caio Fernando Abreu, mas nunca tinha lido um livro dele, nem sabia que tinha escrito livro infantojuvenil.

Meu pai me falou um pouco de Caio Fernando Abreu, e contou que nos anos 1980 havia uma coleção de livros da Editora Brasiliense, chamada “Cantadas Literárias”. Vários escritores que apareceram nesse tempo, publicaram seus livros nessa coleção, inclusive o Caio F., que era assim que muitas vezes ele assinava.

Paulo Leminski, Marcelo Rubens Paiva, Chacal, Ana Cristina César, e muitos outros autores, a coleção teve mais de quarenta títulos. O Jorge Miguel Marinho, que eu conheço e já falei dele aqui no blog, também escreveu pra essa coleção, o livro do Jorge se chama Escarcéu dos Corpos.

Tem livros que meu pai diz que nunca mais se esqueceu, como Porcos com Asas, Marcou, Dançou! e Feliz Ano Velho. Meu pai tem uns vinte títulos da coleção “Cantadas Literárias”, guardados na estante aqui de casa, e jura que tinha também o Morangos Mofados, o que o Caio publicou nessa coleção. “Devo ter emprestado pra alguém que não me devolveu”, ele ficou lamentando.

A vida íntima de Laura

O outro motivo que me fez escolher esse livro é que ele foi inspirado em um da Clarice Lispector, que eu já li. Uma vez estava pesquisando escritores que ficaram famosos, escrevendo para adultos, mas também publicaram livros infantojuvenis e encontrei diversos: Moacyr Scliar, João Ubaldo Ribeiro, entre outros, até Tolstoi escreveu para crianças, também. Foi nessa pesquisa que descobri a Clarice Lispector, li três livros dela e contei aqui, no post “Li Clarice Lispector”. Um desses livros é o A vida íntima de Laura, que inspirou As Frangas, de Caio Fernando Abreu.

Nesse livro, depois de contar a história de Laura, a galinha do quintal da dona Luísa, que mais botava ovos e por isso, era aprotegida, Clarice Lispector faz um convite ao leitor: “Se você conhece alguma história de galinha, quero saber. Ou invente uma bem boazinha e me conte”. Caio Fernando Abreu, que leu o livro da Clarice, resolveu contar a dele e escreveu As Frangas. Ele disse que gostava muito da Clarice e queria agradá-la um pouco. Ela já tinha morrido, mas ele achava que a gente também pode agradar as pessoas que já morreram, “é só fazer coisas de que ela gostava”.

Uma roda a três e outra história de meu pai menino

Sempre que tem clube de leitura, peço para o meu amigo Lipe ler o livro, pra gente fazer, em dois, uma roda de conversa, e compartilhar nossas leituras.  Mas desta vez, nossa conversa teve mais um participante, meu pai também leu As Frangas e pediu pra entrar na roda.

– Não sabia que o Caio Fernando Abreu tinha escrito um livro infantojuvenil, li, gostei muito e só quero falar duas coisas.

– Pode falar quantas quiser, pai.

– A primeira é sobre o próprio autor, ele é o tipo de escritor que escolhe as palavras certas para compor uma frase, fica gostoso de ler, é muito prazeroso ler suas histórias.

– Que legal, tio, eu adorei esse livro, também! – O Lipe chama meu pai de tio, eu também chamo o pai dele, assim.

– Agora quero contar uma história de galinha, mas é bem rapidinha…

– A que a Clarice pediu, tio?

– Sim, Felipe, a que a Clarice pediu. A história do livro As Frangas me lembrou de minha casa na infância, ela tinha um quintal bem grande, com pés de frutas e muitos bichos, tinha galinhas, e também tinha patos. Minha mãe colocava os ovos da pata pra galinha chocar, principalmente nos tempos de chuva, ela achava que a pata andava muito pelo barro e os patinhos sofriam pra seguir a mamãe pata. Era muito engraçado, depois que os patinhos nasciam, ver um bando deles, junto dos irmãozinhos pintinhos, seguindo a mamãe galinha.

– Vovó devia ser uma figura!

– E era, Heitor… Mas às vezes era meio intrometida… Onde já se viu querer mudar a natureza dos patos?

Depois foi nossa vez de falar, contamos, eu e o Lipe, tudo que percebemos na leitura que fizemos do livro. Meu pai prestava muita atenção e sorria, a cada revelação que a gente fazia. Quer saber? Uma das coisas que mais gosto no meu pai é esse interesse que ele tem por nossas opiniões.

As oito frangas de Caio F.

O livro As Frangas, escrito por Caio Fernando Abreu, com ilustrações de Suppa e publicado pela Editora Vida Melhor começa com o autor dizendo que a melhor história de galinha que ele conhece é a da Clarice Lispector, contada no livro A vida íntima de Laura. Depois ele explica porque prefere chamar a galinha de franga:“Olha, para dizer a verdade, nem sei direito. Quando olho para uma galinha, acho ela muito mais com cara de franga. Acho mais engraçado.”

Então ele começa a falar da casa onde nasceu, tinha um pátio enorme, (que aqui a gente chama de quintal), tinha uma porção de árvores, “tinha também formiga, passarinho e cachorro”, o Faruque e a Cadeluda. No jardim tinha hortênsia, um jasmineiro e umas margaridas. Também tinha uma bergamoteira, que dava bergamotas, (que aqui a gente chama de mexerica).

Ele diz que o bom quando a gente conta uma história, “é poder chamar as coisas como a gente quer chamar, não como todo mundo chama.” E pede pra gente experimentar… Ele ainda continua contando muito mais sobre essa sua casa, de quando era criança e do seu pátio enorme, até chegar na história das suas frangas, que eram oito:

A Ulla; a Gabi; as três Marias, Maria Rosa, Maria Rita, Maria Ruth; a Otília; a Juçara e a Blondie. Cada franga tem sua história; a Ulla, por exemplo, nasceu na Suécia; a Gabi nasceu na Paraíba, mas foi encontrada no Rio de Janeiro; as três Marias são irmãs e vivem grudadas; a Otília, o Caio ganhou num parque de diversões.

A Juçara, ele acha a mais bonita, mas as outras não podem saber disso, senão rola um ciúme; e a Blondie, que quer dizer lourinha em inglês, é norte-americana, e por isso tem esse nome, pois ela é lourinha, também. Mas elas não vivem nessa casa do Caio, com um pátio enorme, suas oito frangas moravam em seu apartamento, em São Paulo e na maior parte do tempo, ficavam em cima de sua geladeira.

Caio Fernando Abreu (1948-1996) foi jornalista, crítico literário e escritor, considerado um dos representantes de sua geração, nasceu na cidade de Santiago, no Rio Grande do Sul, estudou Letras e Artes Cênicas na UFRGS, mas abandonou esses cursos para trabalhar como jornalista em revistas, como a Nova, Manchete, Veja e Pop.Também escreveu para os jornais Correio do Povo, Zero Hora, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. Em 1968, durante a Ditadura, foi perseguido e refugiou-se em São Paulo, na casa da escritora Hilda Hilst. Nesse tempo morou na Espanha, Suécia, Países Baixos, Inglaterra e França, retornando a Porto Alegre em 1974.

Em 1983 mudou-se para o Rio de Janeiro, depois, em 1985, veio viver e trabalhar em São Paulo. Convidado pela Casa dos Escritores Estrangeiros, voltou à França, em 1994, mas quando descobriu que era portador do HIV, foi morar na casa de seus pais, em Porto Alegre, onde ficou até sua morte, no dia 25 de fevereiro de 1996. Escreveu romances, contos, peças de teatro, novelas, crônicas, e ainda fez traduções. Além de As Frangas e Morangos Mofados, publicou Onde Andará Dulce Veiga?, Pequenas Epifanias, Os Dragões não Conhecem o Paraíso, A Maldição do Vale Negro, Limite Branco, O Ovo Apunhalado, e muitos outros. Seus livros foram traduzidos para diversas línguas e receberam muitos prêmios, inclusive dois Jabutis.