Brinquei de Flip e li O alienista

Duas notícias me deixaram muito triste no começo deste ano. As tragédias provocadas pelas chuvas e o fechamento da minha biblioteca. A prefeitura quer fechar a Biblioteca Anne Frank! 

Foto tirada na primeira vez que eu fui sozinho à biblioteca do bairro

O pessoal da Sintaxe me mandou um e-mail: Como é Heitor, o que você leu nas férias? Não vai contar pra gente? Já sei, eles querem que eu coloque post novo no blog e estão me pilhando. Mas tudo bem, eu gosto deles – eles são maior legal -, e adoro escrever no blog. E depois já está na hora, mesmo. As férias do blog acabaram!

Eu ainda estou de férias da escola, mas já estou em casa, de volta da viagem. Como disse no post anterior, fui viajar com os meus pais. Ficamos na casa de uns amigos deles, numa cidade gostosa, aqui perto de São Paulo. Brinquei, passeei, nadei, ouvi música, assisti filmes, li e dormi muito. Além dos amigos dos meus pais, estavam lá, também, os filhos deles. Um moço de 18 anos, o Jonas, e uma menina de 15, a Flora. Antes da virada do ano, o moço foi para outra cidade, na casa da avó, e a menina ficou lá com a gente. Mas eu não vou falar das minhas férias. Ganhei este blog para falar de livros e das minhas aventuras no mundo da Literatura. Hoje vou falar do livro que eu li na viagem e da brincadeira que eles inventaram e eu participei. Eu li O alienista, do Machado de Assis e brincamos de Flip!

Há muito tempo que eu estava a fim de ler O alienista, disse isto em outro post (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=361). Queria ler um livro do Machado de Assis. Seria a minha primeira vez! Já li Um apólogo, mas esse não conta, é um continho pequeno. A professora falou que a gente vai ler O alienista na escola, mas ainda vai demorar e eu não tive paciência de esperar. Quando acabaram as aulas, tomei uma decisão: vou ler O Alienista nestas férias! Antes de viajar, coloquei na mochila o livro e o meu dicionário, sabia que ia precisar dele. Chegando lá soube que O alienista foi o último livro que a Flora leu. Perguntei se ela gostou. Ela disse que sim, mas que deu muito trabalho. Teve que buscar no dicionário muitas palavras que ela não conhecia. Eu tirei meu dicionário da mochila, mostrei para ela e disse: – Já vim preparado! Depois perguntei se ela podia me ajudar. – Ajudar como? – Compartilhando a nossa leitura. Uma vez eu aprendi isso e já escrevi sobre esse assunto no blog. (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=150) Ela topou! Que legal!!!

O alienista

O alienista se passa em Itaguaí, uma vila próxima ao Rio de Janeiro, no tempo em que o Brasil ainda era colônia de Portugal e bem antes de o Machado de Assis publicar este conto, em 1882. Naquela época, nessas vilas ainda não havia jornal e as notícias eram divulgadas em cartazes escritos a mão e pregados na porta da câmara e da igreja ou “soltando a matraca”. Quem já ouviu essa expressão? Pois é, matraca é um instrumento de percussão usado para chamar a atenção. Os vendedores de biju, aqui em São Paulo, ainda usam matraca! Naquele tempo, contratavam uma pessoa para tocar a matraca, juntava gente em volta e ela dava a notícia. Foi assim que começaram a ser divulgadas na vila de Itaguaí as primeiras pesquisas científicas do Simão Bacamarte, médico e personagem principal desta história do Machado de Assis. Simão Bacamarte deixou uma carreira de sucesso na Europa, voltou ao Brasil e foi para Itaguaí. – A Ciência, disse ele, é o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo. Depois de alguns anos em Itaguaí pesquisando e descobrindo curas, ele resolveu se dedicar a “patologia cerebral”. Queria estudar a loucura e cuidar dos loucos da vila. Construiu a Casa Verde, o hospício onde ele guardava os seus pacientes. O alienista observava o comportamento da pessoa e dependendo do diagnóstico ele a recolhia à Casa Verde. Tudo pela Ciência. Seu objetivo era pesquisar a doença da loucura e encontrar a cura.

Internava a pessoa por ser vaidosa, bajuladora, supersticiosa, indecisa, etc. Foi assim com Costa, que perdeu seus bens em empréstimos. A tia do Costa que quis ajudar o seu sobrinho. O poeta Martim Brito, que ofendeu a memória de Marquês de Pombal. Até o boticário foi internado. Nem dona Evarista, esposa do médico escapou, pois estava indecisa entre ir a uma festa com o colar de granada ou o de safira. No começo a população da vila de Itaguaí apoiou o alienista, mas depois começaram as revoltas e as rebeliões contra o médico e a sua Casa Verde. Quando quatro quintos da população da vila já estava internada, Simão Bacamarte inverteu os critérios e passou a recolher as pessoas simples, as leais, as desprendidas e as sinceras. Mas ele percebeu que essas pessoas também tinham algum desequilíbrio e que isso era o normal. Então ele passa a defender que devem ser internadas a pessoas que tenham todas as qualidades e que sejam totalmente sadias. Nesse momento ele descobre que a única pessoa na vila, com essas características é ele mesmo, O alienista se interna na Casa Verde. Ele era o único louco da Vila!

Vamos brincar de Flip?

Tem uma festa de literatura que acontece todo ano na cidade de Paraty, no Estado do Rio de Janeiro, a Flip – Festa Literária Internacional de Paraty. Meus pais já foram a essa festa, junto com esses seus amigos. Eles disseram que lá vão escritores do mundo todo, uns bem famosos. Eles lêem trechos dos seus livros e depois falam com a plateia. Os escritores ficam hospedados nas pousadas e passeiam pela cidade. Dá até para conversar com eles. Deve ser demais essa festa! Eu ainda vou lá! A festa de Paraty acabou virando uma brincadeira nova pra gente. Um dia todos estavam conversando e cada um falou que livro estava lendo. De repente apareceu essa idéia: Vamos brincar de Flip? Todos lêem um trecho do seu livro e conversamos sobre o assunto? Eu topei na hora! Queria ler para eles um trecho do meu alienista e saber um pouco do que cada um estava lendo. Marcamos a brincadeira para o dia seguinte.

Minha mãe estava lendo um livro de um autor chamado Moacyr Scliar, Eu vos abraço, milhões. Ela leu um trecho e eles conversaram sobre o assunto. Eu não entendi muito bem, mas aprendi algumas coisas sobre o comunismo. Meu pai estava lendo Trem noturno para Lisboa, de Pascal Mercier. Ele leu um trecho bem bacana, que fala da primeira vez que o personagem conseguiu se comunicar em português. Esse livro conta a história de um professor, que fica encantado por um livro. Ele larga tudo, deixa Berna, na Suíça, e vai para Lisboa atrás do autor, um médico português. A amiga dos meus pais estava lendo um livro da Clarice Lispector. Esta já está na minha lista! Falam tanto da Clarice, que eu vou procurar um livro dela para ler. O livro da Clarice que ela estava lendo era o Uma Aprendizagem ou Livro dos Prazeres. Ela leu um trecho em que a personagem se olhava no espelho e refletia sobre uma paixão. Na nossa conversa rolou um papo bem bacana sobre espelho. Eu viajei! O livro que o amigo dos meus pais estava lendo era o De Amor e Trevas, de Amós Oz. Ele leu um trecho e falou que esse livro é “autobiográfico” e conta a história da infância do autor. Ele disse que em algumas partes, o livro é bem pesado e muito triste. Finalmente eu e a Flora lemos um trecho do nosso alienista. O trecho que escolhemos, quase do final do livro, conta o momento em que o médico, depois de concluir que não havia loucos em Itaguaí, chama os seus amigos para tomar uma decisão:

Trecho do livro

A aflição do egrégio Simão Bacamarte é definida pelos cronistas itaguaienses como uma das mais medonhas tempestades morais que têm desabado sobre o homem. Mas as tempestades só aterram os fracos; os fortes enrijam-se contra elas e fitam o trovão. Vinte minutos depois alumiou-se a fisionomia do alienista de uma suave claridade.

Sim, há de ser isso, pensou ele.

Isso é isto. Simão Bacamarte achou em si os característicos do perfeito equilíbrio mental e moral; pareceu-lhe que possuía a sagacidade, a paciência, a perseverança, a tolerância, a veracidade, o vigor moral, a lealdade, todas as qualidades enfim que podem formar um acabado mentecapto. Duvidou logo, é certo, e chegou mesmo a concluir que era ilusão; mas, sendo homem prudente, resolveu convocar um conselho de amigos, a quem interrogou com franqueza. A opinião foi afirmativa.

Nenhum defeito?

Nenhum, disse o coro em assembleia.

Nenhum vício?

Nada.

Tudo perfeito?

Tudo.

– Não, impossível, bradou o alienista. Digo que não sinto em mim essa superioridade que acabo de ver definir com tanta magnificência. A simpatia é que vos faz falar. Estudo-me e nada acho que justifique os excessos da vossa bondade.

A assembleia insistiu; o alienista resistiu; finalmente o padre Lopes explicou tudo com este conceito digno de um observador:

– Sabe a razão por que não vê as suas elevadas qualidades, que aliás todos nos admiramos? É porque tem ainda uma qualidade que realça as outras: – a modéstia.

Era decisivo. Simão Bacamarte curvou a cabeça juntamente alegre e triste, e ainda mais alegre do que triste. Ato contínuo, recolheu-se à Casa Verde.

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  1. Olá Heitor!
    Gostei muito desse post! Também aproveitei minhas férias para variar um pouco a leitura. Machado é um dos meus autores favoritos, mas ainda não li o Alienista… com certeza vou ler, fiquei com vontade!

    Tente ir na FLIP desse ano! É muito legal, e Paraty é uma cidade muito bonita… você vai gostar!
    Até mais.

  2. Heitor
    faz tempo que eu não comenta no seu blog, como já lhe disse o tempo aqui é muuuuuito complicado para usar a internet, mas sempre leio um pedaço, dificil ler tudo.
    Hoje deu tempo de comentar. Também estou de férias, mas minha vida é muito diferente da sua aqui a viagem é outra, é só na cabeça. Eu ainda não li esse livro, gosto do seu blog porque assim tambem fico sabendo dos livros, mesmo que eu não vá ler.
    Tenho que desconetar. beijo

  3. Heitor.
    Hoje foi a primeira vez que visitei o seu blog. Estou encantada. Adoro ler e fiquei muito feliz em encontrar alguém que compartilhe o meu gosto. Acho ótimos os posts que você coloca dos livros que já leu.
    Tornarei-me leitora assídua do seu blog.
    Beijo!

  4. Oi Heitor! Feliz 2011 !!!!
    Só queria te dizer que achei bárbara a brincadeira de Flip. Que idéia genial!
    Beijos
    Lia

  5. Resposta para Carol Marques – Que bom que você gostou do post, Carol! Então, eu estou começando a conhecer o Machado de Assis e estou adorando. Vou tentar ir à Flip, sim. Vou falar com os meus pais e ver se eles me levam!

  6. Oi, Anônimo. Já estava com saudades. Também achei que o texto ficou grande, mas eu tinha muita coisa para falar. Acho que eu vou começar a dividir em partes.

  7. Obrigado, Lia. Feliz 2011 pra você também! Eu também achei demais essa brincadeira. Quero brincar outras vezes.

  8. LeHeitor, vc é um gênio em forma de menino! E que pais legais vc tem. Qdo vc crescer vai querer um filho como vc, vai vendo…

  9. Muito legal, Heitor. eu li O Alienista há um tempo e foi bom recordá-lo com seu post.
    Quanto a brincar de Flip, essa pra mim é nova e já gostei. Estive na Flip nos últimos três anos e espero ir neste novamente. É muito bom. É ótimo. Ficar perto dos autores, discutir literatura, participar de oficinas e, ainda por cima, estar naquela cidade mágica e bela, fazendo muitos amigos. Quando puder, vá mesmo, você vai gostar. Beijos!

  10. Estava aguardando a sua volta. Seus posts fazem muita falta.Fico curiosa para saber de qual livro você vai falar. Vira tipo um vício. Sou muito fã de Machado de Assis e adorei saber que você curtiu O Alienista. Meu livro preferirdo deste autor é Don Casmurro, que já li umas bilhares de vezes, e quanto mais leio mais amo. Abração

  11. Oi, Eloí. Fiquei muito feliz com o seu comentário!!! Obrigado! Quando eu estiver preparado, vou ler outros livros do Machado de Assis e vou contar aqui.

  12. heitor,

    muito legal que vc postou no seu blog sobre a nossa brincadeira de flip. Foi muito interesante as nossas discussoes sobre o livro. Pareciamos gente grande… hahah
    Agora estou comecando a ler ensaio sobre a cegueira apos sair de um serie de livros que se tratam sobre o brasil colonial e a cultura negra como: nacao crioula, caramuru, o negro em versos, entre outros, tambem reli o alianista junto com um outro do amoz oz. Tomara que agente possa voltar a fazer essa brincadeira de novo, agora tenho mais um monte de livros para discutir. hahha
    abraco
    flora

  13. olá Heitor

    Adorei os comentários das nossas brincadeiras de Flip, em breve vamos brincar novamente.

    um abraço

  14. Oi, Aline. Eu sempre lembro das nossas brincadeiras de Flip. Sim, em breve vamos brincar novamente, e desta vez vai ser pra valer.

  15. Oi, Flora. Eu aprendi muita coisa conversando com você sobre o Alienista. Nossa! Quanta coisa bacana você leu! E está começando o ensaio sobre a cegueira… Deve ser difícil esse livro. Quero ver se eu leio tudo isso, também, pra depois conversar com você.

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