Ganhei mais livros das editoras

No final do ano eu falei aqui, que duas professoras tinham procurado o pessoal da Sintaxe* para fazer algum trabalho com o blog. Pois é, parece que a coisa vai dar certo! Eles me falaram que com uma professora o projeto avançou, mas eu não posso contar nada, ainda, “faltam fechar alguns detalhes importantes”, eles me disseram. E me fizeram prometer que eu ia esperar a autorização deles para falar qualquer coisa aqui. Só o que eu posso dizer é que o projeto é bem legal! Estou muito feliz com o que vamos fazer aqui no blog. É muito bacana, mesmo! Vai ser tipo, um clube. Vocês vão ver! Estou louco para contar tudo, mas ainda não posso. Eu prometi!    

Outro dia eu contei num post que eu tinha ganhado um livro de uma editora. Na semana passada eu ganhei mais três, de outras editoras. A Marilu, uma jornalista e assessora de imprensa, que até já colocou comentário aqui no blog, ligou para a Sintaxe e pediu o meu endereço: – Vocês podem me passar o endereço do Heitor? Eu quero mandar uns livros para ele. E ela mandou, mesmo! Os livros já chegaram. E vieram do mesmo jeito que chegou o outro. Pelo correio e com o meu nome no envelope: “Para o Blog do Le-Heitor”. Este blog só me dá alegria! Eu já disse, foi o melhor presente que eu ganhei nos últimos tempos. Já li os três livros que a Marilu me deu, gostei muito e hoje vou falar deles.

São dois livros da editora Cia dos Livros e outro da Cortez Editora. Vou começar falando de Os olhos mágicos do João, escrito por Marô Barbieri, com ilustrações de Ana Terra e publicado pela Cia dos Livros. Com a história desse livro eu aprendi que as coisas são como a gente vê, depende de como a gente olha pra tudo. Uma vez, esse João de olhos mágicos olhou para umas latas e tampinhas espalhadas pelo chão e viu um trem bem comprido, com uma locomotiva apitando e subindo o morro. Para esse João, qualquer coisa era outra coisa, ele piscava os olhos e logo aparecia uma coisa nova no seu pensamento. Outra vez, uns pedaços de papéis voaram com o vento e o João viu fantasmas gargalhando na sua frente e brincando de esconde-esconde. Esse João via cada coisa! Sempre inventando o que via e fazendo mudanças pro mundo ficar mais bonito.

O outro livro, também publicado pela Cia dos Livros é o Danico, o cão nanico. Escrito por Alexandre Rodrigues, com ilustrações de Ari Nicolosi, este livro conta uma história em rimas, como uma poesia. Deve dar muito trabalho escrever um livro assim. O escritor tem que buscar a palavra certa para colocar no lugar e rimar. Mas é muito gostoso ler livros que contam histórias com rimas. Quando eu era criança (já disse, hoje sou pré-adolescente) e ainda não sabia ler, eu adorava quando minha mãe lia esses livros rimados para mim. Eu ouvia o som das palavras, na voz dela, e imaginava um monte de coisas. Criava histórias em cima das histórias que ela me contava, feito o menino João, da história do outro livro. O Danico deste livro era um filhote que brincava com penico, comia todas as roupas da casa e fazia muita confusão. Não obedecia ninguém, era malcriado, não queria ser ensinado e se vestia de pato e de macaco. Um dia ele cresceu, saiu de casa, ficou com medo e sua vida se transformou. Mas essa parte eu não vou contar, está lá no livro, o que no final, aconteceu com o Danico.

O terceiro livro é o Perdidos e guardados, publicado pela Cortez Editora, escrito por Erica Pontes e com ilustrações de Alexandra Fernandes, a Leka. Este livro conta a história da Bia, uma menina que adorava sonhar e que inventou uma brincadeira diferente. Ela, de repente, começou a achar o que os outros perdiam e guardar tudo em uma caixa bem grande, que ficava escondida no fundo do armário. No começo ela guardou alguns objetos comuns, que ficavam pela casa: borracha gasta, moeda antiga, alfinete de fralda, recorte de revista. Mas, depois, a menina começou a perceber que as pessoas, sempre distraídas, perdiam objetos muito importantes. Então ela decidiu guardar esses objetos até que o dono se lembrasse e desejasse reaver esse tesouro esquecido. Do papai, ela guardou uma bola de queimada bem antiga, com as lembranças do tempo em que ele era menino. Da mamãe, um laço de fita lilás e o desejo de ser a primeira bailarina. E assim Bia foi guardando tudo. Uma gota de lágrima da vovó num xale de renda. O medo do vovô de envelhecer e não ser mais útil, ela também conseguiu guardar na caixa. E assim foi, guardou lembranças da professora, da melhor amiga… Até que a caixa ficou muito pequena para guardar tantos tesouros e então a menina teve uma ideia para resolver esse problema. E a ideia da Bia está lá, nesse livro, revelando a importância desses nossos tesouros.

*A Sintaxe é a assessoria de imprensa que criou e me deu de presente este blog. Eles cuidam das mudanças e também divulgam.

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Li Os meninos da rua Paulo

No ano passado derrubaram umas casas da minha rua para construir um prédio. As casas foram derrubadas, mas a construção do prédio demorou para começar. Acho que foi problema de alvará, pelo menos foi o que eu ouvi falar. Nesse tempo, o terreno ficou vazio e os meninos maiores começaram a entrar lá para jogar bola. Os grandões – como chamamos os meninos mais velhos – ocuparam o terreno. Depois, eu e minha turma aproveitamos a ocupação e usamos o terreno como nosso campinho, também. O moço que tomava conta, no começo ficou bravo, mas depois ele falou com o engenheiro da construtora e eles deixaram a gente brincar no terreno vazio, enquanto não começava a construção. Essa brincadeira durou um bom tempo e foi bem legal. Até jogo contra marcamos lá! Hoje o prédio já está em construção e perdemos o nosso campinho. Eu me lembrei desta história por causa de um livro muito legal, mas muito legal, mesmo, que eu li nesta semana.

Eu li Os meninos da rua Paulo, do escritor húngaro Ferenc Molnár, publicado pela editora Cosac Naify. A história deste livro se passa em Budapeste, na Hungria, em 1889. Um grupo de meninos ocupa um terreno baldio para brincar e neste terreno eles criam um monte de histórias, brincam, jogam péla – um jogo parecido com o tênis – e fazem as reuniões de um clube, a Sociedade do Betume. Até um exército montam lá para defender o grund – como eles chamam o lugar – da invasão de outro grupo de meninos.

A turma era formada pelo Boka, o chefe; o Csele; o Csónakos; o Weiss; o Geréb; o Barabás; o Csengey; o Nemecsek, o lourinho, personagem muito importante da história; e muitos outros. Nemecsek era o único soldado raso, os outros eram todos oficiais. Era ele quem recebia as ordens de toda turma. Para não dizer que ele era o único, havia outro em quem todos mandavam: o cachorro que vivia no terreno e que também era um soldado raso. Advinha qual era o nome desse cachorro… Heitor! Heitor era o nome do cachorro. Lendo o livro muitas vezes eu quis ser o Nemecsek, mas com esse cachorro na história, ficou difícil de imaginar.

O livro começa contando o fim de uma aula de química. As aulas acabavam a uma hora e faltavam quinze minutos para ela terminar. Nessa hora o som de uma pianola entrou pela janela tocando uma alegre canção húngara e todos começaram a sorrir e a se agitar. Arrumavam, guardavam o material e se aprontavam para sair, assim que o sinal tocasse. Já estavam prestando mais atenção ao que acontecia fora da sala do que ao que o professor dizia. Neste momento o professor interrompeu a bagunça e perguntou: – O que é que há? E todos voltaram a ficar em silêncio e imóveis, sentados nas carteiras. O professor então pediu que o Csengey, que era o monitor, fechasse a janela. Nesse momento Csónakos pediu a Nemecsek que passasse um bilhete para o Boka. No bilhete estava escrito: Às três da tarde, assembléia geral. Eleição do presidente, no grund. Divulgar. Todas as tardes eles frequentavam o grund e era lá que brincavam e viviam as suas aventuras.   

A história é contada pelo autor, que algumas vezes parece ter feito parte daquela turma. Eu acho que aquela era a turma de Ferenc Molnár, quando ele era criança. Molnár nasceu na Hungria em 1878, trabalhou como jornalista, estudou direito em Genebra e aos 20 anos já publicava contos e poemas. Publicou Os meninos da rua Paulo em 1907. Por causa da guerra foi para os Estados Unidos em 1939 e morreu em Nova York em 1952. Este livro chegou ao Brasil em 1952, traduzido por Paulo Rónai, que também nasceu na Hungria, na cidade de Budapeste, onde se passa essa história, e em 1907, ano da primeira publicação deste livro. Paulo Rónai cresceu em Budapeste lendo os livros de Ferenc Molnár. Foi professor de latim e estudou literatura clássica, francês, italiano e húngaro. Aprendeu português, veio para o Brasil em 1941, também por causa da guerra, e naturalizou-se brasileiro. Tradutor, escritor e pensador, Paulo Rónai foi o grande divulgador da literatura brasileira no leste europeu e da literatura de lá, aqui. Ele morreu em Nova Friburgo (RJ) em 1992.

Os meninos da rua Paulo formaram um exército e conseguiram defender o seu grund da invasão dos meninos do Jardim Botânico, que queriam ocupar o terreno baldio para jogar péla. Mas, no final da história, não conseguiram defender o lugar de uma ameaça maior: construíram no terreno um prédio de quatro andares o que acabou de vez com o sonho dos meninos (isso é contado logo no começo do livro, por isso não estraguei o final da história, tá!). Esse final me fez lembrar o meu grund atual: a biblioteca do meu bairro. É na minha biblioteca que eu encontro muitos livros legais e vivo as minhas aventuras. E como em Budapeste de 1889, hoje querem destruir, como destruíram o sonho dos meninos de lá, os meus sonhos daqui. Como já disse em outros posts, a prefeitura quer vender o terreno onde fica a biblioteca para construir um prédio no lugar. Vou convocar o exército dos meninos da rua Paulo para defender a minha biblioteca! Vou pedir a ajuda deles e quem sabe, desta vez, a gente consegue vencer. Quem quiser apoiar a “nossa luta” pode colocar seu nome no abaixo assinado que está no link: http://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/7756

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Li um conto fantástico de Murilo Rubião

Hoje vou falar de um conto bem bacana que eu li nesta semana, mas antes quero contar como foi a audiência pública na Câmara, em defesa da biblioteca e do quarteirão da cultura do meu bairro. Na semana passada eu fui à Câmara Municipal, meu pai me levou! A sala estava cheia e vi algumas pessoas que também participaram da passeata, que eu contei no post anterior. Muita gente falou, eu prestei atenção e anotei algumas coisas para contar aqui no blog.

Um promotor está encaminhando um inquérito civil – eu acho que é esse o nome – para entrar com uma ação judicial, no caso do projeto de desapropriação ser encaminhado para votação dos vereadores. Ele vai mostrar que o quarteirão é um bem público, que deve ser preservado.

Uma arquiteta está preparando o projeto de tombamento do espaço. Esse projeto quer provar que o quarteirão é patrimônio histórico e cultural. Se o processo de tombamento for iniciado, ninguém pode mexer no quarteirão até que o projeto seja avaliado.

A organização do movimento está preparando outras manifestações e conversas com os vereadores e também está passando um abaixo-assinado. Sai bastante animado de lá. Tem muita gente lutando pela minha biblioteca. Meu pai me falou que essa é a minha primeira luta política e eu estou gostando muito dela!

Mas a minha leitura continua e nesta semana li o conto O ex-mágico da taberna Minhota, do escritor mineiro Murilo Rubião, em um livro publicado pela Editora DCL e ilustrado por Ana Raquel. Esse conto foi publicado pela primeira vez no livro o Ex-mágico, em 1947. Eu comentei com a Maria Viana, que editou esse livro da DCL, que eu ia escrever sobre o Murilo Rubião no blog. Conheci a Maria na Bienal e já falei dela aqui (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=308). Conversei com ela pelo telefone e depois mandei um e-mail. Ela respondeu o meu e-mail:

“Oi, Heitor. Fiquei muito contente ao saber que você leu o Ex-mágico da Taberna Minhota. O Murilo Rubião reescrevia muito suas histórias antes de publicá-las em livros. Entre 1939-1944, ele se correspondeu com Mário de Andrade, para quem enviava suas histórias e compartilhava suas dificuldades de escrever. Em uma visita a um sebo em Belo Horizonte, encontrei um livro organizado pelo professor Marcos Antonio de Moraes, intitulado Mário e o Pirotécnico Aprendiz. Seguem trechos de duas dessas cartas. Espero que você leia outras histórias escritas pelo Murilo Rubião. Quando eu tinha a sua idade, li “Teleco, o coelhinho” e gostei muito.

Trecho de carta endereçada a Mário de Andrade em que o contista mineiro escreve sobre seu processo criativo

Belo Horizonte, 23 jul. 1943

Mário de Andrade

(…) Ainda não consegui, após cinco anos de uma luta feroz com a literatura de ficção, realizar um conto definitivo. (…) Infelizmente, escrever é para mim a pior das torturas. Uma simples carta, como esta, me custa sangue, suor e um sacrifício imenso. Arranco, de dentro de mim as palavras a poder de força e alicates. Por outro lado, a minha imaginação é fácil, estranhamente fácil. Construo meus “casos” em poucos segundos. E levo meses para transformá-los em obras literárias. Daí meus defeitos. Achando facilidade em inventar e dificuldade em escrever, cuido quase exclusivamente da última. Mas, agora, sinto que o meu instrumento está melhorando e que já posso cuidar melhor da “invenção”.

Trecho da resposta de Mário de Andrade para Murilo Rubião

São Paulo, 5 abr. 1944

Murilo Rubião,

(…) Mas afinal das contas, Murilo Rubião, não será isso mesmo, o sofrimento de artista como arte, a pedra de toque provando a existência do artista em você?… Não dá a medida do valor, eu sei, isso depende até de elementos que independem do próprio artista infelizmente – mas o sofrimento prova a existência, a legitimidade do artista. Não creio possível o artista sem dor, a arte sem dor. Essa dor de fazer, essa dúvida, essa insatisfação, essa luta pelo melhor, essa inquietação pelo ainda melhor que pode surgir já tarde, essa angústia da eterna pergunta eternamente sem resposta: “estará bom?”

Adorei o e-mail da Maria, os trechos das cartas e a contribuição que ela deu para o meu blog! Vou ler outros contos do Murilo Rubião.

Descobri Murilo Rubião pesquisando sobre literatura fantástica. Ele é considerado precursor e um dos principais representantes deste gênero no Brasil. Eu já falei aqui de uns livros de literatura fantástica que eu li. Foram dois escritores brasileiros e um inglês e estão no post “Li três romances fantásticos”  (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=579). As histórias contadas na literatura de ficção são sempre inventadas, mas poderiam ser de verdade. Por exemplo, as coisas que acontecem na cidade de Itaguaí, no livro O Alienista, do Machado de Assis (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=674),  são exageradas, mas poderiam ser verdadeiras. Não poderiam? Agora, um mágico tirar do bolso o dono de um restaurante!? E foi isso que fez o ex-mágico da taberna Minhota do Murilo Rubião. E ele nem se espantou. O dono do restaurante, sim, assustado perguntou como o mágico tinha feito aquilo e em seguida lhe deu um emprego: a partir daquele dia ele passou a divertir, com as suas mágicas, os frequentadores da casa.

Mas o mágico não durou muito por lá e foi logo demitido. Ele só dava prejuízo ao dono da casa, pois tirava do paletó almoços gratuitos para os espectadores. De lá ele foi trabalhar no Circo-Parque Andaluz, suas apresentações empolgaram as multidões e deram muito lucro ao dono da companhia.  No circo ele tirava do chapéu coelhos, cobras, lagartos… e no último número fazia aparecer entre os dedos um jacaré, apertava o animal pelas pontas, o transformava numa sanfona e encerrava o espetáculo tocando o Hino Nacional da Cochinchina. Com tudo isso, o mágico ficou muito famoso, mas mesmo assim, ele, que já era uma pessoa triste, com o sucesso, ficou pior, sua vida se tornou insuportável e é o que ele conta nesse conto.

Murilo Rubião nasceu em Carmo de Minas em 1916. Formou-se em Direito em 1942, foi jornalista e trabalhou na Folha de Minas. Foi chefe de Gabinete do governador Juscelino Kubitschek e adido na embaixada do Brasil na Espanha.  Criou e dirigiu o Suplemento Literário de Minas Gerais de 1966 a 1969. Publicou os livros O ex-mágico, A estrela vermelha, Os dragões e outros contos, O pirotécnico Zacarias, O convidado, A casa do girassol vermelho e O homem do boné cinzento e outras histórias. Morreu em Belo Horizonte em 1991.

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Fui à minha primeira passeata

Já falei muitas vezes aqui da biblioteca do meu bairro, da minha biblioteca, a Anne Frank. Quando eu era criança, hoje já sou um pré-adolescente :-), ia lá com a minha mãe ou com a minha professora e a turma da escola. Depois eu cresci e aprendi a ir sozinho. Contei aqui o dia em que eu fui sozinho, pela primeira vez, à biblioteca do meu bairro (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=172). Depois desse dia, eu fui muitas vezes. Vou lá para pegar livros, ler, estudar ou assistir a contações de histórias. Ela fica em um lugar gostoso, cheio de árvores e passarinhos. Eu também já falei aqui que a prefeitura quer fechar a minha biblioteca. Eles pretendem vender o terreno onde ela fica para construir prédios. Parece que isso tem um nome, chama-se especulação imobiliária. É um terreno bem grande, um quarteirão, e não tem só a biblioteca, tem também duas escolas, creche, teatro, dois serviços de saúde e a APAE. A biblioteca está lá desde 1946, há 65 anos. Primeiro ela foi construída onde hoje fica o teatro, e em 1955 foi inaugurada a casa onde ela está até hoje. Nesse tempo ela passou por muitas reformas, a última foi em 2004, em que ela foi totalmente transformada e ganhou instalações bem modernas, mas a fachada da casa foi preservada. A Anne Frank é a primeira biblioteca infantil de São Paulo, construída fora do centro da cidade. Nesta semana eu fui lá por outro motivo. Fui participar de uma passeata em defesa daquele quarteirão e da minha biblioteca. Fui à minha primeira passeata.

A passeata reuniu quase mil pessoas, que caminharam pelas ruas com faixas, carro de som e cantaram: “Aha-uhu, o quarteirão é nosso!” No final todos deram as mãos e abraçaram o quarteirão. Eu estava lá, de mãos dadas com as pessoas, ajudando a defender a minha biblioteca. Estavam também o padre da paróquia, um deputado, um vereador, as crianças da creche, os meninos e meninas das escolas do quarteirão, e de outra escola estadual que fica no bairro. Quem está apoiando esse movimento desde o início e também foi à passeata é a atriz Eva Wilma, que vive há muito tempo na rua da biblioteca e sabe da importância dela e dos outros serviços para as pessoas que moram ou trabalham no bairro. Eu conversei um pouquinho com a Eva Wilma, falei para ela que eu frequento a biblioteca, tenho um blog e queria saber o que ela acha do fechamento da Anne Frank. E ela me disse:
– “A Biblioteca Anne Frank deve ser preservada, pois, além de ser muito importante para a comunidade, ela tem uma importância histórica, que remonta a Monteiro Lobato, e poucas pessoas sabem disso.”
Como tinha muita gente querendo falar com ela, eu não consegui perguntar o que Monteiro Lobato tinha a ver com a minha biblioteca, então eu fui pesquisar e encontrei: foi ele quem escolheu o terreno onde foi construída a Biblioteca Anne Frank, que na época se chamava Biblioteca Infantil do Itaim. Não é legal isso: a biblioteca está lá por causa do Monteiro Lobato!!! E a prefeitura, mesmo assim, quer tirar de lá!

No final da passeata eu fui conversar com o João Gabriel, o meu amigo bibliotecário. Ele sempre me dá dicas de leitura, já sabe do que eu gosto e escolhe uns livros bem legais para eu ler. Mas desta vez o assunto não foi livro, eu queria saber como ele está se sentindo com a possibilidade de a nossa biblioteca fechar. E ele me disse: – “Pois é, Heitor, eu estou preocupado, pois a biblioteca não atende só a comunidade do bairro, atende também outros bairros e até cidades próximas a São Paulo.” E continuou: – “Às vezes eu vejo três gerações frequentarem juntas a Anne Frank – avô, pai e filho – e todas têm uma história com a biblioteca. A Anne Frank deve ser mantida não só pela questão do espaço, mas pelo amor e pelo carinho que as pessoas têm com ela”. E finalizou: “Ao contrário daquilo que tem sido dito, a Biblioteca Anne Frank funciona em um prédio bem estruturado, com instalações adequadas e que passou por uma grande reforma recentemente.”

Nas próximas semanas será encaminhado à Câmara Municipal, para votação, um projeto de lei, que autoriza a venda desse terreno para uma construtora. Em troca ela deve construir creches pela cidade. Temos que convencer os vereadores da importância de preservar esse espaço e manter a biblioteca e os outros serviços aqui no bairro, do jeito que estão. Na segunda-feira, dia 28/03, às 19h00, haverá, lá na Câmara, uma audiência pública para tratar desse assunto. Vou ver se o meu pai pode me levar. Não quero perder nenhum capítulo dessa história e quero que salvem a minha biblioteca.

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Li um livro numa sentada

Hoje eu vou contar a história de um livro bem legal. Tão legal, que eu li numa sentada! Quando eu ouvi pela primeira vez essa expressão, eu achei muito engraçada: ler numa sentada! Eu já usei essa expressão outra vez aqui no blog. Mas no meu caso, e desta vez, não foi exatamente numa sentada. Foi numa deitada! Eu li esse livro no domingo passado, deitado no sofá da sala de casa. Às vezes eu gosto tanto de um livro, que eu leio sem parar, até chegar ao final. Não sei o que é que acontece, se é o jeito que ele é escrito, ou pela própria história e como ela é contada. Tem vezes que o assunto até não me interessa tanto, mas a forma como o escritor conta, me prende de um jeito, que eu me esqueço da vida e das outras coisas que eu tenho pra fazer, e fico só lendo. Mas também já teve vezes que eu comecei a ler um livro e no início ele estava meio chato, muita descrição, muitos detalhes, sei lá, essas coisas que me fazem distrair e me perder na leitura. Quando é assim, eu insisto, e muitas vezes dá certo. Vou descobrindo a história, conhecendo os personagens, entendendo o jeito de o escritor contar, e no meio, o que era chato passa a ser bem gostoso. É como aquelas pessoas que quando a gente vê pela primeira vez, não vai muito com a cara, mas depois, conhecendo melhor, viram grandes amigos. Quem não teve uma pessoa assim na vida, e um livro?

Esse livro foi a miki que me emprestou. Eu já falei dela aqui no blog (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=731). Ela escreveu e ilustrou Vestida para espantar gente na rua e vive inventando coisas. Naquele dia ela me disse: – “Leva esse livro emprestado, Heitor, eu adorei, li mais de uma vez. Leia e depois me conte, acho que você vai gostar”. – E eu gostei, mesmo, miki, adorei, também. O nome do livro é Nuno 100 novidades, o autor é o Pierre Gripari, o ilustrador é o Odilon Moraes, e foi publicado pela Editora Companhia das Letrinhas. O livro conta a história de um rapaz que não tinha novidades. Sempre que lhe perguntavam: – E então? Como foi? Ele respondia: – Sem novidades. Quando voltava ao trabalho, depois do final de semana, todos os colegas dele tinham coisas para contar. Um tinha saído para pescar e pegou um peixe bem grande, outro rodando de carro viu uma batida incrível, outro brigou com a sogra, o filho de outro caiu da árvore e quase se arrebentou, outro assistiu a um filme na TV. Só o Nuno não tinha visto e nem ouvido nada. E quando lhe perguntavam: – Mas afinal de contas, como foi que você passou esses dois dias? Ele respondia tranquilamente: – Eu? Sem novidades… Por isso ele era conhecido como Nuno-Sem-Novidades. Quem conta a história desse livro é o Tadeu, que vivia na mesma cidade que o Nuno, era mais novo do que ele e virou o seu grande amigo. Foi o Tadeu quem descobriu que o Nuno, na verdade, não era sem-novidades, ele sempre estava cheio de novidades, era, sim, o Nuno cem-novidades.

Ilustração do Odilon Moraes
As novidades do Nuno eram as histórias que ele contava. Ele conhecia muitos casos, podia contar um conto atrás do outro e sempre aumentava um pouco. Tadeu já conhecia o Nuno de vista e um dia ele tinha acabado de fazer 12 anos e foi à biblioteca municipal devolver o livro que tinha emprestado e pegar outro, como ele mesmo conta: – “Lá chegando, tenho a grande surpresa de ver Nuno sentado à mesa de atendimento, no lugar antes ocupado por uma senhora a quem a gente se dirigia para as devoluções e empréstimos. Ele havia arranjado esse novo emprego”. Como o Tadeu frequentava muito a biblioteca eles acabaram ficando amigos, “meu melhor amigo”, dizia Tadeu. Conversavam na biblioteca ou no banco da praça, onde eles se encontravam à noite, depois do jantar. “As melhores noites eram as de segunda-feira, porque ele então me contava histórias. Não histórias que tivessem acontecido com ele, é claro – porque, como vocês sabem, jamais lhe acontecia nada -, mas histórias de gente que ele havia encontrado ou de quem tinha ouvido falar”, contou o Tadeu, que desconfiava que muitas dessas histórias nunca tinham acontecido de verdade, nem com o Nuno e nem com ninguém, e o Nuno nem disfarçava e inventava suas histórias enquanto conversava.

As primeiras conversas aconteceram mais ou menos assim:

Tadeu começava provocando o Nuno.

– E então Nuno, passeou bastante ontem?

– Ah, passeei bastante, sim.

– E o que te aconteceu desta vez?

– Não aconteceu nada…

– Mas nada mesmo?

– Mesmo. Você sabe muito bem que comigo nunca acontece nada.

– É, mas sei lá, você pode ter encontrado alguém, ou alguma coisa…

– É… pode ser… Deixa ver: quem?

E então ele fingia que estava fazendo força para se lembrar e Tadeu dava algumas sugestões.

– Encontrou um marinheiro, um camponês, um guarda, uma vaca, uma cobra, um cachorro.

– É acho que encontrei alguém…, mas quem?

E Tadeu respondeu:

– Uma raposa.

Nuno reagiu na mesma hora:

– Isso, mesmo garoto! Eu tinha me esquecido! Uma raposa! Uma raposa-macho, aliás. Um raposo. Reinaldo-Raposo.

E lá veio a história do Reinaldo-Raposo, que havia saído de um livro e com quem o Nuno tinha se encontrado e conversado na língua das raposas. Além desta foram muitas e muitas histórias, que o Nuno inventou e contou para o seu amigo Tadeu, e estão todas lá, nesse livro.

Pierre Gripari nasceu na França, em Paris, em 1925 e morreu em 1990. Além deste livro, ele escreveu Contos da rua Brocá, que também deve ser bem legal. Filho de mãe francesa e pai grego, de Míconos, ele escreveu romances, contos fantásticos e muitos livros infanto-juvenis.

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Achei um vídeo na internet e li o livro

Hoje tem novidade diferente no blog! Achei um vídeo na internet e fui procurar o livro, A menina que odiava livros. Coloquei o vídeo aí embaixo! Ele é bem legal e o livro é melhor ainda. Como o nome já diz, eles contam a história de uma menina que odiava livros. Seu nome é Meena e seus pais tinham livros por todo canto da casa. – Eles estão sempre no caminho, ela reclamava. Além das estantes e mesinhas, onde os livros geralmente ficam, havia livros nos armários da cozinha, em gavetas, mesas, nos guarda-roupas, nas camas, sobre o sofá, escadas, uns entulhados na lareira e outros empilhados nas cadeiras. Até na pia do banheiro havia livros e a menina não podia nem escovar os dentes direito. Um dia o seu gato Max subiu na maior pilha de livros da casa. Era a pilha dos livros que ela tinha ganhado dos seus pais e nunca tinha lido nenhum. Quando falavam para ela ler, ela dizia e às vezes até gritava: EU ODEIO LIVROS! Meena subiu na pilha para pegar o gato, derrubou todos os livros e aconteceu uma coisa que mudou a sua vida.

A menina que odiava livros, publicado no Brasil pela Editora Melhoramentos, foi escrito por Manjusha Pawagi e ilustrado por Leanne Franson. A autora nasceu na Índia e cresceu no Canadá. Hoje ela trabalha na cidade de Toronto como advogada em defesa dos direitos das crianças. A ilustradora mora e trabalha em Montreal e desde criança é fã de livros e desenhos. E como esse mundo é pequeno, eu conheço a moça que fez a tradução deste livro para o português. O nome dela é Adriana de Oliveira e ela é amiga do pessoal da Sintaxe. Ela já trabalhou em um monte de editoras, está fazendo doutorado em antropologia e orienta as pessoas que querem escrever livros. Preciso conversar mais com ela! Ela me falou que gostou muito de traduzir a história dessa menina que tinha a casa inundada por livros e disse ainda que esse livro é “um recado para os pais”, que querem que os seus filhos tomem gosto pela leitura.

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Li um livro da Rachel de Queiroz

 

Hoje vou falar do outro livro que eu ganhei do meu pai, no dia em que eu fui ao sebo: O menino mágico, da Rachel de Queiroz. Eu gostei muito do jeito que ela conta a história desse menino!

Eu já tinha ouvido falar da Rachel de Queiroz, mas nunca tinha lido nada dela. Eu lembro que na Bienal, numa das palestras que eu assisti, um escritor disse que para escrever a pessoa tem que viver bastante, ter experiência e muita informação na memória. Na memória dela e não do computador. Ele disse também uma coisa mais ou menos assim: “ninguém cria uma obra-prima com vinte anos de idade e não é todo dia que aparece uma Rachel de Queiroz”. Naquele dia fiquei curioso e fui pesquisar sobre a vida desta escritora: ela nasceu em 1910, em Fortaleza, no Ceará e mudou-se ainda criança para o Rio de Janeiro, com a família, fugindo da seca. Em 1930, com vinte anos, publicou o seu primeiro romance, O Quinze, em que conta um pouco desta história. Este livro foi muito elogiado pelo público e pela crítica daquela época (uma obra-prima!) e fala da pobreza e do sofrimento do povo nordestino com uma grande seca que teve em 1915. Depois desse seu primeiro livro ela escreveu outros: Caminho de Pedra, As Três Marias, o livro de crônicas A Donzela e a Moura Torta, A Beata Maria do Egito, Dora Doralina, a peça de teatro Lampião, e muitos outros. Com Memorial de Maria Moura ela ganhou o Prêmio Camões, de melhor autor de língua portuguesa de 1992. Rachel de Queiroz foi a primeira mulher a entrar para Academia Brasileira de Letras e além de escritora foi jornalista e tradutora . Ela morreu no Rio de Janeiro em 2003, aos 92 anos.

O Menino mágico é o seu primeiro livro infanto-juvenil e foi lançado em 1969. A edição que eu peguei no sebo é de 1983, da José Olympio Editora e tem ilustrações de Gian Calvi. Mas tem edição nova na livraria, da Editora Caramelo. Depois deste, ela escreveu Cafute e a Pena de Prata e Andira. Quando eu vi esse livro na estante do sebo, logo me lembrei do que falou o escritor da Bienal e separei pra mim. – Tenho que ler esse livro! Quero conhecer a grande escritora que publicou o seu primeiro romance com 20 anos.

O Menino mágico conta a história de Daniel, um garoto de seis anos que aprendeu a fazer mágica, sozinho, “sem estudar prá mágico – aliás, ele nem gostava muito de estudar. Pra não dizer que não gostava nada.” É muito engraçado o jeito de ela contar a história, parece uma criança que sabe de tudo e conhece muito bem o Daniel. O menino “deu para fazer mágicas de repente – ele mesmo não desconfiava, mas um dia descobriu. Aconteceu que, uma noite, foi dormir no quarto dele e quando o dia amanheceu já estava dormindo em outra cama, em outro quarto.” Essa foi a sua primeira mágica. Outro dia ele até já tinha se esquecido de que era mágico, quando entrou na cozinha e viu a cozinheira separando alguns ovos. Ele pegou num dos ovos, a cozinheira chamou sua mãe e gritou: – Menino, larga esse ovo!  E ele disse: – Isto não é um ovo, é um pinto. Ele fechou a mão e os olhos e inventou uma reza forte: “Faz de conta que era. Faz de conta que não era. Começou de ovo, acabou em pinto.” Daniel apertou o ovo com toda a força até a casca estalar e depois foi afastando os dedos devagarzinho, sentiu uma cocegazinha e aí abriu a mão toda. Na palma da mão do menino não tinha clara nem gema escorrendo, tinha era um pintinho, bem amarelinho. Depois disso o Daniel virou um mágico de verdade, mas não saiu por aí fazendo mágicas sem necessidade. Ele só fazia mágicas quando precisava ou quando queria sair de alguma enrascada. Daniel tinha um irmão mais velho, mas que não brincava com ele. Toda brincadeira que o Daniel inventava ele dizia que era brincadeira de neném “e se havia coisa que Daniel ficava mais furioso da vida era com quem dizia que ele ainda era neném”. Daniel também tinha um primo de sete anos, o Jorge, um menino muito inteligente e o seu melhor amigo. Jorge estava sempre inventando coisas. E com as ideias de Jorge e as mágicas do Daniel os dois meninos viveram muitas aventuras e até em programa de televisão eles foram.

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Ganhei livro de uma editora e conheci a autora

Hoje estou muito feliz! Acho que estou começando uma nova etapa do meu blog. Vou falar de um livro que eu ganhei de uma editora! Já ganhei livros de outras editoras, mas foram editoras que trabalham com a Sintaxe* ou são amigas dela. Eu gosto muito, mas essas não contam. Elas dão os livros para a Sintaxe divulgar e depois eles me emprestam. Uma vez uma editora até colocou um comentário no blog, dizendo que queria mandar uns livros para mim e perguntou que tipo de literatura eu gostava mais. Eu respondi ao comentário, mandei e-mail, e nada! Minha mãe sempre me diz que “a gente tem que aprender a lidar com as frustrações, que é isso que faz a gente crescer”. Ela até diz uma frase que eu nunca esqueço. – Mesmo quando perdemos, sempre ganhamos alguma coisa, Heitor. Tudo bem, eu compreendo a minha mãe, mas que é chato a pessoa prometer um livro pra gente e não dar. Isso é muito chato!

Bom, mas vamos falar do livro que eu ganhei e da editora que me mandou, e quem sabe essa moda pega. Um dia eu recebi um e-mail da Vany, uma moça muito simpática que trabalha na Editora Estação das Letras e Cores, uma editora especializada em moda e design. Ela disse que gostaria muito que eu comentasse o primeiro livro infantil da editora e que se eu quisesse ler, ela poderia me mandar um exemplar. – Demorô, eu falei, pode mandar, Vany! Ela também disse, que se eu gostasse do livro e quisesse falar com a autora, ela poderia passar o telefone e o e-mail dela. Recebi o livro em casa. Veio pelo correio, com o nome do Blog: “Para o Blog do Le-Heitor”. Foi maior legal! Fiquei muito feliz! Foi o primeiro livro que eu ganhei assim, desse jeito, chegando em casa, pelo correio. Li o livro, gostei muito e fui conhecer a autora. O livro se chama Vestida para espantar gente na rua e a autora é a miki w. (escrito assim, com letras minúsculas). Ela escreveu, ilustrou e fez o projeto gráfico deste livro. A miki também é a personagem que ela criou para contar as suas histórias. A história dela lembra muito a história da minha vida, eu também sou um personagem que gosta de contar histórias. Gostei dessa miki!

Vestida para espantar gente na rua conta a história da miki, uma menina “fininha, esquisita e… inventora”. As pessoas achavam que ela era muito estranha e isso às vezes a deixava muito triste, mas não impedia que ela continuasse a inventar as coisas. Um dia ela estava meio aborrecida e inventou uma brincadeira para ela mesma fazer. A brincadeira tem o nome do livro: vestida para espantar gente na rua. Ela fazia umas roupas muito estranhas, vestia e saia para a rua. Algumas pessoas comentavam: – Será que ela é doida? Outras disfarçavam, mas não conseguiam tirar os olhos dela: – Será que ela é aparecida? Algumas faziam cara de “o mundo está perdido”: – Será que ela é sem-noção? Havia outras que adoravam e pediam para tirar foto: – Será que ela é ET? E ela se divertia com a sua brincadeira. E assim, o tempo passou e a coleção de roupas aumentou. Veio o desespero e ela teve outra idéia. Levou tudo para a garagem de sua casa que estava vazia e colocou uma tabuleta na porta: Clube dos vestidos para espantar gente na rua. Apareceram outros meninos e meninas que gostavam de se vestir de um jeito esquisito, o clube cresceu e a menina inventora percebeu a falta que sentia de compartilhar a vida com os amigos. No final do livro ela diz que “se você topar com um grupo vestido estranho, não se assuste! Ops – quer dizer – se assuste!!!” Pode ser um safári urbano do clubinho. Agora se você quiser participar do clubinho é só entrar no site http://euespantogentenarua.wordpress.com/ e mandar uma foto vestido(a) para espantar gente na rua. Ela autografou o meu livro, tenho mais um para a minha coleção de livros autografados.

A miki é uma inventora! Descendente de japoneses, ela é formada em Desenho Industrial pela FAAP e pós graduada em Styling de Moda pelo Senac. Trabalhou por oito anos como Web Designer e tem experiência em direção de arte e criação, desenvolvimento de metodologia e coaching. Hoje inventa projetos artísticos, lúdicos e educativos em seu ateliê. Eu estive no seu ateliê! Fui conhecer a miki. Tomamos refrigerante e chá, comemos bolo e conversamos bastante. Ela falou do seu trabalho e da sua vida: “Esse livro é uma autobiografia, tudo que tem nele é verdade, menos a garagem do final. As roupas do livro são verdadeiras e estão aí no meu armário” Ela me mostrou. São iguais as do livro e muito bonitas! Uma mais “assustadora” que a outra! rs rs rs Ela também inventou uma coleção de bonecas, as Mikokeshis, parecidas com umas bonecas japonesas chamadas Kokeshis. Elas foram dadas para adoção e tinham até blog.

A Miki e eu

A miki me falou da sua infância na escola. Ela sofreu bullying por ser descendente de japoneses, magra e alta. Chamavam-na por cada nome e diziam que ela era muito esquisita. Um dia ela resolveu assumir: “Já que todo mundo me acha esquisita, eu vou me vestir como esquisita, então”. E foi assim que ela enfrentou o bullying, a gozação dos meninos e meninas da escola e inventou essa brincadeira que está no livro. Eu achei o maior barato esse jeito da miki resolver o seu problema. Foi um pouco parecido com o meu jeito. Na escola também me zoam porque eu gosto de ler. Tenho amigos e gosto deles, mas às vezes quero ficar sozinho num canto lendo um livro. Ganhei um apelido por isso. Os meninos e as meninas me chamam de Leitor ou Lê, ao invés de Heitor. Como a miki, eu também descobri um jeito de resolver o meu problema: inventei um blog!

A miki é muito legal, mesmo! Ela até me emprestou um livro. Disse que é muito bom e que eu vou gostar. Ela adorou e leu mais de uma vez. O livro se chama Nuno 100 novidades. É de um escritor francês chamado Pierre Gripari e tem ilustrações do Odilon Moraes. Vou ler e depois eu conto aqui. Ainda não acabei de ler o livro da Rachel de Queiroz, que eu ganhei no dia em que fui ao sebo com o meu pai. Quando acabar de ler, eu conto também.

*A Sintaxe é a assessoria de imprensa que criou e me deu de presente este blog. Eles cuidam das mudanças e também divulgam.

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Fui ao sebo e ganhei dois livros

No dia do feriado aqui de São Paulo eu fui passear na Biblioteca Mário de Andrade. Ela passou por uma reforma e foi reaberta nesse dia. Ela é muito grande, bonita e tem um monte de livros. É a segunda maior biblioteca do Brasil! A maior é a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Conversei com a moça que trabalha lá e ela me contou como funciona. Vou voltar outro dia, ficar mais tempo, olhar os livros e depois contar aqui no blog. Fiquei feliz por ter essa biblioteca tão grande na minha cidade, mas ainda estou muito triste, pois querem fechar a biblioteca do meu bairro.

Fui ao sebo

– Heitor! Eu vou ao sebo. Quer ir comigo? Encomendei um livro e vou lá buscar.

– Oh, se quero! Me espera…

– Mas vamos logo que o sebo fecha às sete e meia e deve ter muito trânsito agora.

– Estou indo… Eu posso escolher um livro pra mim lá do sebo?

– Pode, sim.

– Oba!

Outro dia eu fui ao sebo com o meu pai. Ele precisava comprar um livro, que não encontrou na livraria. Sempre que acontece isso, meu pai procura nos sebos na internet, quando encontra, liga, reserva e depois vai buscar. Se o sebo é muito longe, ele pede para entregar em casa. Todos sabem o que é um sebo, não sabem? Sebo é uma livraria onde vendem livros usados. O nome correto disso é um pouco complicado: alfarrabista. São as pessoas que compram e vendem livros velhos ou antigos, que são os alfarrábios. Meu pai que me ensinou essas coisas. Essas livrarias ganharam esse nome, pois diziam que os livros ficavam ensebados pelo uso ou pelos pingos das velas usadas para a leitura, no tempo em que não existia a luz elétrica.

Meu pai tinha razão, teve muito trânsito no caminho e chegamos lá às sete e vinte. Enquanto ele pegava o livro dele, que já estava encomendado, eu corri para estante dos juvenis para escolher o meu. O moço de lá falou que eu podia procurar com calma, que ele esperava. Procurei, procurei e vi um monte de livros que me interessaram, separei dois: Velhos Amigos, da Ecléa Bosi, ilustrado por Odilon de Moraes e publicado pela Cia. Das Letras e O menino mágico, da Rachel de Queiroz, ilustrado por Gian Calvi, uma edição antiga, de 1983, da José Olympio Editora.

– Posso levar dois, pai?

– Pode.

– Legal! Obrigado.

Velhos amigos

Hoje vou falar um pouco do Velhos amigos, que eu já li. Vou resumir duas histórias dele. Nesta semana vou ler a Rachel de Queiroz e conto no próximo post. Velhos amigos tem vinte pequenas histórias, uma mais legal que a outra. Na apresentação do livro a autora conta de onde vêm as histórias. Ela diz que as histórias não estão escondidas num tesouro ou num baú perdido no fundo do mar. Elas estão perto da gente e as pessoas mais simples têm sempre uma história bacana para contar. Ela diz também pra gente abrir os olhos e apurar os ouvidos e prestar atenção no que acontece em volta, que sempre vai aparecer uma história bonita. Eu faço isso! Quando eu estou no ônibus, por exemplo, eu fico ouvindo o que as pessoas estão conversando perto de mim. Eu ouço cada coisa, cada história engraçada. Às vezes dá até vontade de entrar no meio da conversa e dar um palpite. Mas eu tenho vergonha, não sei como elas vão reagir. Mas sempre que eu tenho oportunidade eu converso com as pessoas na rua ou nos lugares em que eu vou. Todo mundo gosta de criança curiosa e interessada pelas coisas. Agora, se intrometer na conversa dos outros, é diferente, ninguém gosta. Mas que dá vontade, isso dá.

Uma das histórias do livro é O espanta-baratas. Essa é muito engraçada! É a história de um casal de professores, a Elisa e o Alberico. Eles são ambientalistas e vivem fiscalizando as coisas. As frutas têm agrotóxicos, os alimentos têm conservantes e tudo isso faz mal à saúde! Um dia a Elisa achou uma barata na cozinha, mas não quis usar inseticida. Ela encontrou uma receita antiga de um espanta-baratas, “que não prejudica o homem e os animais domésticos” e que vinha da sabedoria oriental. Eles tinham mania de sabedoria oriental! “Ela comprou bórax em pó na farmácia, misturou com cebola ralada, juntou farinha aos poucos, e dessa mistura fez bolinhas para deixar nos cantos que as baratas apreciam. Espalhou as bolinhas para secar num tabuleiro e foi cuidar da vida.” Seu marido Alberico chegou da escola, cansado e com fome. Encontrou essa surpresa no tabuleiro e achou que fossem os seus doces preferidos da infância: beijinhos de coco. Guloso engoliu dois, sentiu um gosto terrível e gritou por socorro. Elisa entrou na cozinha: – Infeliz! Você engoliu o espanta-barata japonês. Ele começou a passar muito mal, mas depois fez uma lavagem e foi salvo. E hoje eles ainda se lembram dessa história e quando se referem à receita do espanta-baratas, eles dizem “aquela dos seus beijinhos”.

Tem outra história um pouco triste e muito bonita e que dá o nome ao livro: Velhos amigos. É a história do seu Ariosto, que a autora conheceu nas visitas que fazia a um asilo. Seu Ariosto nasceu na avenida Paulista em 1900, quando não havia nem os prédios e nem o asfalto. As calçadas eram largas e era muito gostoso caminhar por lá. “Majestosa com seus palacetes e chácaras, era o orgulho da cidade”.  Ainda menino, seu Ariosto conheceu Santos Dumont, que ainda construía o seu “balão ferramenta”. Ele tinha oito anos e descia para uma área de campo, onde hoje é o Jardim América e a avenida São Gabriel, em São Paulo, para ver Santos Dumont e o seu balão. Às vezes Santos Dumont abraçava o menino e dizia: “Ainda vou inventar um aparelho e levar todos vocês lá em cima”. Seu Ariosto foi casado com Elvira e juntos tiveram uma oficina, a Multicor, que produzia flores que embelezavam as roupas daquela época. No asilo havia também um ex-trapezista cuja fortuna se esvaiu em pó-de-arroz, lantejoulas e cetim. Um ex-banqueiro que não contava mais notas e fazia barquinhos de papel. A ex-rainha dos salões, o inventor do creme Rugol e muitos outros. Um dia seu Ariosto morreu e é assim que a autora descreve a morte desse contador de histórias: “Com a vida corrida que a gente leva, fui rareando as visitas. E ele, criatura gentilíssima, morreu sem me avisar, nesses intervalos de silêncio e solidão. Perdeu-se com ele a memória daquela São Paulo em que Santos Dumont abraçava um menino e prometia inventar um aparelho que levasse todos para o alto.”  

Ecléa Bosi nasceu em São Paulo. É escritora, tradutora, militante de ecologia e professora de Psicologia Social na Universidade de São Paulo. Além do juvenil Velhos amigos, ela escreveu muitos livros, entre eles Cultura de massa e cultura popular: leituras de operárias, Simone Weil: a condição operária e outros estudos sobre a opressão e Memória e sociedade: lembranças de velhos.

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Brinquei de Flip e li O alienista

Duas notícias me deixaram muito triste no começo deste ano. As tragédias provocadas pelas chuvas e o fechamento da minha biblioteca. A prefeitura quer fechar a Biblioteca Anne Frank! 

Foto tirada na primeira vez que eu fui sozinho à biblioteca do bairro

O pessoal da Sintaxe me mandou um e-mail: Como é Heitor, o que você leu nas férias? Não vai contar pra gente? Já sei, eles querem que eu coloque post novo no blog e estão me pilhando. Mas tudo bem, eu gosto deles – eles são maior legal -, e adoro escrever no blog. E depois já está na hora, mesmo. As férias do blog acabaram!

Eu ainda estou de férias da escola, mas já estou em casa, de volta da viagem. Como disse no post anterior, fui viajar com os meus pais. Ficamos na casa de uns amigos deles, numa cidade gostosa, aqui perto de São Paulo. Brinquei, passeei, nadei, ouvi música, assisti filmes, li e dormi muito. Além dos amigos dos meus pais, estavam lá, também, os filhos deles. Um moço de 18 anos, o Jonas, e uma menina de 15, a Flora. Antes da virada do ano, o moço foi para outra cidade, na casa da avó, e a menina ficou lá com a gente. Mas eu não vou falar das minhas férias. Ganhei este blog para falar de livros e das minhas aventuras no mundo da Literatura. Hoje vou falar do livro que eu li na viagem e da brincadeira que eles inventaram e eu participei. Eu li O alienista, do Machado de Assis e brincamos de Flip!

Há muito tempo que eu estava a fim de ler O alienista, disse isto em outro post (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=361). Queria ler um livro do Machado de Assis. Seria a minha primeira vez! Já li Um apólogo, mas esse não conta, é um continho pequeno. A professora falou que a gente vai ler O alienista na escola, mas ainda vai demorar e eu não tive paciência de esperar. Quando acabaram as aulas, tomei uma decisão: vou ler O Alienista nestas férias! Antes de viajar, coloquei na mochila o livro e o meu dicionário, sabia que ia precisar dele. Chegando lá soube que O alienista foi o último livro que a Flora leu. Perguntei se ela gostou. Ela disse que sim, mas que deu muito trabalho. Teve que buscar no dicionário muitas palavras que ela não conhecia. Eu tirei meu dicionário da mochila, mostrei para ela e disse: – Já vim preparado! Depois perguntei se ela podia me ajudar. – Ajudar como? – Compartilhando a nossa leitura. Uma vez eu aprendi isso e já escrevi sobre esse assunto no blog. (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=150) Ela topou! Que legal!!!

O alienista

O alienista se passa em Itaguaí, uma vila próxima ao Rio de Janeiro, no tempo em que o Brasil ainda era colônia de Portugal e bem antes de o Machado de Assis publicar este conto, em 1882. Naquela época, nessas vilas ainda não havia jornal e as notícias eram divulgadas em cartazes escritos a mão e pregados na porta da câmara e da igreja ou “soltando a matraca”. Quem já ouviu essa expressão? Pois é, matraca é um instrumento de percussão usado para chamar a atenção. Os vendedores de biju, aqui em São Paulo, ainda usam matraca! Naquele tempo, contratavam uma pessoa para tocar a matraca, juntava gente em volta e ela dava a notícia. Foi assim que começaram a ser divulgadas na vila de Itaguaí as primeiras pesquisas científicas do Simão Bacamarte, médico e personagem principal desta história do Machado de Assis. Simão Bacamarte deixou uma carreira de sucesso na Europa, voltou ao Brasil e foi para Itaguaí. – A Ciência, disse ele, é o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo. Depois de alguns anos em Itaguaí pesquisando e descobrindo curas, ele resolveu se dedicar a “patologia cerebral”. Queria estudar a loucura e cuidar dos loucos da vila. Construiu a Casa Verde, o hospício onde ele guardava os seus pacientes. O alienista observava o comportamento da pessoa e dependendo do diagnóstico ele a recolhia à Casa Verde. Tudo pela Ciência. Seu objetivo era pesquisar a doença da loucura e encontrar a cura.

Internava a pessoa por ser vaidosa, bajuladora, supersticiosa, indecisa, etc. Foi assim com Costa, que perdeu seus bens em empréstimos. A tia do Costa que quis ajudar o seu sobrinho. O poeta Martim Brito, que ofendeu a memória de Marquês de Pombal. Até o boticário foi internado. Nem dona Evarista, esposa do médico escapou, pois estava indecisa entre ir a uma festa com o colar de granada ou o de safira. No começo a população da vila de Itaguaí apoiou o alienista, mas depois começaram as revoltas e as rebeliões contra o médico e a sua Casa Verde. Quando quatro quintos da população da vila já estava internada, Simão Bacamarte inverteu os critérios e passou a recolher as pessoas simples, as leais, as desprendidas e as sinceras. Mas ele percebeu que essas pessoas também tinham algum desequilíbrio e que isso era o normal. Então ele passa a defender que devem ser internadas a pessoas que tenham todas as qualidades e que sejam totalmente sadias. Nesse momento ele descobre que a única pessoa na vila, com essas características é ele mesmo, O alienista se interna na Casa Verde. Ele era o único louco da Vila!

Vamos brincar de Flip?

Tem uma festa de literatura que acontece todo ano na cidade de Paraty, no Estado do Rio de Janeiro, a Flip – Festa Literária Internacional de Paraty. Meus pais já foram a essa festa, junto com esses seus amigos. Eles disseram que lá vão escritores do mundo todo, uns bem famosos. Eles lêem trechos dos seus livros e depois falam com a plateia. Os escritores ficam hospedados nas pousadas e passeiam pela cidade. Dá até para conversar com eles. Deve ser demais essa festa! Eu ainda vou lá! A festa de Paraty acabou virando uma brincadeira nova pra gente. Um dia todos estavam conversando e cada um falou que livro estava lendo. De repente apareceu essa idéia: Vamos brincar de Flip? Todos lêem um trecho do seu livro e conversamos sobre o assunto? Eu topei na hora! Queria ler para eles um trecho do meu alienista e saber um pouco do que cada um estava lendo. Marcamos a brincadeira para o dia seguinte.

Minha mãe estava lendo um livro de um autor chamado Moacyr Scliar, Eu vos abraço, milhões. Ela leu um trecho e eles conversaram sobre o assunto. Eu não entendi muito bem, mas aprendi algumas coisas sobre o comunismo. Meu pai estava lendo Trem noturno para Lisboa, de Pascal Mercier. Ele leu um trecho bem bacana, que fala da primeira vez que o personagem conseguiu se comunicar em português. Esse livro conta a história de um professor, que fica encantado por um livro. Ele larga tudo, deixa Berna, na Suíça, e vai para Lisboa atrás do autor, um médico português. A amiga dos meus pais estava lendo um livro da Clarice Lispector. Esta já está na minha lista! Falam tanto da Clarice, que eu vou procurar um livro dela para ler. O livro da Clarice que ela estava lendo era o Uma Aprendizagem ou Livro dos Prazeres. Ela leu um trecho em que a personagem se olhava no espelho e refletia sobre uma paixão. Na nossa conversa rolou um papo bem bacana sobre espelho. Eu viajei! O livro que o amigo dos meus pais estava lendo era o De Amor e Trevas, de Amós Oz. Ele leu um trecho e falou que esse livro é “autobiográfico” e conta a história da infância do autor. Ele disse que em algumas partes, o livro é bem pesado e muito triste. Finalmente eu e a Flora lemos um trecho do nosso alienista. O trecho que escolhemos, quase do final do livro, conta o momento em que o médico, depois de concluir que não havia loucos em Itaguaí, chama os seus amigos para tomar uma decisão:

Trecho do livro

A aflição do egrégio Simão Bacamarte é definida pelos cronistas itaguaienses como uma das mais medonhas tempestades morais que têm desabado sobre o homem. Mas as tempestades só aterram os fracos; os fortes enrijam-se contra elas e fitam o trovão. Vinte minutos depois alumiou-se a fisionomia do alienista de uma suave claridade.

Sim, há de ser isso, pensou ele.

Isso é isto. Simão Bacamarte achou em si os característicos do perfeito equilíbrio mental e moral; pareceu-lhe que possuía a sagacidade, a paciência, a perseverança, a tolerância, a veracidade, o vigor moral, a lealdade, todas as qualidades enfim que podem formar um acabado mentecapto. Duvidou logo, é certo, e chegou mesmo a concluir que era ilusão; mas, sendo homem prudente, resolveu convocar um conselho de amigos, a quem interrogou com franqueza. A opinião foi afirmativa.

Nenhum defeito?

Nenhum, disse o coro em assembleia.

Nenhum vício?

Nada.

Tudo perfeito?

Tudo.

– Não, impossível, bradou o alienista. Digo que não sinto em mim essa superioridade que acabo de ver definir com tanta magnificência. A simpatia é que vos faz falar. Estudo-me e nada acho que justifique os excessos da vossa bondade.

A assembleia insistiu; o alienista resistiu; finalmente o padre Lopes explicou tudo com este conceito digno de um observador:

– Sabe a razão por que não vê as suas elevadas qualidades, que aliás todos nos admiramos? É porque tem ainda uma qualidade que realça as outras: – a modéstia.

Era decisivo. Simão Bacamarte curvou a cabeça juntamente alegre e triste, e ainda mais alegre do que triste. Ato contínuo, recolheu-se à Casa Verde.

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