Li livros e folhetos de cordel e saí de férias

Hoje vou escrever o último post do ano. Vou viajar com os meus pais, eles também estão de férias. Volto aqui para colocar post, só depois do dia 10 de janeiro. Mas vou dar umas entradas de vez em quando, para ver se tem comentário ou e-mail. Não consigo ficar muito tempo longe do meu blog. Ele foi o melhor presente que eu ganhei neste ano, eu já disse isso em outro post. Com ele conheci tanta gente nova e legal! Além disso, o blog tem me ajudado nas minhas leituras, estou lendo com mais atenção e descobrindo mais coisas. E também estou muito animado com os planos para o próximo ano, que eu já comentei no post anterior. Não vejo a hora de começar, mas antes, vou tirar umas férias, merecidas.

Hoje vou falar sobre literatura de cordel. Outro dia eu fui ao lançamento de uma escritora que eu conheci na Bienal do Livro. Ela me convidou. O nome dela é Rosinha Campos. Ela é pernambucana, mora em Recife e veio lançar três livros em São Paulo: A história de Juvenal e o Dragão, A história da Princesa do Reino da Pedra Fina e A história da Garça Encantada. São três histórias de literatura de cordel, publicadas pela Editora Projeto, de Leandro Gomes de Barros, recontadas pela Rosinha. Nesse dia eu me lembrei de outro livro de literatura de cordel, que eu já tinha lido, de outro escritor que eu também conheci na Bienal, o João Bosco Bezerra Bonfim. O livro dele é o Um pau-de-arara para Brasília, publicado pela Editora Biruta. Eu tenho um exemplar autografado por ele. Eu ganhei no dia em que acompanhei uma entrevista, que ele deu para uma rádio lá na Bienal. Essa história eu já contei aqui no blog (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=308). Nesse dia eu aprendi com o João Bosco um monte de coisa sobre o cordel!

Além desses dois escritores eu me lembrei de outra história de literatura de cordel que eu li junto com os meus colegas na escola. Era a Semana do Folclore e a professora levou um folheto de cordel pra gente ler em sala de aula, O pinto pelado, de João Ferreira de Lima. Ela pegou esse folheto na internet, no site da Casa Rui Barbosa. Ela imprimiu umas cópias e levou pra gente ler. É uma história muito engraçada, de um pinto briguento. Nós lemos em voz alta, cada um leu um pedaço e a professora foi explicando as palavras que a gente não conhecia.  É um jeito diferente de falar e de contar histórias, em versos. É muito bom! E lendo em voz alta, fica melhor ainda. Ela também contou um pouco sobre a origem do cordel, que “começou como uma manifestação cultural oral na Europa e só depois foi impresso em folhetos”. Foi maior legal essa aula!

O livro que eu li da Rosinha foi o A história da Princesa do Reino da Pedra Fina. Ela autografou o meu exemplar, mais um para a minha coleção de livros autografados. A Rosinha começa recontando esse folheto do Leandro Gomes de Barros, assim: “Certo dia, José, o mais novo de três irmãos, tem o desejo de ver as pernas das moças do Reino da Pedra Fina. Seu pai fica furioso e lhe dá umas lapadas. Desgostoso, o moço sai de casa e vaga pelo mundo.” Eu queria escolher um dos três livros que a Rosinha estava lançando para trazer para casa e ler. Quando vi o começo deste, não tive dúvida. Achei muito engraçado o José levar umas lapadas! Depois de sair vagando pelo mundo, José encontra um rio misterioso e nesse rio ele acha um brilhante muito valioso. Daí ele chega em um reino desconhecido e tenta vender a pedra. O rei fica maravilhado com o brilhante, paga muito dinheiro por ele e o coloca em sua coroa. Orientado pelo barbeiro trapaceiro e conselheiro, o rei pede mais três pedras a José, que volta ao rio para buscar e a história segue.

Li também o folheto original, de Leandro Gomes de Barros, que vem junto com o livro. O Leandro nasceu na cidade de Pombal, na Paraíba, em 1865 e morreu em Recife, em 1918. Ele produziu mais de 600 folhetos com milhares de edições. Ele lia muito e suas leituras serviam de inspiração para os seus folhetos. Foi proprietário de uma pequena gráfica que imprimia a sua obra e de outros poetas, e viajava bastante para vender os folhetos. O livro da Rosinha é muito bonito. As ilustrações também foram feitas por ela. São xilogravuras, técnica muito usada para ilustrar os folhetos de literatura de cordel. “Essa técnica consiste em entalhar na madeira o desenho ou texto que se deseja reproduzir. Entinta-se a superfície que ficou em relevo e, em seguida, é prensado sobre o papel ou outro suporte.” Com a ajuda de Meca Moreno e Davi Teixeira, a Rosinha fez as matrizes (peças de madeira entalhadas) das xilogravuras que ilustram esse livro. O texto da Rosinha é mais curto que o original e ajuda a entender a obra do poeta Leandro Gomes de Barros.

Rosinha Campos é arquiteta e especialista em literatura infanto-juvenil. Ela ilustra e escreve livros para crianças e jovens, já recebeu vários prêmios e participou de muitas exposições.

O livro do João Bosco Um pau-de-arara para Brasília se passa na época da construção da capital do Brasil. As ilustrações são de Alexandre Teles e também são xilogravuras. O João Bosco mora em Brasília. Ele nasceu no Ceará, em 1961 e em 1972, com 11 anos, mudou-se com a família para Brasília. A história começa com Assum Preto em um pau-de-arara levando toda sua fortuna dentro de uma mala. Ele é um folheteiro e sua mala está cheia de folhetos de cordel, que ele leva para Brasília. Em outro caminhão mais a frente, segue “uma moça de coragem, que largou lá pai e mãe e embarcou nessa viagem.” O nome dessa moça é Brasília. Os dois se conheceram numa feira, onde Assum Preto contava suas histórias e vendia os seus folhetos. A história continua e explica por que eles viajavam separados. A moça quer ir à Brasília para salvar a sua família da ruína, provocada por Fausto, um fazendeiro poderoso e desalmado.

Assum Preto descobre a intenção da moça e decide seguir viagem com ela. Combinaram: “Dali a uma semana, naquele mesmo lugar, cada um com um matulão, deveriam se encontrar e com destino a Brasília, começar a retirar.” Mas Assum Preto chega atrasado, perde a viagem e Brasília segue sem ele. Assum Preto segue atrás em outro caminhão. Brasília chega à capital e vestida de homem, encontra trabalho. Assum Preto chega depois dela e começa a vender os seus folhetos: “Então, eleva a voz, gritando a plenos pulmões: – Princesa da Pedra Fina, Ali Babá e os ladrões, Roldão e o Leão de Ouro, Juvenal contra os Dragões”. Vocês viram que coincidência, Assum Preto vendia folhetos do Leandro Gomes de Barros! Veio o dia da inauguração da capital, teve a festa e nada deles se encontrarem. No fim da festa, Assum Preto teve uma idéia. Cantou no alto falante do parque de diversões o folheto Coco Verde e Melancia e encontrou a sua amada Brasília.   

João Bosco Bezerra Bonfim é poeta, cordelista, pesquisador, com tese de doutorado sobre o gênero cordel. Seu livro O romance do Vaqueiro Voador fez muito sucesso e até virou filme de cinema.

Bom Natal e Feliz Ano Novo a todos! Até a volta.

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Li três romances fantásticos

Na semana passada duas professoras conversaram com o pessoal da Sintaxe. Para quem não sabe, a Sintaxe é a assessoria de imprensa que criou e me deu de presente este blog. Eles cuidam das mudanças e também divulgam. As professoras conheceram o blog, gostaram dele e querem participar com os seus alunos. Uma delas disse que no próximo ano, ela e a sua turma vão enviar as leituras que farão com comentários, para trocar experiências. A outra, que também é orientadora de sala de leitura, assim que terminarem as férias, vai se reunir com o pessoal da Sintaxe para descobrir uma forma bacana de participar do blog. Achei o maior legal essa novidade! Quando eles me contaram, eu fiquei tão feliz, mas tão feliz que já comecei a fazer planos para o blog. Tenho um monte de ideias, estou anotando tudo e depois também quero fazer uma reunião com eles.

Já li o outro livro que eu peguei emprestado da biblioteca. Na quinta-feira eu tenho que devolver. O livro é o Coraline, do Neil Gaiman, e foi publicado em 2002, pela Editora Rocco. Vou aproveitar para falar de outros dois livros que eu já tinha lido e ainda não tinha contado aqui. A Espada Turca, do Luiz Antonio Aguiar, e As Luas de Vindor, do Caio Riter, estes publicados neste ano, pela Editora Biruta. Juntei os três no mesmo post, pois eles são meio parecidos. São livros que mostram um mundo de fantasia e todos contam histórias de arrepiar e de botar medo! Confesso que teve partes que me deram um pouco de medo, sim. Para quem acredita em fantasmas deve ser pior ainda. Eu não acredito! Pois, como disse uma personagem da história do livro Coraline, “nenhuma pessoa sensata acredita em fantasmas – isso porque são todos uns grandes mentirosos.”

Coraline

A história do livro Coraline, do Neil Gaiman, começa com a menina Coraline descobrindo uma porta em sua casa, que não dava para lugar nenhum. A família dela tinha se mudado há pouco tempo para lá. Antes era uma casa grande e que foi dividida em apartamentos. A família de Coraline morava em um desses apartamentos. Ao lado, no mesmo andar, moravam a senhorita Spink e a senhorita Forcible, acompanhadas de três cachorros. Há muitos e muitos anos, elas tinham sido atrizes. No apartamento acima, sob o telhado da casa, morava um velho maluco que tinha bigodes enormes. Ele estava treinando um circo de ratos, mas não deixava que ninguém visse os ratos, pois não estavam prontos e nem ensaiados. No dia seguinte ao dia da mudança, Coraline começou a exploração pela casa e pelo quintal. Explorou o jardim, a velha quadra de tênis, um velho canteiro de rosas, “um recanto cheio de pedras e um anel de fadas formado por cogumelos marrons venenosos e moles e que exalavam um cheiro horrível quando pisados”. Coraline era uma exploradora! Também encontrou um poço profundo e perigoso, coberto de tábuas de madeira, e que será muito importante no final dessa história. Coraline passou as duas primeiras semanas explorando o jardim e o terreno em volta da casa. Um dia chovia muito e ela não podia sair para continuar sua exploração. Seu pai sugeriu que ela explorasse dentro da casa. Foi o que ela fez e anotou tudo. Contou as janelas (21). Contou as portas (14). “Das portas que encontrou, treze abriam e fechavam. A outra – a porta grande e de madeira escura e esculpida, no canto mais afastado da sala de visitas – estava trancada”. Coraline encontrou uma velha chave e conseguiu abrir essa porta e do outro lado viveu toda a aventura dessa história.

Neil Gaiman é um escritor muito premiado. Ele é o autor de Deuses americanos, Neverwhere, Stardust, da coleção de ficção científica Smoke and mirrors e da famosa série de quadrinhos Sandman. Ele nasceu na Inglaterra e vive nos Estados Unidos.

A Espada Turca

“O raio é que toda vez que se lembrava daquela tarde, na caverna no alto da montanha, as imagens se embaraçavam, como se fosse um sonho”. Assim começa a história de A Espada Turca, do Luiz Antonio Aguiar, e quem tinha essa sensação era Leonora, a personagem principal desse livro. O casarão e toda a propriedade em que morava o seu avô Martiniano estavam abandonados há pelo menos quatro anos e coisas estranhas começaram a acontecer. O terreno em volta era imenso. Havia um bosque cercando a casa, com árvores altas e antigas. Havia uma trilha pelo meio da vegetação. No sopé da montanha, a queda d’água e o riacho que atravessava a propriedade. Tudo isso no meio da cidade. Na verdade, a cidade que cresceu em torno “daquele pedaço de outro mundo”. Quando Leonora era criança, nas visitas que fazia ao seu avô, chegava com seus pais, deixava suas coisas num do quartos e já descia. “Ficava o dia inteiro vivendo suas aventuras, sozinha e solta. Só entrava quando escutava o sino chamando para o almoço, depois tornava a sair e daí nunca a viam em casa antes do escurecer”. E a lembrança que Leonora tem é que numa dessas visitas ela viu uma espada sair da parede de rocha da caverna, “foi expelida como uma bolha de sabão sai da outra, e ficou flutuando um instante no ar, depois fundiu-se de volta com a parede da caverna.” Na época ela contou esse episódio ao seu avô e depois, às vezes, pensava que isso poderia ter causado a sua morte. O corpo do avô foi encontrado próximo à caverna de onde Leonora viu sair a espada. Sentia muita culpa.  Leonora tinha que desvendar esse mistério. Ela nunca entendeu as meias explicações do avô. Ele dizia que tinha afastado de vez a Espada Turca, mas agora ela não acreditava mais nisso e queria descobrir a verdade.

Luiz Antonio Aguiar é um escritor muito premiado. Ganhou o Jabuti em 1994; várias menções do Prêmio Altamente Recomendável, da FNLIJ; foi inscrito na lista de honra do IBBY em 2007; e do White Ravens em 2008, a maior biblioteca de literatura infantil e juvenil do mundo. Ele nasceu e vive no Rio de Janeiro.

As Luas de Vindor

Olívia, a princesa do reino de Vindor está insatisfeita. Ela quer mais do que aquela vida de princesa lhe oferece. Ela é a personagem principal da história do livro As Luas de Vindor, do Caio Riter. Vida monótona, festas na corte em que senhores e senhoras dançam sem alegria, um mundo adulto do qual ela não tem vontade de participar. Refugia-se no jardim ou na biblioteca e para acabar com aquela solidão busca outra possibilidade de vida. Abre um livro e raios vermelhos marcam o papel. “Ergue os olhos, lá estão as três luas rumando para o alinhamento que todos aguardam com impaciente e temerosa ansiedade.” Diz o povo, que as três luas de Vindor, quando alinhadas são sinal de coisa ruim. No último alinhamento houve guerra e mortes, e o reino foi colocado em risco. Olívia não percebe, mas de uma das janelas do castelo, alguém a observa. Alguém que torce para que as luas se coloquem rapidamente lado a lado, e conhece o que ocorreu há mais de mil anos. Planeja a morte do Imperador e sabe as palavras certas que serão ditas para que as Criaturas do Espelho se curvem diante do seu poder. Ele sabe e aguarda o momento em que o Imperador dará o seu último suspiro. Olívia desconhece as intrigas do palácio. “Pouco conhece do passado de seu reino ou dos seres fantásticos que habitam o Espelho. E que querem sair. Basta as luas se alinharem. E agora falta pouco.” Olívia não sabe, mas saberá. O Sábio do palácio diz que está na hora de ela saber a verdade e a leva até o aposento imperial. Seu pai lhe faz uma grande revelação, de que há mais de mil anos Vindor era habitado por dois povos, “os humanos, e as Criaturas, seres translúcidos, feitos de ar e água.” Viviam em paz até que a cobiça e o desejo de poder trouxe a guerra. Depois de muita luta e mortes os humanos prenderam as Criaturas no interior do Grande Espelho com a tarefa de repetir todos os atos dos homens. Com o alinhamento da luas elas podem se libertar do Espelho e voltar. Olívia tem uma grande missão: Salvar o reino de Vindor. 

Caio Riter é um escritor muito premiado. Ganhou os prêmios Açorianos, Barco a Vapor, Orígenes Lessa e Selo Altamente Recomendável, da FNLIJ. É professor, mestre e doutor em Literatura Brasileira. Participa como palestrante em cursos de capacitação de professores. Ele nasceu e vive em Porto Alegre.

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Assisti a uma contação de história e li o livro

No outro sábado eu fui à biblioteca. Depois que eu fui sozinho, pela primeira vez, à biblioteca do meu bairro, como eu contei aqui no blog (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=172), eu já voltei outras vezes. Gosto muito de ir lá, conversar com o bibliotecário João Gabriel. Ele sempre me dá boas dicas de leitura. Vou à biblioteca para ler, pegar livros emprestados e até para estudar. Lá é muito gostoso, silencioso e no quintal tem muitas árvores e passarinhos. Desta vez eu fui para assistir a uma contação de história. Quem contou foi a Cia da Fulô. Esse grupo é formado pelos atores Janaína Silva, Marcos Reis, Thiago de Freitas e Renata Vendramin. Eles contaram a história do livro A moça de Bambuluá, do Ricardo Azevedo. Gostei tanto da história e do jeito que eles contaram, que eu peguei o livro da biblioteca e trouxe para casa para ler. Sempre que eu vou pegar um livro na biblioteca o João Gabriel fala para eu levar dois. – Heitor, você pode pegar dois livros emprestados de cada vez e tem 15 dias para devolver, você sabe disso, aproveita! Ele sempre me convence: o outro livro que eu peguei, por indicação do João, é o Coraline, do Neil Gaiman. Ele disse que é bem legal e que eu vou gostar. Vou ler e depois eu conto aqui.

O livro A Moça de Bambuluá, que eu li, faz parte da série Histórias de Encantamento, da editora Scipione. É uma edição muito antiga, de 1989, e já está fora do catálogo. A gente só encontra em bibliotecas. Mas o conto A Moça de Bambuluá também está em outro livro da mesma editora, Contos de Espanto e Alumbramento, que além desse, tem também outros contos do Ricardo Azevedo. Este livro a gente encontra em livraria.

O conto A Moça de Bambuluá começa assim: “Ninguém ia lá. Melhor não. Caminho torto. Ladeira dura. Mato cheio de farpa. Fora isso, o medo. Gente que foi lá, ninguém mais viu. Gente que foi lá, voltou doida. Rindo com o olho bobo sem direção. Ir lá? E dar de cara com o demônio? Alma fantasma gemendo na pedra? De fato. Na nova não, na minguante não, mas depois, da crescente até a cheia, o lugar, principalmente à meia-noite, enchia de risco de luz chispando no ar, barulheira de pássaro grasnando, e mais, no meio cortando tudo, uivo de mulher. Berro de fêmea torturada até amanhecer. Ninguém ia. Metidos de quando em quando, tipos de peito inchado, iam. Mãos peludas, arrotando. Fala grossa. Antes. Quando voltavam… João andarilho. Viajante. Pobre. Tocando viola de lugar em lugar para ganhar algum. Vida igual estrada sendo aberta a cada dia. João chegou. Notícias correm. Ouviu. Soube. – E daí? Balançou os ombros. – Pra mim, tanto faz como fez.”

Não é bonito? Agora, leiam em voz alta e vejam como fica mais bonito, ainda. Assim como as histórias mal-assombradas, do Adriano Messias, que eu já falei aqui no blog (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=421), essa história do Ricardo Azevedo também faz parte da tradição oral. São contadas há muito tempo. Por isso elas ficam mais bonitas quando são lidas em voz alta. Agora, imaginem como foi ouvir essa história contada pelos quatro atores da Cia da Fulô. Foi emocionante! Eles contaram, tocaram violão, sanfona e alguns instrumentos de percussão, e criaram todo o clima da história.

João andarilho foi àquele lugar, que todos tinham medo de ir. Era uma gruta e havia uma mulher presa, só aparecia a sua cabeça. Não que ele não tivesse medo do perigo. Ele não suportava escutar aquela dor. A mulher disse que foi feitiço, malfeitoria, praga de levar uma vida embora. Essa mulher era a Moça de Bambuluá, e depois de muito sacrifício, João, andarilho e tocador de viola, conseguiu salvar a mulher. Esse é só o começo da história. Tem uma parte em que o João já está apaixonado pela Moça de Bambuluá, que na verdade era uma princesa, e ela também estava apaixonada por ele. Mas ela tinha que ir embora, voltar para o seu reino. Depois eles se encontrariam. Ela deixou um presente para o João. Cordas novas para a sua viola. Nesse momento da contação um dos contadores vira para a platéia e diz: “Parece que eram encantadas” (as cordas). Fala de um jeito tão gostoso, como se contasse um segredo ou fizesse uma revelação. No final da história eu vi que essas cordas eram muito importantes, mesmo.

Tem outra parte da história em que João, morando na casa de uma velha sábia e depois de alguns desencontros com a Princesa de Bambuluá, começa a ficar amigo de uma das filhas da velha. “Os dois falavam sobre a vida. Jeitos de fazer e de ser. Assuntos rolando pelos dias. Entrando dentro das noites. Entre um homem e uma mulher não é fácil distinguir amizade de atração. Carinho de sedução. Companheirismo e desejo. Quando um homem e uma mulher gostam de ficar junto, tudo pode ser.”  Os contadores contaram esse pedaço da história e criaram um clima bem gostoso. E continuaram a história: “Um dia, por nada, desataram a rir. Um olhava o outro e gostava de ver o outro rindo.” E os contadores riram, mas riram de um jeito que parecia de verdade. Parecia que ela era a filha da velha e ele o João andarilho, ou que os dois atores estavam se gostando, também.  Foi emocionante esse pedaço da história. Fiquei arrepiado!

Quem mora em São Paulo, ainda pode aproveitar este final de semana para assistir a Cia da Fulô contar a história de A Moça de Bambuluá. É de graça!

Dia 11 de dezembro, sábado, às 14h00 – Biblioteca Aureliano Leite – Rua Otto Schubart, 196. Parque São Lucas
Dia 12 de dezembro, domingo, às 11h00 – Bosque de Leitura Carmo – Av. Afonso de Sampaio e Souza, 951

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Li histórias de animais amigos e entrevistei o autor

Hoje eu vou falar dos livros de outro escritor que eu conheci na Bienal do Livro, o Jeosafá Fernandes Gonçalves. Ele lançou dois livros infantis na Bienal e outro dirigido ao professor, sobre como ensinar poesia na escola. O Jeosafá também é professor. Eu conheci um monte de escritores na Bienal e essas histórias estão lá no post “Os escritores da Bienal” (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=308). Eu li os dois livros infantis do Jeosafá e mandei, por e-mail, umas perguntas para ele. E ele respondeu. Eu entrevistei o Jeosafá!!! Os livros são Beto e Abelardo e Ganhar, Amar, Cuidar, publicados pela Editora Noovha América.

A história de Beto e Abelardo, que foi ilustrada por Octavio Cariello, começa assim: “Era de noite e o menino bem miúdo estava afundado no sofá macio da sala. Assistia na tevê a um desenho muito legal. A sala estava com as luzes apagadas, igual a um cinema. Seus olhos ardiam de cansados, mas ele tinha um dó muito grande de fechá-los e não conseguir abri-los até o dia seguinte por causa do sono”. Esse é o Beto. Uma vez ele disse para o seu amigo Abelardo, um bem-te-vi que morava no telhado de sua casa: – Daqui a pouco, minha mãe vai me chamar para tomar banho, aí, acabou-se o dia… – Detesto dormir. Se eu pudesse não dormiria nunca! Um dia o Beto resolve ficar acordado a noite inteira, seguindo um conselho que o Abelardo não tinha dado. – A gente pia uma coisa, os outros entendem outra, comentou o Abelardo. Nessa noite aconteceram coisas terríveis que só lendo o livro para saber.

O livro Ganhar, Amar, Cuidar é diferente da maioria dos livros infantis. Normalmente o escritor faz o texto e passa para o ilustrador colocar os desenhos. Com este livro foi diferente. O Jeosafá escreveu a história para as ilustrações do Claudio Tucci, que já estavam prontas há muito tempo. Nessa história os bichos amigos são mais comuns, são cachorros. A Nica, que tem 5 anos, e o seu irmão Lalo, que tem “um ano e pouco mais do que” ela ganham dos pais um filhote amarelo. Era uma cadela, mas mesmo assim eles deram o nome de Caramelo (cão + amarelo). – Como a natureza é livre, eu e o Lalo decidimos que a Caramelo ia ser criada em liberdade e que ela teria direito de fazer suas próprias escolhas, conta a Nica. Esse jeito de cuidar não deu muito certo, como mostra a história do livro. Mas um dia a Caramelo traz para casa “um filhote preto, lindo e esperto”. Eles não sabiam onde ela tinha arranjado esse filhote. Nica e Lalo deram o nome de Duque e aprenderam com esses dois amigos, como cuidar de cachorro.

O Jeosafá escreve poesia, ficção e obras didáticas relacionadas à literatura e à língua portuguesa. Ele também é professor do Ensino Fundamental, Médio e Superior. Estudou Letras e fez doutorado em Estudos Comparados de Literatura de Língua Portuguesa na USP. Ele sempre estudou em escola pública.

A seguir a entrevista que ele concedeu ao Blog do Le-Heitor (que chic!, como diz a minha tia. Não acharam?)

Heitor – Você se inspirou em algum menino para criar o personagem Beto, do livro Beto e Abelardo? Em quem?

Jeosafá – Sim. O Beto é meu filho Ulisses. O curioso é que o ilustrador não sabia disso tampouco o conhece, mas a ilustração parece uma caricatura dele.

 Heitor – E a Nica, que conta a história de Ganhar, Amar, Cuidar, tem alguma inspiração real ou você a inventou?

 Jeosafá – A Nica é outro caso de coincidência espetacular. As ilustrações já existiam e esse livro, para a tradição dos infantis, faz o caminho inverso: em vez de o artista ilustrar a história, eu é quem escrevi a história para as ilustrações que já estavam prontas há muito tempo (e eu não as conhecia). A menina é a cara da minha filha Sofia, que está com seis anos. Outra coincidência é que tivemos realmente uma cadela em casa. Era amarela como nas ilustrações do livro. E não teve fim diferente, não. Adotamos ela adulta, depois de a tirarmos da rua toda machucada, levar no veterinário, vacinar e “otras cozitas mas”. Porém, ela só queria saber de rua… Já o Duque é invenção. A Sofia e o Ulisses, é lógico, ajudaram a organizar o roteiro da história a partir das ilustrações. E foram meus consultores, aliás, muito críticos.

Heitor – Nos dois livros há a relação da criança com os bichos. Em Beto e Abelardo, a amizade do menino com um bem-te-vi; e em Ganhar, Amar, Cuidar, a relação de Nica e o seu irmão com a cadela Caramelo e o Duque. Você acha importante essa experiência na infância?

Jeosafá – Acho sim. Porém, a posse responsável de animais de estimação é algo bem sério. Depois da Caramelo, tivemos em casa um coelho orelhudo, que morreu subitamente, e um ramster, que foi comido por um gato. Até hoje minha filha chora pelo ramster, mas não pelo coelho. Prometi a ambos que, quando eles forem mais responsáveis, adotaremos um cão ou uma cadela. Temos um jardim em casa. Os passarinhos adoram pular pelas plantas e os colibris se fartam nos bebedouros. Meus filhos e eu adoramos ficar observando. Batemos fotos, discutimos seu comportamento, às vezes bem agressivo de um tipo de beija-flor violentíssimo que há no bairro (chamam de tesourão, porque é grande e tem a calda em forma de tesoura – já matou um pequeno beija-for de outra espécie a trombadas e quase matou outro a bicadas, este eu salvei por sorte).

 Heitor – Vi no seu blog o comentário de um ex-aluno seu, agradecido por influenciá-lo pelo gosto à leitura. Existe alguma formula para transformar crianças e jovens em leitores?

 Jeosafá – Há uma fórmula sim, simples como receita de bolo de fubá. Aliás, vou dar a receita:

 Ingredientes:

– Uma criança de qualquer idade, inclusive idosa.

– Uma boa história pra contar ou ler.

 Como fazer:

 – Ame a criança ouvinte ou leitora.

– Ame a história falada ou lida.

– Misture tudo com amor.

– Seja feliz amorosamente.

 Viu que receita simples?

Heitor – Vi. Simples, mesmo, e bem legal! Vocês não acham?

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Li histórias de menino francês

Como eu prometi no post anterior, hoje eu vou contar a história de outro menino que conta histórias. Desta vez é um menino francês. O nome dele é Nicolau, o Pequeno Nicolau. No post anterior eu falei do André, do livro do Adriano Messias. Revendo os posts do blog, eu encontrei outro menino, que eu já contei a história dele, que também contava histórias e que até criou um personagem. O menino é o Geraldo e o personagem que ele criou é o Pandonar, do livro do João Ubaldo Ribeiro (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=115). Eu estou gostando muito dessas histórias de meninos que contam histórias!

O Pequeno Nicolau

O pequeno Nicolau foi criado em 1959 por René Goscinny e Jean-Jacques Sempé. Anne Goscinny, filha de René, que morreu em 1977, juntou algumas histórias inéditas guardadas pela mãe, desde a morte do pai. Ela fez um primeiro projeto gráfico dessas histórias e mostrou para Sempé.  Ele ficou muito animado e decidiu se juntar a ela para lançar, em 2009, essas histórias inéditas do Pequeno Nicolau e comemorar os 50 anos do personagem. Peguei essas informações na apresentação do livro e depois eu pesquisei e descobri que desde que foi criado O pequeno Nicolau já vendeu mais de nove milhões de exemplares na França, 13 milhões em todo o mundo e foi traduzido para 37 idiomas. Dizem que ele é tão popular quanto seu conterrâneo O pequeno príncipe e que ganhou um monte de homenagens na França e virou até celebridade nacional. O livro que eu li foi A volta às aulas do Pequeno Nicolau, que é o primeiro volume da série de oito livros já lançados na França. A Editora Rocco está lançando esses livros no Brasil. A história do Pequeno Nicolau já passou no cinema neste ano, eu não assisti, vou ver se já tem em DVD. René Goscinny também foi o criador, junto com Albert Uderzo, de outro personagem famoso, o Asterix.  

Os personagens e as histórias

O Nicolau tem muitos amigos. O Alceu, que é o guloso da turma e está sempre comendo; o Clotário, que é o último da classe e vive de castigo; o Godofredo, que é o riquinho da turma e sempre tem um brinquedo novo; o Eudes, que é o valentão e dá socos nos colegas; o Agnaldo, que é o primeiro da classe e o xodozinho da professora; o Joaquim, que é o melhor na bolinha de gude; e o Rufino, que faz muita bobagem e quer ser policial, como o pai. O livro é dividido em pequenas histórias e quem conta é sempre o Nicolau. Ele tem um jeito muito engraçado de contar as histórias e mesmo quando elas não têm um final muito feliz a gente acaba dando muita risada. O Nicolau é “uma figura”, como diz o meu tio. Tem a história em que o Nicolau sai com sua mãe para comprar o material para a escola; tem outra que o Nicolau se reúne com seus amigos em um terreno baldio para organizar um grupo que vai defender as pessoas, ajudar os pobres e capturar os bandidos; tem também uma que o Nicolau almoça na escola junto com os semi-internos; outra que um amigo engraçado do pai vai jantar na casa do Nicolau; outra que o Nicolau e os amigos passam uma tarde na casa do Godofredo, o amigo rico que tem até mordomo; tem a história da festa de aniversário do Clotário, o último da classe, e do dia em que o pai do Nicolau comprou uma televisão, e muitas outras. Nas histórias do Nicolau sempre acontecem muitas confusões, mas no final tudo dá certo.

Uma história inteira

Tem uma história que eu gostei muito e vou contar inteirinha, até o final, o nome dela é O coelho maneiro e é mais ou menos assim: Como a classe do Nicolau se comportou muito bem a professora levou massinha e ensinou os alunos a fazer um coelho bem orelhudo. O coelho do Nicolau era o melhor da classe, foi a professora que disse. Estava melhor do que o do Agnaldo, que era sempre o primeiro da turma, o xodozinho da professora e que não gostou nem um pouco de não ser o primeiro desta vez. Nicolau achou essa aula muito legal e voltou para casa supercontente, com o seu coelho na mão para não esmagar dentro da pasta. Ele entrou correndo na cozinha e disse: – Olha, mamãe! Ela deu um berro, se virou assustada e disse: – Quantas vezes eu já te disse para não entrar assim na cozinha feito um selvagem. Ele mostrou para a mãe o seu coelho maneiro e ela disse: – Tudo bem, vá lavar as mãos. O almoço está pronto. – Mas olhe meu coelho, mamãe, a professora disse que era o mais maneiro da sala. – Muito bem, muito bem, disse a mãe. Agora vá se preparar para o almoço. Ele viu que a mãe não havia nem olhado para o seu coelho. Quando ela diz “Muito bem, muito bem”, o Nicolau sabe que é sinal de que ela não está olhando de verdade. – Você não olhou o meu coelho, ele insistiu. Nicolau! Gritou a mãe. – eu já te pedi para se arrumar para o almoço. Já estou estressada o suficiente e não preciso que, além disso, você seja insuportável! Eu não suportarei que você seja insuportável. – Essa foi forte, disse o Nicolau. – Faço um coelho maneiro, a professora diz que é o melhor da turma, até mesmo o xodozinho do Agnaldo ficou com inveja, e em casa levo bronca! Ele diz que assim já é demais, que nunca viu tanta injustiça, dá um chute no banco da cozinha e corre para o quarto para se jogar na cama e ficar emburrado, mas antes coloca o coelho na escrivaninha para não esmagar.

A mãe entra no quarto, diz para ele acabar com essa falta de modos, para ele descer e comer se não quiser que ela conte tudo para o pai. – Mas você nem olhou o meu coelho. – Esta bem! Está bem! Estou vendo o seu coelho. É um coelho muito bonito. Pronto, está satisfeito? Agora você vai se comportar ou terei que me aborrecer com você? Ele começa a chorar e diz: Você não gostou do meu coelho? É isso? De que adianta estudar na escola se na sua própria casa as pessoas não gostam dos seus coelhos? Nesse momento o pai chega em casa. – Onde está todo mundo? Estou em casa! Voltei mais cedo do trabalho! O pai entra no quanto do Nicolau e pergunta o que está acontecendo, pois ouve os berros lá de fora. A mãe responde: – O Nicolau está insuportável desde que chegou da escola. – Eu não estou insuportável, diz o Nicolau. – Vamos com calma, diz o pai. E a mãe reclama: – Você dá razão a ele, e não a mim. Depois você será o primeiro a se surpreender quando ele virar um moleque. – Eu dou razão a ele e não a você? – pergunta o pai. Eu não dou razão a ninguém. Eu consigo chegar mais cedo em casa e o que encontro: um drama. – E eu? – perguntou a mãe. Você acha que os meus dias não são duros também? Você sai, vê gente. Eu fico aqui trancada o dia inteiro feito uma escrava para tornar essa casa habitável e, além disso, tenho que aguentar o mau humor destes senhores. – Eu? Por acaso estou de mau humor? – gritou o pai, dando um murro em cima da escrivaninha do Nicolau, que ficou apavorado, pois se tivesse acertado o coelho ele ficaria todo achatado. E a discussão entre o pai e a mãe do Nicolau foi esquentando até que a mãe sentou na cama do Nicolau e começou a chorar. O Nicolau que não gosta de ver a mãe chorando, também chorou com ela. O pai olhou para os dois, sentou ao lado da mãe, a abraçou e deu um lenço a ela. – Ora minha querida, nós estamos fazendo papel de bobos nos deixando levar pelo nervosismo. – Você tem razão, disse a mãe.   Mas o que você quer, com o tempo ruim como o de hoje e ainda o menino… – É claro, é claro, disse o pai. – Tenho certeza de que tudo vai se arranjar. Você sabe que é preciso um pouco de psicologia para lidar com as crianças. Espere, você vai ver. Então o pai se virou para o Nicolau passou a mão no seu cabelo e disse: – Não é verdade que o meu Nicolau vai ser gentil com a mamãe e lhe pedir perdão? O Nicolau disse que sim, pois ele acha que o momento mais legal na sua casa é quando se termina de brigar. A mãe diz que foi muito injusta com o Nicolau, pois ele foi muito bem na escola e foi até elogiado pela professora. – Mas é ótimo, é magnífico…, diz o pai. Essa história me deixou com fome. Está na hora de comer e depois o Nicolau conversará comigo a respeito de todo esse sucesso na escola.

E o Nicolau termina contando assim essa história: – Papai e mamãe deram risada e então fiquei muito contente, e enquanto papai beijava mamãe fui pegar o meu coelho para mostrar a ele. Papai se virou e disse: – Vamos lá, Nicolau, agora que está tudo bem, você vai se comportar, hein? Então, vá jogar logo no lixo essa porcaria aí e depois vá lavar bem as mãos para que a gente possa almoçar tranquilamente. 

Amanhã é o meu aniversário. Eu vou fazer 12 anos.

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Li histórias de assombração

Outro dia eu vi a entrevista de um escritor bem famoso, o Mario Vargas Llosa. Ele até ganhou o Nobel de Literatura, que é um prêmio muito importante. Eu vejo esses programas com o meu pai. Ele gosta de assistir entrevistas na televisão e quando tem alguma coisa que eu gosto também, eu assisto com ele. Na entrevista o escritor disse que gosta mais de ler do que escrever.  Nesses dias que eu andei sumido, li três livros, mas não consegui escrever nenhuma linha no blog. Não faltou assunto: os livros são bem bacanas e eu descobri um monte de coisas que eu posso contar aqui. Provas e trabalhos na escola, o clima da eleição, sei lá, essas coisas me preocuparam muito. Eu contei isso para o meu pai e ele me disse que escrever dá trabalho, mesmo, e que era para eu escrever no blog quando tivesse vontade. – “Mas você sabe, Heitor, que é só sentar e começar, que você consegue escrever coisas muito bonitas”. Achei o maior legal meu pai falar assim comigo.

Um dos livros que eu li foi o Histórias mal-assombradas de Portugal e Espanha. Este livro faz parte de uma série da Editora Biruta chamada Contos para não dormir. Quem escreve esta série é o Adriano Messias. Eu conheci o Adriano na Bienal do Livro. (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=308). Ele já escreveu cinco livros desta série e ainda vai lançar mais dois. Nesse que eu li, ele conta histórias de assombração que foram criadas em Portugal e na Espanha. Nos outros livros da série ele me disse que contou histórias mal-assombradas de Minas Gerais, do interior de São Paulo, do tempo da escravidão e muitas outras. Sim, ele me disse! Eu conversei com o Adriano no sábado passado. Ele estava num bate-papo na Livraria Cultura e eu fui lá assistir. Ele autografou o meu livro e eu tenho mais um na minha coleção de livros autografados. Foi de manhã, estava chovendo em São Paulo, tinha pouca gente e deu para conversar um montão com o Adriano. Ele é bem legal! Ele fez faculdade de Letras e Jornalismo, mestrado em Comunicação Social e hoje faz doutorado em Comunicação e Semiótica. Ele escreve para crianças e adolescentes e a vontade de ser escritor veio quando ele tinha 12 anos.

Eu disse a ele que gostei muito do livro e que li rapidinho. Comecei a ler e não consegui parar mais. Essas histórias de assombração prendem a gente. Elas dão um pouco de medo, mas só um pouquinho. Tem a história da “Mulher da meia-noite”, por exemplo. Eu mesmo já ouvi alguma vez essa história, mas quando é contada dá um arrepio. Uma mulher muito bonita aparece vestida de vermelho em bares e se aproxima de homens solitários. Senta à mesa e conversa com um homem que fica encantado com a sua beleza. Depois de muita conversa ela pede ao homem que a leve até a sua casa, pois tem medo de ir sozinha. No caminho eles continuam conversando até que chegam em frente a casa da mulher que diz: – É aqui que eu moro…” Ele olha ao lado e vê um terreno com um muro muito comprido e percebe que lá é o cemitério. Quando volta para falar com a mulher ela já tinha desaparecido.

O Adriano nasceu na cidade de Lavras, em Minas Gerais e quando era criança ouviu muitas histórias de assombração. Essas histórias fazem parte da tradição oral dos povos, que preservaram sua cultura pela fala. Nesta série ele conta as histórias que ouviu, outras que pesquisou e algumas que inventou. Na verdade quem conta essas histórias é o André Villas Boas, um personagem criado pelo Adriano Messias. André é um menino que morava em Belo Horizonte e se mudou para São Paulo. No começo do livro o André se apresenta. Ele diz que está numa escola nova, mas os seus gostos continuam os mesmos de antes: cinema, shopping, colecionar selos, criar páginas na internet, desmontar coisas e colecionar gibis. Ele disse que está tentando fazer novos amigos, mas a vida corrida da cidade nem sempre facilita as coisas. – “Eu encontro muito tempo livre para ler e gosto de ler, ninguém me obriga a fazer isso. Leio de tudo, livros de aventura, revistas de viagens, blogs e sites.” Estou gostando desse André! Ele disse que no caminho de casa para a escola a sua imaginação voa e que um dia quer escrever livros. – “Mas, para ser escritor, uma professora me disse que a gente tem de ler e ler e ler… e ter talvez um certo talento. Será que eu tenho?”, o André se pergunta.  Perguntei ao Adriano quantos anos tem o André, no livro não fala. Ele tem 16 para 17 anos. Ele já é grandão, eu ainda vou fazer 12. Mas eu também quero escrever livros e vou continuar lendo.

André vai visitar sua avó e as três tias (Clara, Branca e Alva) tricotadeiras em Lavras. As tias tricotam sem parar e fazem cachecóis enormes. Lá é que ele ouve as histórias mal-assombras que conta no livro. Tem a história da “Dama do pé de cabra”, que ele contou mais ou menos assim:  

Adriano Messias

Um homem muito rico encontra uma mulher maravilhosa e quer se casar com ela. A mulher impõe uma condição: ele não deve pronunciar jamais o Nome do Pai ou qualquer outra oração em sua casa e nem fazer o sinal da cruz. Ele aceita a condição e se casa com ela. Na noite de núpcias descobre que a mulher tem um pé de cabra (não que tivesse a ferramenta, um pé dela era de cabra, mesmo!) Ele não deu importância para isso, já que a mulher era muito bonita. Passaram-se os anos, eles tiveram dois filhos. O homem tinha um cachorro fiel e a mulher uma cadela preta e magricela. Um dia o homem está jantando, joga um pedaço de carne para o seu cão e diz: “Silvano, coma à vontade, pois és um cão amigo. A cadela da minha senhora é que nada merece, que o diabo a leve”. A cachorra vivia ressentida de ser excluída pelo homem. Não ganhava carinhos e nem petiscos. Não se passaram dois segundos e a temida cadela da esposa pulou no pescoço do cão amado. Foi uma luta injusta: a cachorra abocanhou o pescoço do outro animal e, em poucos momentos o animal estava morto sem que ninguém tivesse conseguido interferir. O homem assistiu a tudo horrorizado e disse: “Jesus Cristo, valei-me” e benzeu-se várias vezes fazendo o nome do pai. Estava desfeito o trato. Restaria ver o que viria em seguida. O final dessa história está lá no livro… Quem conta é o padre Mingau, que faz o maior suspense para prender a atenção de todos.

Outro livro que eu li e que vou falar dele no próximo post, também é a história de um menino que conta histórias. É um menino francês, o Pequeno Nicolau.

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Por que eu gosto de ler?

– Você não se lembra, Heitor. – Do que, mãe? – Eu li um livro do Machado do Assis para você. Eu acho que você tinha uns quatro ou cinco anos. Você não se lembra? – Não lembro, não, mãe. Qual era o livro? – Um apólogo. – Como? – Um apólogo era o nome do livro. Chama-se apólogo porque no final a história tem uma moral e os personagens não são gente. O livro conta a história da briga da agulha com a linha para ver quem é a mais importante. – Eu nunca li nada de briga de agulha e linha! – Pois é, você disse no blog que nunca leu Machado de Assis, mas eu já li Machado para você. Vou procurar esse livro. Deve estar guardado no meio das suas bagunças. Ela encontrou: Um apólogo, de Machado de Assis, com ilustrações de Ana Raquel, publicado pela Editora DCL em 2003.

Assim que ela me deu o livro, eu sentei, abri e comecei a ler: “Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha: – Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma coisa neste mundo? – Deixe-me, senhora. – Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça. – Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.” E eu fui lendo até o final e vendo as ilustrações da Ana Raquel. Li um livro do Machado de Assis pela primeira vez! Ou não seria a primeira vez? Minha mãe leu pra mim! É legal. Mas é diferente.

Eu não me lembro de minha mãe ter lido este livro para mim, mas eu me lembro muito bem, que minha mãe sempre lia para mim, e meu pai também.  É uma das lembranças mais gostosas que eu tenho desse tempo. Era tão bom ouvir minha mãe e meu pai contando histórias. Às vezes eu pedia para eles pararem um pouco, para eu pode ver como estava escrita a história que eles me contavam, e também para admirar as ilustrações. Outras vezes eu pedia para eles voltarem para uma parte da história, pois eu não tinha entendido direito, ou ela era tão bonita, que eu queria ouvir de novo. Nos dias de frio era mais gostoso ainda. Ficávamos embaixo das cobertas horas, lendo histórias. Eu prestava bastante atenção na cara deles. Quando a história era engraçada eles abriam um sorriso e depois soltavam uma gargalhada.

E quando a história era triste, então. O sorriso se fechava e aos poucos suas caras iam mostrando um clima tristonho e melancólico. Eu lembro uma vez – não sei qual era a história, mas era bem triste – minha mãe engoliu seco, parecia querer evitar alguma coisa que estava para acontecer. Ela tentou segurar, mas não conseguiu. Minha mãe chorou! Algumas lágrimas caíram dos seus olhos. – Você está chorando, mamãe?  – Essa história é emocionante demais, meu filho, ela respondeu ainda um pouco engasgada. Acho que foi nesse dia que eu descobri que não se chora só de dor.

Outra coisa que eu gostava de fazer nesse tempo era ficar olhando os meus pais lerem. Eles liam com tanto gosto. Até hoje eles gostam de ler e lêem bastante, mas naquele tempo eu observava mais essas coisas. Uma vez minha mãe estava lendo, com uma cara tão feliz, que eu perguntei a ela mais ou menos assim: O que aconteceu, mamãe, que te deixou desse jeito? Estou lendo um livro maravilhoso, meu filho! Acho que é por tudo isso, que hoje eu gosto de ler. E também por que ler é muito gostoso!

A Mariana colocou um comentário no outro post dizendo que gostou tanto do livro Kafka e a boneca viajante que vai ler para a filha e para a sobrinha de cinco anos. Leia, sim, Mariana, pois muitas coisas gostosas podem acontecer.

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O Machado, o Museu e o Pessoa

Já estava com saudades de escrever no blog. Na semana passada não coloquei nenhum post aqui. Como sempre, tinha muita coisa para estudar. Também eu ia sair no final de semana para dois passeios da hora e já tinha pautado – como eu aprendi com uns amigos jornalistas – falar deles aqui no blog. No sábado de manhã eu fui ao lançamento de um audiolivro da editora Livro Falante. Achei o maior barato o nome dessa editora. Lembra o grilo, que assim como o livro, também era falante. Era um audiolivro do Machado de Assis, o Quincas Borba. Eu nunca li nada do Machado de Assis, mas estou louco para ler. Falei com a minha professora e ela me disse que daqui a alguns anos a gente vai ler na escola. Não sei se vou ter paciência de esperar. Ela disse que se eu quisesse ler antes, poderia começar por uma história mais curta, um conto, por exemplo. Ela me falou de O Alienista, disse que é uma história muito engraçada. Acho que vou ler esse livro. Estou super ansioso e nervoso. Eu nunca li Machado de Assis. Será a minha primeira vez.

O lançamento foi no teatro da Livraria Cultura do conjunto Nacional, na avenida Paulista. Eu já conhecia essa livraria. Fui a uma sessão de autógrafos lá e contei aqui no blog (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=94). Quem fez a leitura do Quincas Borba para esse audiolivro foi o Rafael Cortez. Aquele mesmo do CQC. Ele é o maior barato! Eu pensei que ele só trabalhasse na televisão, mas ele faz muita coisa. Ele fez jornalismo, estudou música e também é ator. Além do Quincas Borba, ele já gravou outros livros do Machado de Assis para a Livro Falante, o Memórias póstumas de Brás Cubas, o Dom Casmurro e O Alienista. A Sandra, dona da Livro Falante, conheceu o Rafael numa peça de teatro. Gostou tanto dele, que o convidou para gravar esses audiolivros.

Nesse lançamento o Rafael tocou violão, fez um recital. Ele é violonista clássico e também compositor. Ele tocou aquela música “Se essa rua fosse minha…” no violão. Foi muito bonito! Disse que o arranjo que fez para essa música sintetiza sua relação com o Machado de Assis. “São variações de um mesmo tema”. Vou tentar explicar o que ele contou: no primeiro movimento a música é mais simples, como a primeira leitura que ele fez do Machado, quando criança; no segundo movimento, a música fica mais complexa, ganha mais notas, sua leitura na fase adulta, mais madura; no terceiro movimento, a música atinge o pleno amadurecimento, assim como a leitura que ele pretende fazer do Machado, quando tiver quarenta ou cinquenta anos. Isso aumentou ainda mais o meu desejo de ler o Machado. No final eu conversei com o Rafael e ele autografou o meu audiolivro. A Sandra disse que vai me dar o audiolivro do Drácula. Eu vou ouvir e depois eu conto aqui.

Meu sábado não parou por aí. Vocês não vão acreditar onde eu fui à tarde… Fui ao Museu da Língua Portuguesa! Ele fica na Estação da Luz. Conheci o Museu e o Fernando Pessoa. Foi muito legal! Assim que chegamos, disseram que o filme já ia começar, então fomos direto para o terceiro andar. Eles passaram um filme, narrado pela Fernanda Montenegro, sobre a importância das Línguas na formação dos povos, e sobre a Língua Portuguesa, que termina com uma palavra bem legal: “idiomaterno”. A Língua é a nossa mãe! Nós que falamos português somos todos filhos de uma mesma mãe portuguesa.

Fernando Pessoa
Depois do filme a tela subiu e a gente entrou no palco. Lá foram projetados textos e palavras de escritores de Língua Portuguesa, com a leitura de autores e artistas. Há uma parte bem bacana de uma portuguesa. Ela disse que gosta de ouvir o português dos brasileiros, pois nós pronunciamos todas as vogais. É verdade, os portugueses comem as vogais!

No segundo andar tem um telão de mais de cem metros de comprimento e que pega toda a extensão da Estação da Luz. Nele passam muitos vídeos que falam sobre a Língua Portuguesa e as diversas manifestações culturais e artísticas dos povos que falam português. Fiquei quase meia hora vendo esses filmes. São bem legais! No segundo andar tem também uma linha do tempo na parede, que conta a história da Língua Portuguesa do Brasil e vai desde os seus primórdios até os dias de hoje. Com textos, fotos e desenhos, ela mostra o aparecimento da Língua e as transformações das culturas e dos povos que falam português. Tem tanta coisa para ler que não dá tempo de ler tudo.

No primeiro andar tem a exposição do Fernando Pessoa. Ele é um poeta português muito conhecido. Eu que tenho 11 anos e nunca li Fernando Pessoa reconheci alguns versos das poesias dele que estavam lá escritas: “O poeta é um fingidor / Finge tão completamente / Que chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente…” Não é bonito? E outro: “Tudo vale a pena / Quando a alma não é pequena…”. Tem outra frase que eu gostei muito e que fala, pelo menos do que eu entendi, de descobrir as coisas pelas palavras: “Quem não vê bem uma palavra não pode ver bem uma alma”. Acho que quanto mais conhecemos as palavras, mais conhecemos o mundo.

Fernando Pessoa, assim como Machado de Assis, escreveu em português. Machado era brasileiro e Pessoa era português. Eu também escrevo e falo em português. Saber isso me dá uma sensação tão gostosa. A sensação de fazer parte dessa turma, não só a turma de Machado e Pessoa, o que seria uma pretensão, mas a de fazer parte de um povo (são mais de 200 milhões de pessoas em todo o mundo), que fala e escreve em português. De alguma forma, eu conheço todas essas pessoas. Isso é muito bom!

Fernando Pessoa também criou diversos heterônimos. Os heterônimos são várias personalidades inventadas por um mesmo autor. Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis foram alguns dos poetas criados pelo Fernando Pessoa. Eles tinham um estilo próprio de escrever e até biografia. Alberto Caeiro, por exemplo, nasceu em 16 de abril de 1889 e morreu em 1915. Ele foi um poeta ligado à natureza e desprezava qualquer tipo de pensamento filosófico. Depois de conhecer Fernando Pessoa acho que eu descobri o que eu sou: Sou um heterônimo!

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Li um Kafka (ou quase)

Na semana passada o pessoal da Sintaxe ligou e me disse: – Heitor, você vai ler um Kafka! Parecia uma ameaça. Fiquei com medo e perguntei: – Isso é perigoso? Quem é esse Kafka? Eles riram e me acalmaram: – Não tem perigo, nenhum, Heitor. E me falaram um pouco dele: “Kafka é considerado um escritor complexo e os seus personagens sofrem de conflitos existenciais. Ele nasceu na cidade de Praga em 1883 e morreu em 1924, vitima da tuberculose, aos 41 anos, em um sanatório perto de Viena. A maior parte de sua obra foi publicada depois da sua morte. No mundo kafkaniano os personagens não entendem o sentido de suas vidas e sempre estão em confronto com o poder das instituições. Suas histórias mostram o tamanho da impotência e da fragilidade do ser humano”. – Eu estou achando perigoso, sim, ler esse Kafka, eu disse, zoando com eles. – Na verdade, Heitor, você vai ler um livro que conta uma história que aconteceu com o Kafka, um ano antes de sua morte. Essa história foi contada por Dora Dymant, sua mulher nessa época. Vamos mandar o livro para você. Você vai gostar!

Recebi o livro em casa. Ele se chama Kafka e a boneca viajante, foi escrito pelo espanhol Jordi Sierra i Fabra, tem ilustrações de Pep Montserrat, e foi publicado no Brasil em 2008 pela editora Martins Martins Fontes. O livro é maravilhoso! A história é emocionante. Quem não leu, precisa ler. Era o início do verão de 1923, Kafka morava em Berlin e ia todas as manhã ao parque Steglitz. A paz e o silêncio desse parque faziam bem à sua saúde. Um dia ele estava no parque e ouviu o choro alto de uma menina, que estava muito perto dele. “Ela chorava em pé, desconsolada, tão angustiada que parecia trazer no rosto toda a dor e a aflição do mundo”. “Franz Kafka olhou para um lado e para o outro. Ninguém notava a menina. Estava sozinha”. Ele não sabia o que fazer. Se conversava com ela ou simplesmente ia embora. Ele nunca tinha ouvido alguém chorar daquele jeito.

Kafka pensou muito e decidiu falar com a menina. – Olá. O que aconteceu? Você se perdeu? – Eu não, ela respondeu. – Quer dizer que você não se perdeu. – Eu não, já disse. – Quem então? – Minha boneca. – Sua boneca? – É. A menina chorava e parecia sofrer muito. “Eram as lágrimas mais sinceras e dolorosas que já tinha visto. Lágrimas de uma angústia suprema e de uma tristeza insondável”. Ele não sabia o que dizer à menina. – Onde você a viu pela última vez? – Naquele banco. – E você onde estava? – Estava brincando. – E ficou lá muito tempo? – Não sei. Ele pensou e descobriu uma solução simples para a sua mente criativa de escritor.

– Espere um pouco, que bobagem a minha! Qual o nome da sua boneca? – Brígida. – Brígida, claro! E soltou uma risada para convencer a menina. – É ela, lógico! Desculpe, não me lembrava do nome! Às vezes sou tão avoado! Com tanto trabalho! A menina arregalou os olhos. – Sua boneca não se perdeu. Ela foi viajar. – Viajar? – Isso mesmo! Qual é o seu nome? – Elsi. – Elsi, claro! Lógico que era a sua boneca, porque a carta era para você. – Que carta? – A que ela escreveu, explicando por que foi embora tão de repente. Kafka disse a menina que, na pressa, tinha deixado a carta em sua casa, mas que lhe entregaria no dia seguinte. – Sou um carteiro de bonecas.

Assim que a menina saiu da praça e voltou para casa, Kafka percebeu que acabava de se meter numa tremenda confusão. Precisava escrever aquela carta. Com criança não se brinca, ele pensou: sem aquela carta, Elsi cresceria com o pior dos traumas: o de ser abandonada por sua boneca. Era escritor, mas nunca havia escrito uma carta de uma boneca viajante para a menina que fora sua dona até o momento da separação. Kafka foi para casa, se trancou em seu escritório e escreveu a carta. No dia seguinte, no horário combinado, levou a carta para menina. Elsi olhou o envelope, virou e viu o remetente: “Brígida. West End. Londres” Não faltou nem o selo.

Kafka leu a carta para a menina. Nessa carta a boneca explicava porque foi embora tão de repente sem se despedir. As despedidas são tristes e ela não queria ver Elsi chorar. Disse que a amava. Que as pessoas e as bonecas são feitas de sentimentos e emoções e que é preciso ir usando aos poucos. Disse também que depois de viver esses anos ao lado da menina, ela se sentia a boneca mais feliz do mundo. Mas que agora ela se preparava para inicar uma nova vida. Falou dos lugares que conheceu em Londres: o Picadilly Circus, passeio de barco pelo Tâmisa, caminhada pela Trafalgar Square e ainda assisitu, à noite, a uma peça de teatro no Soho.

Esse é só o começo da história do livro. Depois disso a boneca da menina foi à Paris, Viena, Veneza, Moscou, seguiu para a Espanha, Grécia, Hungria, cruzou o mar e foi à Africa, à Asia, à America do Norte e do Sul. Também cruzou o deserto do Saara, explorou a Índia, percorreu a muralha da China, nadou no mar Morto, escalou os picos do Himalaia. Esteve em Pequim, em Tóquio, em Nova York, em Bogotá, no México, em Havana, em Hong Kong. Pulava de um continente ao outro num abrir e fechar de olhos. E nesse tempo Kafka escreveu uma carta por dia. Mas isso não poderia durar a vida toda ou toda a infância da menina. Kafka tinha que dar um fim para essa história. Mas só lendo o livro para saber que fim o escritor deu para a história da boneca viajante.

Tem uma parte do livro em que a mãe de Elsi, curiosa pelas histórias contadas pela filha, lê as cartas, segue a menina e vai conversar com o carteiro de bonecas, Franz Kafka. Esse trecho do livro é muito emocionannte. Diz que Kafka chorou nesse encontro com a mãe de Elsi. Eu também chorei.     

Jordi Sierra

O escritor Jordi Sierra i Fabra nasceu na Espanha em 1947. Com mais de 300 obras publicadas de gêneros diversos. Criou a Fundação Jordi Sierra i Fabra, em Barcelona, e a Fundação Taller de Letras Jordi Sierra i Fabra para a América Latina, na Colômbia, que desenvolvem um intenso trabalho com crianças e jovens para estímulo à leitura e à criação literária.

O ilustrador Pep Montserrat nasceu na Espanha em 1966. Ilustrou diversos livros infantis e juvenis. Também trabalha como ilustrador para jornais como El País, na Espanha, e The New York Times, nos Estados Unidos. Desde 1998 é professor na escola de arte Massana de Barcelona.

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Os escritores da Bienal

Este é o último post que eu escrevo sobre a Bienal. Estou muito feliz em fazer este blog. Acho que foi o maior presente que eu recebi neste ano. Com ele estou conhecendo um monte de escritores. E os comentários e e-mails que eu tenho recebido. Vocês nem imaginam como eu gosto quando eu falo de um escritor e ele vem aqui no blog, deixa um comentário ou manda um e-mail. Nunca pensei que isso fosse possível: os escritores que eu leio, lerem o que eu escrevo.  E os escritores que eu conheci na Bienal, então. Foram tantos, que não vai dar tempo de falar de todos.

Mas ainda tem uma coisa muito importante que eu estou sentindo falta no blog: dos comentários dos meninos e meninas da minha idade. No começo eles comentavam, diziam que estavam gostando do blog, que iam ler o livro que eu li e até sugeriram que eu lesse um livro que eles tinham lido. Depois eles pararam de comentar. Queria tanto que eles voltassem. Acho que eu vou pedir ajuda para a minha professora e ver se ela tem alguma ideia. Bem, agora eu vou falar um pouco dos escritores que eu conheci na Bienal, dos que eu vi, dos que eu não vi e dos que eu vi de longe.

No primeiro dia que eu cheguei à Bienal eu conheci a Maria Vianna. Ela trabalha como editora de livros. Ela é muito bacana! Disse que está acompanhando o meu blog e que está adorando. Cada pessoa que a gente encontrava ela dizia: – Esse é o Heitor, ele tem um blog, chama-se Blog do Le-Heitor. Você precisa ver como é bonito o blog dele! Ela fez a maior propaganda do meu blog. As primeiras escritoras que eu conheci nesse dia foram a Anna Claudia Ramos e a Sandra Pina. Elas são do Rio de Janeiro. A Sandra até deixou um comentário aqui no blog. Quero encontrá-las de novo, quando elas voltarem a São Paulo. Depois a Maria me apresentou a Rosinha Campos, que é de Recife e estava lançando um livro que se chama Maria que Ria. Pensei que fosse uma homenagem a Maria Vianna, por que ela é muito risonha, mas não era não.

Depois encontrei a Paula (eu já falei dela aqui no blog). Ela me mostrou a Aline Abreu, que estava passando por um estande. – Corre Heitor, vamos falar com a Aline, ela é muito legal! Naquele dia a Bienal estava cheia de gente. Corremos, corremos, mas não conseguimos alcançá-la. Perdemos a Aline de vista. Ela é ilustradora e também escreve livros e deixou um comentário no blog. A Paula também me apresentou a Luciana Savaget. A Luciana é jornalista, já fez muitas viagens e tem um monte de livros publicados. Ela também já viu o meu blog e até me mandou um e-mail. Conheci a Ingrid Biesemeyer Bellinghausen (espero que eu não tenha errado o nome dela). A Ingrid escreveu um monte de livros infantis. Ela tem um livro chamado Mundinho que eu li quando estava no primeiro ano.

No outro dia o pessoal da Sintaxe me apresentou ao Adriano Messias. Ele escreveu uma série de livros que se chama Contos para não dormir e que tem histórias de assombração. Eu vou ler um desses e se eu não morrer de medo eu volto aqui e conto para vocês. Outro escritor que eles me apresentaram e até me levaram ao estúdio de uma rádio para eu acompanhar a entrevista dele foi o João Bosco Bezerra Bonfim. Ele mora em Brasília e estava lançando um livro chamado Um pau-de-arara para Brasília. Ele é especialista em literatura de cordel, autografou um livro para mim e até fez uma dedicatória em verso. Vou ler esse livro e depois quero conversar com ele para saber mais sobre cordel.

Conheci também o Jeosafá Fernandez Gonçalves, que estava lançando dois livros infantis e outro dirigido ao professor, sobre como ensinar poesia na escola. Também conheci a Thereza Christina Rocque da Mota, que tem uma editora especializada em poesia e que estava lançando um livro chamado A vida dos livros, que já foi um blog e que conta o dia a dia do trabalho de fazer livros. Conheci a Eliana Sá, que estava lançando um livro infantil, que trabalhou na editora Globo e hoje tem sua própria editora, a Sá Editora. Conheci a Neuza Lozano Perez que lançou um livro sobre o Curupira e que também tem um blog e a Miriam Portela, que eu já falei dela no outro post. Conheci o Rafael Cortez do CQC, que gravou o audiolivro Quincas Borba, do Machado de Assis, pela editora Livro Falante.

Laerte na Bienal
Também encontrei – e já falei no outro post – a Katia Canton e o Jorge Miguel Marinho. A Katia deixou um comentário no blog e o Jorge já me mandou uns e-mails. Conheci a Tati Móes, ilustradora que morava em Recife e agora está em São Paulo, e o Ale Jordão, artista plástico que fez um livro de imagens com o cachorro dele. Também encontrei e conheci pessoalmente o Laerte. Já falei dele em outro post. Ele fez uma dedicatória para mim no livro dele. Não encontrei o Marciano Vasques. Ele tem um monte de livros infantis e já fez uma pequena biografia da Tatiana Belinky. Ele também tem um blog e já me mandou uns e-mails dizendo que gostou do meu. No dia do lançamento dele eu não pude ir à Bienal. Que pena!

Ah, teve também dois escritores bem famosos que eu só consegui ver de longe: o Ziraldo e o Maurício de Souza. As filas eram muito grandes para falar com eles e pegar autógrafos.

Depois de conhecer e conversar com tanta gente, não vai me faltar assunto para os próximos posts.

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