Combinei com o Lipe e prometi para as turmas do Luiz Gatti, de Belo Horizonte, que nesta semana publicaria mais uma das minhas resenhas. Hoje, cumpro a promessa e escrevo sobre o “Histórias guardadas pelo Rio”, de Lúcia Hiratsuka. Sempre que resenho um livro, busco algum “gancho” – como fala o meu pai – que tenha a ver com a minha história. Minha mãe diz para eu ter cuidado com isso, não ficar contando vantagem ou pecar pelo excesso – “a pessoa que fala sempre de si é muito chata”. Procuro seguir seus conselhos, mas, desta vez, não pude evitar.
Li no jornal que minha amiga Lúcia Hiratsuka ganhou dois Jabutis, neste ano. Um de ilustração com “Chão de Peixes” e o outro, na categoria de melhor livro juvenil, com este “Histórias guardadas pelo Rio”. Já falei da Lúcia, aqui no blog, inclusive resenhei outro livro dela, que gostei muito, “Os livros de Sayuri” (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/li-a-historia-da-sayuri-e-dos-livros-enterrados/)
Quando lancei “Os meninos da biblioteca”, a Lúcia foi ao lançamento e, uns dias depois, nos encontramos, para conversar um pouco. Eu estava passando por uma crise e me aconselhei com ela. Era uma crise de identidade. Enquanto escrevia o livro, foi fácil entender, mas depois que ficou pronto, a coisa começou a complicar. Quem sou eu, no meu livro? – às vezes ficava em dúvida, até, se o livro era meu, mesmo. Eu sou o personagem-escritor, também, ou só o personagem-narrador? Até tive uma conversa muito séria, sobre esse assunto, com o autor, que contei aqui no blog: http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/o-bibliotecario-do-imperador-e-uma-conversa-com-o-autor.
Mas o que me salvou, de vez, daquela crise, foi o papo que tive com minha amiga, quando ela me deu uma boa bronca, carinhosa, mas foi uma bronca:
– Você tem que parar com essa confusão de personagem, escritor, narrador, você é o escritor do seu livro, Heitor, e está acabado.
A minha amiga Lúcia nem imagina o quanto me ajudou, foi depois dessa conversa com ela e da sua bronca, que decidi: não vou mais me preocupar como esse detalhe. Se o autor tiver alguma crise de identidade, que resolva com sua analista, pois eu resolvi a minha, com a Lúcia Hiratsuka: sou o escritor daquele e do meu próximo livro, e está acabado! E a partir de hoje, não toco mais nesse assunto.
Um rio cheio de histórias
O livro “Histórias guardadas pelo Rio“, escrito e ilustrado por Lucia Hiratsuka e publicado pela editora SM, conta a saga de Pedro, que não conseguindo mais pescar as boas histórias, que ficavam guardadas no fundo do rio, sai em busca do segredo da pesca. A Lúcia nasceu em um sítio, no interior de São Paulo e seus livros, quase sempre, são inspirados nas lembranças de sua infância.
Naquela cidade, havia a Don’Ana, que além de pescar histórias maravilhosas, fazia belos bordados com elas, com quem Pedro pegou uma dica, mas que não resolveu nada. A Carolina, que não sabia de segredo nenhum, para ela, pescar histórias era com brincar – acho a Lúcia muito parecida com a personagem Carolina, ela também brinca, desenha, pinta e, assim, vai pescando histórias maravilhosas. O seu Norberto, que pescava e colecionava histórias, guardadas em caixas, maletas e balaios e que um dia lhe disse, que o importante é a qualidade da vara de pescar. Pedro foi atrás de uma vara especial, mesmo assim, não teve sucesso.
Quando pequeno, Pedro saía para pescar com seu pai e ficava muito feliz com as histórias que conseguia pegar. Hoje, seu pai não pesca mais, doou todas as histórias que tinha e mantem uma loja, onde vende artigos para pescaria. E foi depois de uma conversa com ele, que Pedro resolveu viajar para bem longe, para depois das matas, a fim de procurar o seu Guido, um velho que sabia todos os segredos da pesca. Claro que não vou contar como foi a viagem de Pedro, mas o que posso dizer é que, lendo “Histórias guardadas pelo rio”, percebi como muitas histórias podem ser “pescadas” e que algumas, quando a gente menos espera, mordem nossos anzóis.
Adorei o jeito como a Lúcia contou a história desse seu livro, que, certamente, deve ter pescado em algum rio da sua infância.
A autora
Lúcia Hiratsuka nasceu no sítio Asahi, interior de São Paulo. No chão do quintal de terra brincou e rabiscou seus sonhos. Chegou a São Paulo aos 15 anos e meio, com a ideia de estudar desenho. Depois de graduar-se pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo, encontrou o caminho da literatura infantojuvenil. Publicou diversos livros e recebeu importantes prêmios como Jabuti de Ilustração em 2006, 2012 e 2019; o Jabuti de Melhor Livro Juvenil em 2019; o Melhor para Crianças, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), em 2015; o Trofeu Monteiro Lobato, em 2015, da revista Crescer, além da indicação de uma de suas obras no prestigiado catálogo White Ravens, da Biblioteca de Munique, também em 2015.