Li um livro numa sentada

Hoje eu vou contar a história de um livro bem legal. Tão legal, que eu li numa sentada! Quando eu ouvi pela primeira vez essa expressão, eu achei muito engraçada: ler numa sentada! Eu já usei essa expressão outra vez aqui no blog. Mas no meu caso, e desta vez, não foi exatamente numa sentada. Foi numa deitada! Eu li esse livro no domingo passado, deitado no sofá da sala de casa. Às vezes eu gosto tanto de um livro, que eu leio sem parar, até chegar ao final. Não sei o que é que acontece, se é o jeito que ele é escrito, ou pela própria história e como ela é contada. Tem vezes que o assunto até não me interessa tanto, mas a forma como o escritor conta, me prende de um jeito, que eu me esqueço da vida e das outras coisas que eu tenho pra fazer, e fico só lendo. Mas também já teve vezes que eu comecei a ler um livro e no início ele estava meio chato, muita descrição, muitos detalhes, sei lá, essas coisas que me fazem distrair e me perder na leitura. Quando é assim, eu insisto, e muitas vezes dá certo. Vou descobrindo a história, conhecendo os personagens, entendendo o jeito de o escritor contar, e no meio, o que era chato passa a ser bem gostoso. É como aquelas pessoas que quando a gente vê pela primeira vez, não vai muito com a cara, mas depois, conhecendo melhor, viram grandes amigos. Quem não teve uma pessoa assim na vida, e um livro?

Esse livro foi a miki que me emprestou. Eu já falei dela aqui no blog (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=731). Ela escreveu e ilustrou Vestida para espantar gente na rua e vive inventando coisas. Naquele dia ela me disse: – “Leva esse livro emprestado, Heitor, eu adorei, li mais de uma vez. Leia e depois me conte, acho que você vai gostar”. – E eu gostei, mesmo, miki, adorei, também. O nome do livro é Nuno 100 novidades, o autor é o Pierre Gripari, o ilustrador é o Odilon Moraes, e foi publicado pela Editora Companhia das Letrinhas. O livro conta a história de um rapaz que não tinha novidades. Sempre que lhe perguntavam: – E então? Como foi? Ele respondia: – Sem novidades. Quando voltava ao trabalho, depois do final de semana, todos os colegas dele tinham coisas para contar. Um tinha saído para pescar e pegou um peixe bem grande, outro rodando de carro viu uma batida incrível, outro brigou com a sogra, o filho de outro caiu da árvore e quase se arrebentou, outro assistiu a um filme na TV. Só o Nuno não tinha visto e nem ouvido nada. E quando lhe perguntavam: – Mas afinal de contas, como foi que você passou esses dois dias? Ele respondia tranquilamente: – Eu? Sem novidades… Por isso ele era conhecido como Nuno-Sem-Novidades. Quem conta a história desse livro é o Tadeu, que vivia na mesma cidade que o Nuno, era mais novo do que ele e virou o seu grande amigo. Foi o Tadeu quem descobriu que o Nuno, na verdade, não era sem-novidades, ele sempre estava cheio de novidades, era, sim, o Nuno cem-novidades.

Ilustração do Odilon Moraes
As novidades do Nuno eram as histórias que ele contava. Ele conhecia muitos casos, podia contar um conto atrás do outro e sempre aumentava um pouco. Tadeu já conhecia o Nuno de vista e um dia ele tinha acabado de fazer 12 anos e foi à biblioteca municipal devolver o livro que tinha emprestado e pegar outro, como ele mesmo conta: – “Lá chegando, tenho a grande surpresa de ver Nuno sentado à mesa de atendimento, no lugar antes ocupado por uma senhora a quem a gente se dirigia para as devoluções e empréstimos. Ele havia arranjado esse novo emprego”. Como o Tadeu frequentava muito a biblioteca eles acabaram ficando amigos, “meu melhor amigo”, dizia Tadeu. Conversavam na biblioteca ou no banco da praça, onde eles se encontravam à noite, depois do jantar. “As melhores noites eram as de segunda-feira, porque ele então me contava histórias. Não histórias que tivessem acontecido com ele, é claro – porque, como vocês sabem, jamais lhe acontecia nada -, mas histórias de gente que ele havia encontrado ou de quem tinha ouvido falar”, contou o Tadeu, que desconfiava que muitas dessas histórias nunca tinham acontecido de verdade, nem com o Nuno e nem com ninguém, e o Nuno nem disfarçava e inventava suas histórias enquanto conversava.

As primeiras conversas aconteceram mais ou menos assim:

Tadeu começava provocando o Nuno.

– E então Nuno, passeou bastante ontem?

– Ah, passeei bastante, sim.

– E o que te aconteceu desta vez?

– Não aconteceu nada…

– Mas nada mesmo?

– Mesmo. Você sabe muito bem que comigo nunca acontece nada.

– É, mas sei lá, você pode ter encontrado alguém, ou alguma coisa…

– É… pode ser… Deixa ver: quem?

E então ele fingia que estava fazendo força para se lembrar e Tadeu dava algumas sugestões.

– Encontrou um marinheiro, um camponês, um guarda, uma vaca, uma cobra, um cachorro.

– É acho que encontrei alguém…, mas quem?

E Tadeu respondeu:

– Uma raposa.

Nuno reagiu na mesma hora:

– Isso, mesmo garoto! Eu tinha me esquecido! Uma raposa! Uma raposa-macho, aliás. Um raposo. Reinaldo-Raposo.

E lá veio a história do Reinaldo-Raposo, que havia saído de um livro e com quem o Nuno tinha se encontrado e conversado na língua das raposas. Além desta foram muitas e muitas histórias, que o Nuno inventou e contou para o seu amigo Tadeu, e estão todas lá, nesse livro.

Pierre Gripari nasceu na França, em Paris, em 1925 e morreu em 1990. Além deste livro, ele escreveu Contos da rua Brocá, que também deve ser bem legal. Filho de mãe francesa e pai grego, de Míconos, ele escreveu romances, contos fantásticos e muitos livros infanto-juvenis.

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  1. Ah! gostei muito desse seu jeito de fazer a gente conhecer o nuno ele é um contador de historias como vc….
    Várias vezes eu já li pedaços do livro de uma sentada, mas não inteiro, pois sempre leio na biblioteca lá mesmo.
    beijão

  2. oi, menino heitor!

    que gostoso que vc leu o livrinho e gostou!
    fiquei feliz em saber e me diverti com o seu post 🙂
    vamos fazer outras troquinhas de livrinhos!

    beijos, m.

  3. Que bom que você gostou, Anônimo. É mesmo, para ler o livro inteiro, às vezes, a gente precisa de mais tempo.

  4. Sou fã de Pierre Gripari e adorei seu comentário. É um autor maravilhoso e é tão pouco difundido nas escolas. Este conto que você fala e todos os outros que ele escreve são da maior alegria e encantamento. Valeu mesmo a dica!
    Abraços

  5. Encontrei este blog por acaso, procurando a expressão “li numa sentada”, que estava usando para comentar sobre um livro que li, há dois dias, numa sentada: Santo Anjo e Pão de Queijo, de Maria Lúcia Carvalho. Gostei do nome do blog e da resenha sobre o livro de Pierre Gripari. Tudo muito interessante ! Pretendo acompanhar. Estou me aposentando após 50 anos de trabalho e um dos meus projetos é me organizar para ler mais. Amo! Quero receber tudo o que for postado aqui, Heitor.

  6. Oi, Maria Teresa. Fico feliz em saber de seu interesse pelo meu blog e de seu projeto. Vou lançar novo livro, em 2024, com nova aventura de “Os meninos da biblioteca”, pretendo retomar as postagens aqui e, certamente, você será avisada. Obrigado pela visita! Heitor.

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