Juvenil de Mirisola e luta política

No post de hoje vou continuar com um assunto que falei no anterior, ser atraído pelos títulos dos livros. Outro dia saí com o pessoal da Sintaxe, eles foram comprar alguns livros e na lista tinha um título do escritor Marcelo Mirisola, Charque. O moço da livraria foi até a estante, voltou com outro livro do mesmo autor e disse: “Por que vocês não levam este, também, e dão de presente ao menino?” – o menino no caso era eu. “É um infantil do Mirisola?!” – eles perguntaram, surpresos. O livro tem jeito e formato de livro pra criança, mas é juvenil, se chama Teco, o garoto que não fazia aniversário, foi escrito por Marcelo Mirisola e Furio Lonza, e ilustrado por André Berger.

De cara fiquei interessado pelo livro, achei que o título tinha tudo a ver comigo. Também não faço aniversário, nasci no dia 20 de novembro, mas desde que comecei a fazer este blog só fiz aniversário uma vez, tinha onze e agora tenho doze. Neste ano estou pensando em fazer aniversário, novamente, com treze vou poder ler livros mais maneiros. Mas voltando ao assunto, ganhei o livro de presente, li e me surpreendi, o livro não era nada do que estava imaginando. Adorei! Nunca tinha lido um livro juvenil como esse e hoje vou falar um pouco dele.

Mas antes quero contar mais um capítulo da história da minha primeira luta política, a luta em defesa da biblioteca do meu bairro, pois na semana passada fui assistir a uma reunião no Condephaat.

Mais uma vitória da nossa luta

Tivemos mais uma vitória na luta em defesa da biblioteca e do quarteirão do nosso bairro, mas a luta continua… Queremos mais! Todos que acompanham meu blog ou viram, na época, essas notícias nos jornais, devem saber do que estou falando. Esse quarteirão fica no bairro do Itaim Bibi e nele tem uma biblioteca, um teatro, duas escolas, dois serviços de saúde e a APAE. O prefeito queria derrubar tudo – não esse que está aí, o outro – e entregar para uma empreiteira construir apartamentos de luxo. Já aprendi, isso se chama especulação imobilária, um dos grandes males que está acabando com a história e a memória de muitas cidades no Brasil.

Durante nossa luta aprendi muitas outras coisas, fiquei sabendo que esse formato, diversos serviços públicos no mesmo espaço é um projeto de Anísio Teixeira, um dos mais importantes educadores brasileiros; que a biblioteca que atualmente se chama Anne Frank, foi fundada em 1946 e está nesse terreno por sugestão de Monteiro Lobato; que esse quarteirão conta a história de como a cidade foi ocupada, e que já não existem muitos desses em São Paulo. Por tudo isso e muito mais, entramos com pedido de tombamento junto ao Condephaat.

Companheiros de luta nos corredores do Condephaat, não estou aí, na foto, pois fui eu que bati

Em janeiro deste ano eles deram a resposta, tombaram só a biblioteca e o teatro, os outros serviços do quarteirão ainda poderiam ser derrubados por algum prefeito amigo da especulação.  Então fizemos uma “contestação”, entramos com “recurso” contra a decisão do Condephaat, e a nova resposta saiu na reunião da semana passada, o conselho votou e nós assistimos à votação. A Áurea, advogada do nosso movimento, me explicou que, além do tombamento da biblioteca e do teatro, agora eles decidiram “delimitar toda a quadra como área envoltória dos dois bens tombados”.

Acho que foi uma vitória, mas ela disse que isso não garante nada, ainda: “Como não foram divulgados os parâmetros construtivos da área envoltória, corremos o risco de não conseguir preservar todos os equipamentos.” Mas ela disse que já protocolou um “pedido de vista do processo” para esclarecer essas questões. Essas coisas de advogados são complicadas, não entendo muito bem, mas assim que tiver mais notícias, conto aqui.

Estou feliz, já vencemos muitas batalhas e a luta continua. O meu amigo Luiz Gabriel, companheiro do movimento, me disse que esse foi mais um capítulo da nossa luta: “Você que gosta de contar histórias, Heitor, deve entender muito bem dessas coisas de capítulos”. Disso, acho que entendo melhor.

As desventuras de Teco

Teco, o garoto que não fazia aniversário é o primeiro livro juvenil de Marcelo Mirisola, foi escrito em parceria com Furio Lonza, ilustrado por André Berger e publicado pela Editora Barcarolla. Li o livro e pesquisei sobre o Mirisola, dizem que ele faz um texto ‘escatológico’ e violento, e escracha a sociedade com uma linguagem cheia de humor, deboche e muita ironia. Achei irado, adorei esse Mirisola! A aventura desse livro começa numa segunda-feira, num dia bonito, Teco não gostava de festa de aniversário, odiava bolo, detestava brigadeiro, a única coisa que ele gostava um pouco dessas festas era a língua-de-sogra.

Teco se divertia, mesmo, com as palavras que mexiam com sua imaginação: avalanche, enxurrada e desabamento eram suas preferidas. Gostava de ficar trancado em armários, sempre que podia vestia as roupas da mãe, às vezes, se escondia no depósito de materiais de limpeza da escola, adorava cheiro de tinta fresca e de páginas emboloradas de livros antigos. Não gostava de Playcenter, nem montanha-russa, ficava na garagem do prédio ouvindo o barulho das tubulações e lambia azulejos, uma vez até pegou bicho geográfico na língua. Teco era um garoto muito esquisito!

Ilustração de André Berger

Na terça-feira Teco foi ao supermercado com sua mãe, enquanto ela fazia compras, “o garoto mergulhava de cabeça num livro de mistérios”, ia lendo, caminhando, esbarrando nas pessoas e derrubando as latas de leite das gôndolas. Teco também achava chato esse negócio de fazer compras, só queria terminar a história do livro pra saber quem era o assassino. De repente, tirou os olhos da leitura e viu um palhaço de verdade, nariz vermelho, sapatões sete léguas, cabelos espetados, suspensórios amarelos, calças cheias de bolinhas, mas era uma figura meio triste e parecia bêbado.

O palhaço se chamava Cachacinha, eles começaram a conversar, contaram suas vidas, do que mais gostavam e ficaram amigos, mas só até o dia seguinte. Na quarta-feira Chachacinha levou Teco ao centro da cidade, sequestrou o menino, se juntou ao parceiro Alambique e o levou ao cativeiro. Lá Teco ficou amigo do sagui Nico, fugiram, e levaram o boneco inflável do sagui, o Máicon Jackson. No caminho conheceram um grupo de garotos, Mané, Guinza e Nóia, que nasceram e cresceram na malandragem das ruas. Esse é só um pequeno resumo do começo da história, depois, toda turma vive uma aventura irada, um pouco violenta, mas contada no estilo Mirisola, “cheio de humor, deboche e com muita ironia”, como descobri na minha pesquisa. Eu adorei!

Marcelo Mirisola é considerado uma das grandes revelações da literatura brasileira dos anos 1990, conhecido pelo estilo inovador, agudo, escancara as contradições do status quo, sobretudo do universo dos intelectuais moderninhos e suas posturas demarcadas pelo que se convencionou politicamente correto. Escreveu contos e romances, além de Teco, o garoto que não fazia aniversário e Charque, Mirisola publicou, O herói devolvido, Joana a contragosto, Bangalô, O banquete (com o cartunista Caco Galhardo), Fátima fez os pés para mostrar na choperia, Proibidão, entre outros, e em maio vai lançar o romance, Hosana poluída.

Furio Lonza nasceu na Itália, veio para o Brasil com cinco anos de idade. Jornalista – chegou a ser repórter – já nos anos 1970 enveredou-se pela literatura. Inicialmente escrevendo contos – um deles premiado no concurso de contos eróticos da revista Status, em 1977 – domina todos os gêneros. Do conto à poesia passando pelo romance. Em 2011 escreveu o seu primeiro texto para o teatro, Patagônia, com montagem dirigida por Xando Graça, com Diana Hime e Joana Lerner, que fez temporada no Teatro Maria Clara Machado (Planetário), Rio de Janeiro.

André Berger é artista plástico e ilustrador, colaborou com diversas publicações independentes do Brasil.

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