No dia do feriado aqui de São Paulo eu fui passear na Biblioteca Mário de Andrade. Ela passou por uma reforma e foi reaberta nesse dia. Ela é muito grande, bonita e tem um monte de livros. É a segunda maior biblioteca do Brasil! A maior é a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Conversei com a moça que trabalha lá e ela me contou como funciona. Vou voltar outro dia, ficar mais tempo, olhar os livros e depois contar aqui no blog. Fiquei feliz por ter essa biblioteca tão grande na minha cidade, mas ainda estou muito triste, pois querem fechar a biblioteca do meu bairro.
Fui ao sebo
– Heitor! Eu vou ao sebo. Quer ir comigo? Encomendei um livro e vou lá buscar.
– Oh, se quero! Me espera…
– Mas vamos logo que o sebo fecha às sete e meia e deve ter muito trânsito agora.
– Estou indo… Eu posso escolher um livro pra mim lá do sebo?
– Pode, sim.
– Oba!
Outro dia eu fui ao sebo com o meu pai. Ele precisava comprar um livro, que não encontrou na livraria. Sempre que acontece isso, meu pai procura nos sebos na internet, quando encontra, liga, reserva e depois vai buscar. Se o sebo é muito longe, ele pede para entregar em casa. Todos sabem o que é um sebo, não sabem? Sebo é uma livraria onde vendem livros usados. O nome correto disso é um pouco complicado: alfarrabista. São as pessoas que compram e vendem livros velhos ou antigos, que são os alfarrábios. Meu pai que me ensinou essas coisas. Essas livrarias ganharam esse nome, pois diziam que os livros ficavam ensebados pelo uso ou pelos pingos das velas usadas para a leitura, no tempo em que não existia a luz elétrica.
Meu pai tinha razão, teve muito trânsito no caminho e chegamos lá às sete e vinte. Enquanto ele pegava o livro dele, que já estava encomendado, eu corri para estante dos juvenis para escolher o meu. O moço de lá falou que eu podia procurar com calma, que ele esperava. Procurei, procurei e vi um monte de livros que me interessaram, separei dois: Velhos Amigos, da Ecléa Bosi, ilustrado por Odilon de Moraes e publicado pela Cia. Das Letras e O menino mágico, da Rachel de Queiroz, ilustrado por Gian Calvi, uma edição antiga, de 1983, da José Olympio Editora.
– Posso levar dois, pai?
– Pode.
– Legal! Obrigado.
Velhos amigos
Hoje vou falar um pouco do Velhos amigos, que eu já li. Vou resumir duas histórias dele. Nesta semana vou ler a Rachel de Queiroz e conto no próximo post. Velhos amigos tem vinte pequenas histórias, uma mais legal que a outra. Na apresentação do livro a autora conta de onde vêm as histórias. Ela diz que as histórias não estão escondidas num tesouro ou num baú perdido no fundo do mar. Elas estão perto da gente e as pessoas mais simples têm sempre uma história bacana para contar. Ela diz também pra gente abrir os olhos e apurar os ouvidos e prestar atenção no que acontece em volta, que sempre vai aparecer uma história bonita. Eu faço isso! Quando eu estou no ônibus, por exemplo, eu fico ouvindo o que as pessoas estão conversando perto de mim. Eu ouço cada coisa, cada história engraçada. Às vezes dá até vontade de entrar no meio da conversa e dar um palpite. Mas eu tenho vergonha, não sei como elas vão reagir. Mas sempre que eu tenho oportunidade eu converso com as pessoas na rua ou nos lugares em que eu vou. Todo mundo gosta de criança curiosa e interessada pelas coisas. Agora, se intrometer na conversa dos outros, é diferente, ninguém gosta. Mas que dá vontade, isso dá.
Uma das histórias do livro é O espanta-baratas. Essa é muito engraçada! É a história de um casal de professores, a Elisa e o Alberico. Eles são ambientalistas e vivem fiscalizando as coisas. As frutas têm agrotóxicos, os alimentos têm conservantes e tudo isso faz mal à saúde! Um dia a Elisa achou uma barata na cozinha, mas não quis usar inseticida. Ela encontrou uma receita antiga de um espanta-baratas, “que não prejudica o homem e os animais domésticos” e que vinha da sabedoria oriental. Eles tinham mania de sabedoria oriental! “Ela comprou bórax em pó na farmácia, misturou com cebola ralada, juntou farinha aos poucos, e dessa mistura fez bolinhas para deixar nos cantos que as baratas apreciam. Espalhou as bolinhas para secar num tabuleiro e foi cuidar da vida.” Seu marido Alberico chegou da escola, cansado e com fome. Encontrou essa surpresa no tabuleiro e achou que fossem os seus doces preferidos da infância: beijinhos de coco. Guloso engoliu dois, sentiu um gosto terrível e gritou por socorro. Elisa entrou na cozinha: – Infeliz! Você engoliu o espanta-barata japonês. Ele começou a passar muito mal, mas depois fez uma lavagem e foi salvo. E hoje eles ainda se lembram dessa história e quando se referem à receita do espanta-baratas, eles dizem “aquela dos seus beijinhos”.
Tem outra história um pouco triste e muito bonita e que dá o nome ao livro: Velhos amigos. É a história do seu Ariosto, que a autora conheceu nas visitas que fazia a um asilo. Seu Ariosto nasceu na avenida Paulista em 1900, quando não havia nem os prédios e nem o asfalto. As calçadas eram largas e era muito gostoso caminhar por lá. “Majestosa com seus palacetes e chácaras, era o orgulho da cidade”. Ainda menino, seu Ariosto conheceu Santos Dumont, que ainda construía o seu “balão ferramenta”. Ele tinha oito anos e descia para uma área de campo, onde hoje é o Jardim América e a avenida São Gabriel, em São Paulo, para ver Santos Dumont e o seu balão. Às vezes Santos Dumont abraçava o menino e dizia: “Ainda vou inventar um aparelho e levar todos vocês lá em cima”. Seu Ariosto foi casado com Elvira e juntos tiveram uma oficina, a Multicor, que produzia flores que embelezavam as roupas daquela época. No asilo havia também um ex-trapezista cuja fortuna se esvaiu em pó-de-arroz, lantejoulas e cetim. Um ex-banqueiro que não contava mais notas e fazia barquinhos de papel. A ex-rainha dos salões, o inventor do creme Rugol e muitos outros. Um dia seu Ariosto morreu e é assim que a autora descreve a morte desse contador de histórias: “Com a vida corrida que a gente leva, fui rareando as visitas. E ele, criatura gentilíssima, morreu sem me avisar, nesses intervalos de silêncio e solidão. Perdeu-se com ele a memória daquela São Paulo em que Santos Dumont abraçava um menino e prometia inventar um aparelho que levasse todos para o alto.”
Ecléa Bosi nasceu em São Paulo. É escritora, tradutora, militante de ecologia e professora de Psicologia Social na Universidade de São Paulo. Além do juvenil Velhos amigos, ela escreveu muitos livros, entre eles Cultura de massa e cultura popular: leituras de operárias, Simone Weil: a condição operária e outros estudos sobre a opressão e Memória e sociedade: lembranças de velhos.