Li Tolstói

Na semana passada continuei minhas buscas por escritores consagrados, que ficaram famosos escrevendo para adultos, mas que também publicaram livros infantojuvenis. Procurei na internet e encontrei um livro infantil de Liev Tolstói. Eu já tinha ouvido falar do Tolstói e já tinha lido alguma coisa sobre os grandes escritores russos. O livro se chama De quanta terra precisa o homem?. Fiquei curioso pelo título e louco pra ler um livro do Tolstói. Fui procurar na minha biblioteca – aquela que a prefeitura quer derrubar, junto com todo um quarteirão do meu bairro, pra construir um prédio de apartamentos – mas não encontrei. Então fui à livraria com o meu pai e comprei o livro. Quando fomos ao caixa pagar, a moça me perguntou, espantada: – É um infantil do Tolstói?! – Sim, eu respondi, já posso ler Tolstói! – Ler e entender, ela completou. Rimos e saí feliz de lá, com o meu livro do Tolstói na mão.

Não via a hora de chegar em casa e ler. No caminho já fui pensado no post que eu iria escrever pra contar que eu tinha lido esse livro. Já fiquei imaginando o título do post: LI TOLSTÓI! Perguntei ao meu pai se ele não achava esse título muito óbvio e ele respondeu: – Sim, é obvio, mas é impactante, meu filho. Quando cheguei em casa, nem quis comer, sentei, li o livro todinho, reli, vi as ilustrações e fiquei muito feliz. Era minha primeira vez com Tolstói. Lembrei da primeira vez que eu li Machado de Assis. Eu também fiquei feliz, assim, e até contei isso aqui. É uma sensação tão boa, “uma felicidade que não cabe dentro de mim” – uma vez eu ouvi isso, e era exatamente o que eu estava sentido naquela hora. Precisava dividir a minha felicidade e contar pra mais alguém que eu tinha lido Tolstói. – Vou ligar pro pessoal da Sintaxe.

– E aí, pessoal, beleza?

– Beleza, Heitor. Alguma novidade?

– Li Tolstói!

– É mesmo?! Que livro você leu?

De quanta terra precisa o homem? e já vou falar dele no próximo post.

– Você não vai acreditar…

– No que?

– Agora mesmo nós estávamos conversando e pensando em mandar um livro do Tolstói pra você.

– Esse mesmo livro?

– Não. Outro… é um livro do Tolstói que tem algumas histórias para crianças. Ele se chama Contos da Nova Cartilha: Segundo Livro de Leitura.

– Que legal! O Tolstói escreveu mais histórias pra crianças?

– Sim, ele foi um escritor muito preocupado com a educação, criou uma escola para crianças pobres e escreveu as cartilhas e os livros que eram usados na sala de aula. E a editora Ateliê vai publicar um desses livros.

– Eu quero ler esse livro também.

– E tem mais… foram alguns alunos de uma escola russa que fizeram as ilustrações, especialmente para essa edição.

– Manda logo esse livro pra mim, então. Quero ler e falar dele, também, no próximo post.

– Mas o livro ainda não está pronto…

– Só se eu esperasse, então, e fizesse esse post depois… mas eu estou tão animado e louco para falar do Tolstói.

– Faz o seguinte… nós vamos conversar com a editora e ver se dá para mandar o PFD pra você.

– Que PDF?

Quando os jornalistas querem escrever sobre um livro antes de ele ser impresso, nós mandamos uma prova ou o PDF, que é um arquivo com as imagens do livro. Daí ele pode imprimir ou ler na tela do computador. Os jornalistas, muitas vezes, leem um livro, antes, mesmo, de ele ser publicado.

– Então eu também vou poder ler um livro, como um jornalista, antes dele ficar pronto?!

– Vamos ver, se o PDF estiver aprovado, nós mandamos pra você.

– OBA!

– Me fala, Heitor, e a sua luta política, como anda?

– O Condephaat está analisando o tombamento do quarteirão…. mas eu estou com medo. E se eles resolverem não tombar? O que nós vamos fazer? Vou ligar pro Helcias pra saber quando vai ser a nossa próxima reunião.

– Isso, liga, mesmo e depois avisa a gente. E tem mais novidades?

– Tem sim, tem uma novidade bem legal! A assessoria de imprensa do movimento em defesa do quarteirão me entrevistou.

– É mesmo? E pra que eles entrevistaram você?

– Pra fazer um release e mandar pra imprensa. Eles vão divulgar o movimento, e vão aproveitar, e falar do meu blog e da minha participação na luta.

– Que bom! E quando vai rolar isso?

– Eu já respondi a entrevista e eles me mandaram um e-mail dizendo que já vão “disparar o release para imprensa.” Eles disseram também, “que fizeram alguns contatos pra conseguir emplacar a pauta, e acham que vão conseguir.” Isso é bom?

– Isso é ótimo, Heitor!

– Tomara que saia matéria no jornal pra eu contar aqui no blog.

– Se tiver alguma novidade, conta pra gente, viu?

– Claro! Vocês serão os primeiros a saber.

Dois livros de Tolstói

O pessoal da Sintaxe conversou com a editora Ateliê e me mandaram o PDF. O livro do Tolstói Contos da Nova Cartilha: Segundo Livro de Leitura nem está impresso ainda, e eu já li. Li também o De quanta terra precisa o homem?, que foi o meu primeiro Tolstói. Já li dois livros do Tolstói e hoje vou falar deles aqui.

De quanta terra precisa o homem, escrito por Liev Tolstói, ilustrado por Cárcamo, que também fez a tradução e a adaptação, e publicado pela editora Companhia das Letrinhas conta uma história que começa com uma visita que a irmã mais velha faz para a irmã mais nova. A mais velha morava na cidade e era casada com um comerciante rico, a mais nova morava numa aldeia e era casada com um camponês. Elas se sentaram para tomar chá e conversar. A mais velha começou a se gabar das vantagens de viver na cidade, do conforto e da boa vida. Ela e as crianças se vestiam muito bem, comiam e bebiam a vontade, passeavam iam às festas, assistiam a espetáculos de teatro e muitos outros divertimentos.

A mais nova, que morava na aldeia, ficou ofendida e começou a criticar a vida na cidade e a defender a vida no campo. Disse que não trocaria a vida dela por nada, que viviam humildemente, mas pelo menos não viviam com medo. “Sua vida pode ser melhor que a nossa, podem ganhar muito dinheiro, mas também podem perder tudo.” E acrescentou: “Hoje, você está rica e, amanhã está pedindo esmolas.” E ainda continuou: “A vida no campo é mais segura. Não vamos ficar ricos, mas tiramos da terra o suficiente para não passarmos fome.” E a irmã mais velha deu o troco: “O suficiente para não passar fome? Claro! Se dividem o alimento com as vacas, os porcos e as galinhas. O que sabem vocês de moda e elegância? Por mais que seu marido trabalhe, vão viver e morrer no meio do esterco. E assim vão continuar os seus filhos.”

E a discussão foi esquentando: E o que você tem com isso? Perguntou a mais nova e disse que sua vida era rude, mas era segura. “Vocês vivem cercados de tentações. Hoje pode estar tudo bem, mas amanhã o diabo pode tentar o seu marido com cartas e vinho, e todo esse encanto de que você se pavoneia estará arruinado.” Pahkóm, o dono da casa, marido da mais nova, que estava sentado perto da lareira e ouvia as duas irmãs tagarelarem, pensou: “É a pura verdade. Desde a infância ocupado com a terra, um caipira como eu não tem tempo de encher a cabeça com bobagens. Nossa única preocupação é a falta de terra. Se eu tivesse muita terra, não temeria nem mesmo o próprio diabo.” Este é só o começo da história, depois disso Pahkóm vai atrás de mais terras, passa por alguns testes e no final o livro mostra De quanta terra precisa o homem.

Contos da Nova Cartilha: Segundo Livro de Leitura, escrito por Liev Tolstói, traduzido por Aurora F. Bernardini e Belkiss Rabello, ilustrado pelas crianças da Escola Infantil de Artes N. 9, da cidade de Ijevsk, e publicado pela Ateliê Editorial tem 38 histórias. São fábulas, histórias reais, contos folclóricos, e outros textos, que eram usados na sala de aula da escola rural que o escritor russo criou. Tolstói se preocupava com a educação das crianças e dos pequenos camponeses e por isso produziu livros de histórias para crianças e também cartilhas. Graças ao apoio de Nádia Wolkonsky, Lev Rodnov e Elena Vássina, essa edição da Ateliê conseguiu juntar algumas crianças de uma escola russa, que leram os textos originais, discutiram entre elas e depois fizeram os desenhos. Cada história tem uma ou mais ilustrações dessas crianças com o nome e a idade de quem fez. Cada desenho conta pra gente o que aquela criança russa entendeu da história. Isso é bem legal!

Macha Góreva, 8 anos

Tem a história da menina e os cogumelos que caíram nos trilhos do trem; do burro que se vestiu de leão; da andorinha e a galinha, que chocou os ovos da serpente; do índio, que prende um inglês e mesmo tendo seu filho morto por ele, deixa-o ir embora; do veadinho e do cervo que tinha medo dos cães; do mercador que perdoa o ladrão, que já tinha sido seu amigo; da raposa e as uvas, que ainda estavam verdes; dos homens que buscavam pedras preciosas e o que menos trabalhou foi quem pegou a maior; das empregadas, que mataram o galo pra não acordarem tão cedo e se deram mal; do camponês que queria construir um moinho que não precisasse de água, vento ou cavalo; do pescador que pescou um peixinho miudinho; do tato que desmente a visão e vice-versa; da raposa e o bode que bebeu muita água; do camponês que descobre um jeito bem fácil de tirar uma enorme pedra do meio da praça; e muitas outras.

Génia Lupatchiov, 12

Tem uma história, foi a que eu mais gostei. Ela me fez lembrar de outra história que aconteceu comigo. Faz tempo, eu era bem pequeno.

Um passarinho – acho que era um pardal – fez o seu ninho na caixa de relógio, que fica no terraço da minha casa. Eu o via trazendo os galhinhos pra dentro da caixa e acompanhei toda a sua rotina. Depois de alguns dias, ele botou os ovos no ninho, e ficava quase o tempo todo chocando, mas quando saía pra comer, eu podia ver que os ovinhos eram bem pequenos. Um dia os filhotes nasceram. Eram feinhos e peladinhos. A mãe saía pra buscar comida e eu podia ver bem de pertinho. Com o tempo criaram penas, ficaram bonitos, cresceram, aprenderam a voar e foram embora.

Essa minha história, que lembra a do Tolstói, tem um final feliz, apesar de eu ter sentido falta dos passarinhos, que foram os meus companheiros por muitos dias. Já a do Tolstói, que se chama “Titia conta como um pardal chamado Vivinho foi domesticado”, é bem triste, mas é muito bonita.

Uma história inteira

Adel Siniáguina, 12 anos

Eu já tinha fechado o texto do post, quando pensei que poderia publicar aqui uma história inteira para dividir com vocês, o privilégio de ler um livro, ou pelo menos parte dele, antes mesmo de ficar pronto. Falei com o pessoal da Sintaxe e eles conversaram com a Ateliê, que autorizou a publicação. Escolhi uma bem curtinha, é uma fábula. Ao lado coloquei a  ilustração da história, de Adel Siniáguina, que tem 12 anos, mora na Rússia e também estuda na Escola Infantil de Artes N. 9, na cidade de Ijevsk.

“Três broas e uma rosca”

Um mujique sentiu vontade de comer. Ele comprou uma broa e a comeu; mesmo assim, continuava com fome. Comprou outra broa e a comeu; continuava com fome. Comprou uma terceira broa e a comeu; mesmo assim, continuava com fome. Depois, comprou uma rosca e a comeu, ficou satisfeito. Então, o mujique bateu na testa e falou:

— Que bobo eu sou! Para que fui comer três broas à toa? Podia ter comido a rosca logo de cara.

Liev Tolstói nasceu na Rússia em 1828, numa grande propriedade chamada Iasnaia Poliana (campina clara). Filho de uma importante família ligada aos czares, ficou órfão ainda criança. Na universidade, na cidade de Kazan, estudou línguas orientais e direito. Em 1847 recebeu como herança a Iasnaia Poliana. Em seguida viajou por vários países da Europa e regressou à Rússia para administrar as terras e dedicar-se à literatura. Em 1859 criou nesse lugar uma escola rural para crianças pobres, e ele mesmo escreveu as cartilhas e os livros usados em sala de aula. Escreveu Guerra e paz e Anna Karenina, duas das maiores obras literárias de todos os tempos. Perseguido e excomungado pela Igreja, seus últimos anos são de engajamento social. Tolstói morreu em 1910, aos 82 anos de idade.

Gonzalo Cárcamo nasceu em 1954 no Chile, mora no Brasil desde 1976 e colabora nas principais publicações. Já recebeu alguns prêmios por seu trabalho, entre eles o de melhor caricatura nos salões internacionais de Humor do Piauí (1987) e de Piracicaba (1988), e o prêmio HQMIX de melhor ilustração de livro infantil (2002, 2004 e 2005). É autor de cinco livros infantis e de um livro de aquarelas sobre Paraty. Ganhou o prêmio FNLIJ 2007 de Melhor Ilustração pelo livro Thapa Kunturi – Ninho do condor. Tem profunda admiração pelos escritores russos e para ele, foi uma realização ter ilustrado De quanta terra precisa o homem, do Tolstói.

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  1. Olá Heitor, tenho que fazer um trabalho sobre esse livro, mas tenho que ler outros dois poderia me responder uma pergunta?
    Bom, a pergunta é fácil pra qjem já leu o livro. O protagonista, Pahkón, faz de sua vida uma busca incessante atrás de terras. Como é realizada essa busca?

  2. Olá, Vih. Do que eu me lembro, ele vai encontrando e conhecendo pessoas, ouvindo histórias de terras boas e baratas, vai se mudando de lugar e comprando terras. Mas é melhor você ler o livro, minha memória pode ter confundido alguma coisa ou misturado histórias 🙂 Quais são os outros dois livros que você tem que ler? Depois me conta!

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