Acabei de ler um livro do Rodrigo Lacerda, O fazedor de velhos, e gostei muito. Gosto de ler de tudo, mas adoro quando um livro me emociona e eu me reconheço na história, e foi o que aconteceu com esse livro. Também gosto quando um livro me faz pensar sobre outros assuntos, às vezes, assuntos que nada tem a ver com a história do livro, e também foi o que aconteceu com esse livro. A história do avô do autor, que é assunto de outro livro dele, me fez pensar sobre a situação da política atual do Brasil, e fui conversar com o meu pai.
A História se repete
– Pai, estou lendo um livro do Rodrigo Lacerda, ele é neto do Carlos Lacerda, o livro se chama O fazedor de velhos.
– Está gostando?
– Estou adorando, mas não é sobre o livro que eu quero falar agora, não.
– …
– Pesquisei na internet e li que o Rodrigo escreveu outro livro, A república das abelhas, em que ele conta a história de seu avô.
– Sim, é um romance histórico e biográfico sobre o Carlos Lacerda. Você quer ler?
– Ainda não…
– O que você quer, então?
– As histórias que li na internet me fizeram pensar um monte de coisas.
– O que, por exemplo?
– Quando Carlos Lacerda fez campanha contra o Getúlio Vargas, a imprensa o apoiou, os jornais diziam que Getúlio era corrupto e ladrão e que tinha sido o responsável pelo atentado contra o Lacerda. Getúlio Vargas se matou e nada disso foi provado. Não é mais ou menos o que está acontecendo hoje em dia? Sem provas, a imprensa diz que as pessoas são culpadas, coloca nas manchetes e até veste com roupas de prisioneiro e põe na capa da revista. Você acha isso certo, pai?
– Você, que já teve experiências em lutas políticas, o que acha disso, meu filho?
– Não sei, preciso pensar.
Odeio quando o meu pai me responde com outra pergunta, mas, no dia seguinte, ele retomou essa conversa e me disse uma coisa, que estou pensando nela até agora.
– Você tem razão, meu filho, não está certo o que essa imprensa está fazendo, repetindo o que fez em 1954, com Getúlio Vargas e em 1964, com João Goulart. Quase toda a imprensa foi contra Getúlio, em 54 e apoiou o golpe de 64, uma parte dela, apoiou a própria ditadura. Recentemente até fizeram uma mea culpa envergonhada. Será que pretendem repetir o mesmo papel histórico dessas épocas? O pior é que essa perseguição só é feita a alguns políticos, outros são protegidos, e a imprensa parece estar mancomunada com setores da burocracia do Estado e com esse juiz parcial e arbitrário. E isso está produzindo ódio entre as pessoas. Essa não é uma luta contra a corrupção, meu filho, é, sim, uma luta política, uma luta de classes.
Agora vou falar do livro O fazedor de velhos
O fazedor de velhos, escrito por Rodrigo Lacerda, com ilustrações de Adrianne Gallinari e publicado de editora Cosac Naify conta a história de Pedro, que aos vinte anos cursava faculdade de História, mas não tinha certeza se era isso mesmo que ele queria para a sua vida. É o próprio Pedro quem conta a história, ele é o narrador.
O livro começa com suas lembranças da infância, seus pais o obrigavam – ele e sua irmã mais velha – a lerem livros. “Eu não lembro direito quando meu pai e minha mãe começaram a me enfiar livros garganta abaixo. Mas foi cedo. Lembro das sessões de leitura de poesia a que eu e minha irmã éramos submetidos pela nossa mãe…” No começo ele não gostava, mas depois foi descobrindo alguns autores de sua preferência e as sessões de leitura começaram a ficar mais divertidas.
Tem uma parte muito importante da história, ainda no início, Pedro tinha dezesseis anos e estava de viagem marcada com a irmã para São Paulo, eles moravam no Rio de Janeiro e iam viajar sozinhos. Por ter menos de 18 anos, precisava de uma “Autorização de Viagem para Menores Desacompanhados”, ele já tinha esse documento, mas estava vencido e não pôde embarcar. Quase chorou de desespero, mas segurou o choro na raça e de vergonha, pois um velho barbudo e mal-encarado estava lhe observando.
Voltou pra casa decepcionado e lá teve uma ideia. Mudou de roupa para parecer mais velho, pegou um livro bem grosso, com as obras completas de William Shakespeare, em inglês, e voltou ao aeroporto. O plano deu certo! Conseguiu pegar o cartão de embarque no guichê. Feliz da vida foi até a lanchonete tomar uma coca-cola e lá encontrou novamente o velho barbudo e mal-encarado. O velho puxou conversa: “Foi uma boa ideia. O seu disfarce ficou ótimo. O paletó, a calça, os óculos. Parece mesmo um jovem bem-sucedido, um advogado, ou coisa assim. Mas, na minha opinião, o toque de mestre foi o livro. Foi o livro que te envelheceu.”
É claro que toda essa parte do livro que acabei de contar é contada em detalhes, de um jeito bem gostoso de ler, que prende a atenção da gente. Mas isso é só o começo, esse velho barbudo e mal-encarado será um personagem muito importante dessa história, mas só lendo o livro para descobrir.
Livro também me fez mais velho
Eu disse lá no começo deste post que adoro quando um livro me emociona e eu me reconheço na história. Tem uma hora que o velho diz o seguinte a Pedro: “Quando você pega um livro para ler, sua postura não é a de um cientista. Você não lê primeiro para depois saber se concorda com o que o livro diz ou não. Você já vai para a leitura com a predisposição de aceitar tudo. Você procura sempre o que é comum a você.” E completou: “Isso porque você não se propõe a analisar e criticar o autor. Jamais como um ‘objeto’ de estudo. Você se propõe a gostar dele. E de quem você gosta você aceita tudo, menos deslealdade.”
Eu sou assim, igualzinho! Sempre procuro num livro o que é comum a mim. Se quiser conferir, basta ler os posts aqui do blog, sobre os livros que eu li. Outra coisa, o fazedor de velhos acho que também me influenciou, estou me sentindo mais velho depois de ter lido esse livro.
O autor
Rodrigo Lacerda nasceu no Rio de Janeiro em 1969. Doutor em Teoria Literária, além desse seu livro juvenil O fazedor de velhos, já publicou duas novelas – O Mistério do Leão Rampante (Ateliê Editorial, 1995; vencedor dos prêmios Certas Palavras e Jabuti) e A dinâmica das larvas (Nova Fronteira, 1996) – e um livro de contos – Tripé (Ateliê Editorial, 1999).
Publicou também os romances Vista do Rio (Cosac Naify, 2005; finalista dos prêmios Jabuti, Portugal Telecom e Zaffari & Bourdon), e Outra vida (Alfaguara, 2009; prêmios da Academia Brasileira de Letras e Portugal Telecom). Seu livro mais recente é o romance histórico A república das abelhas (Companhia das Letras, 2013).