Depois de algumas semanas longe daqui, volto pra falar de três livros de Jorge Miguel Marinho, e da elaboração do Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca de São Paulo, que tenho acompanhado e participado. O Plano será finalizado e nos próximos dias vão acontecer plenárias regionais por toda cidade.
Antes, uma conversa com minha mãe
– Você vai abandonar seu blog, Heitor?
Toda vez que fico um tempo sem escrever aqui, minha mãe me faz esta pergunta.
– Não, mãe! É que estava ocupado com trabalhos da escola e um pouco chateado, também.
– Chateado com aquela resposta que não saía?
– É.
– Mas agora já saiu… Você não disse que conseguiram a última autorização?
– Disse.
– Então… Logo você vai poder realizar seu sonho, de que tanto fala.
– Tanto falo… Até parece… Nunca contei nada no blog.
– Por que te proibiram! Mas aqui em casa você não fala de outra coisa.
– Quer saber? O que eu queria, mesmo, era contar tudo no blog, mas me pediram pra esperar “só mais um pouquinho”.
– Espera, meu filho… O mais difícil já passou!
– Não sei por que, na minha vida, tudo é sempre tão difícil!
– Reclama de barriga cheia… Depois, você vai ver que sua espera, valeu a pena.
As mães sempre dizem essas coisas e a minha é meio exagerada.
Um infantil, um Jabuti e uma Cantada Literária
Como prometi no post anterior, hoje vou falar do livro infantil, Um passarinho me contou, de Jorge Miguel Marinho, ilustrado por Flávio Pessoa, mas não vou falar só deste; reli o Lis no peito, pra contar aqui, um juvenil do Jorge Miguel, que já tinha lido um tempo atrás; e li também o Escarcéu dos Corpos, um livro de contos do Jorge, que fez parte de uma coleção antiga, da Editora Brasiliense, chamada “Cantadas Literárias”, este eu peguei emprestado da estante dos meus pais. Vou falar de três livros de Jorge Miguel Marinho, um infantil, um Jabuti (Lis no peito ganhou Jabuti!) e uma Cantada Literária.
Isso é assunto pra criança?
Como contei no post anterior, fui ao lançamento desse infantil do Jorge Miguel, que teve um bate-papo com o autor, com o ilustrador Flávio Pessoa, e outros dois escritores, Edson Gabriel Garcia e Marcelo Donatti, dos quais já falei um pouco, naquele post. O Flávio disse que enquanto criava as ilustrações para o texto do Jorge, comentava com amigos sobre o assunto do livro, e todos ficavam espantados. O livro trata de suicídio e fala de morte! Como escrever um livro infantil com esse tema? Isso é assunto pra criança? Foram as perguntas que fiz a mim mesmo, assistindo ao bate-papo, e fiquei curioso pra ler o livro.
Um passarinho me contou, escrito por Jorge Miguel Marinho, ilustrado por Flávio Pessoa e publicado pela Edições de Janeiro começa assim:
“Esta é uma história triste demais, mas eu tenho que contar. Agora, você precisa ler com bastante cuidado, descobrindo palavra por palavra e, se for o caso e precisar, pode até mudar o final ou alguma coisa da história para ela nunca acontecer… Ah…, queria pedir também para você esperar um pouco só, que eu me apresento já, já… Combinado? Então me escute e preste toda a atenção.”
Esse é o narrador dessa história vivida pelo passarinho Par Dal, que, apesar de ser um pássaro discreto – não se metia na vida alheia e não gostava de ouvir conversas dos outros – por puro acaso, pousou na beirada da janela de dona Berta, uma velha senhora, e escutou tudo o que ela falava à sua amiga íntima, Isaltina, que estava do outro lado da linha do telefone. Elas tinham um compromisso para aquele dia, iam “lá fazer aquela visita para a dona Morte”.
O que acontece depois, eu não vou contar, o próprio narrador pediu para que não contasse: “deixa os outros descobrirem sozinhos esta história e não conte para mais ninguém”. Só posso dizer que gostei muito dessa nova história do Jorge e acho que dá pra falar, sim, desse assunto num livro pra criança. Como disse o Flávio Pessoa, que criou as ilustrações que fazem a gente entrar ainda mais no clima da história: “O texto do Jorge tem um humor leve, mas o tema da morte é muito denso, um contraste que confere tom poético à leitura.”
Um livro que pede perdão
Quando conheci o Jorge Miguel Marinho, entre muitas coisas que ele me disse, uma nunca mais esqueci: O escritor escreve para ser amado! Ele me contou que essa frase é de Mário de Andrade. Adorei, e confesso que saí por aí, repetindo essa explicação. Depois, quando li o Lis no peito, decobri que ele cita essa frase no livro, numa versão mais completa:
“Ninguém escreve para si mesmo a não ser um monstro de orgulho. A gente escreve para ser amado, para atrair, para encantar”.
Esta citação está no começo da história, em um diálogo entre o narrador, que é escritor e escreve esse livro, e o personagem principal, Marco César. Não sei se o Jorge também escreveu esse livro para ser amado, só sei, – e é o que conta essa história – que ele foi escrito, a pedido do personagem principal, que pede perdão por um crime que cometeu.
Lis no peito – Um livro que pede perdão, escrito por Jorge Miguel Marinho e publicado pela Editora Biruta, recebeu diversos prêmios, Jabuti, Orígenes Lessa, White Ravens, e Altamente Recomendável pela FNLIJ. O livro conta a história de Marco César, um rapaz de 17 anos (ou mais), “tão jovem no corpo e quase velho nos acidentes do coração”, que se torna amigo do escritor e a ele conta toda sua história. Marco César havia cometido um crime, se arrependeu, confessou tudo ao seu amigo escritor e implorou para que ele escrevesse sua história.
O começo da amizade entre os dois não foi nada fácil, se viram pela primeira vez num encontro do escritor com os alunos da escola, Marco César não demonstrou nenhum interesse pela conversa do escritor, sentado bem na frente, “rabiscava uma página com um desprezo muito próximo da agressão”. Com o tempo foram se conhecendo, Marco César pôde se abrir com o personagem-escritor e dessa amizade nasceu esse livro.
A escritora Clarice Lispector percorre toda a história do livro, os nomes dos capítulos são frases suas: “Este livro nada tira de ninguém”; “Você me quer como amigo mesmo assim?”; “Tudo estava guardado dentro de mim”; “Nasci de graça”; “É preciso ser maior que a culpa”; etc.; e outra personagem da história, que também se chama Clarice, tem a escritora como sua preferida. Marco César se apaixona por Clarice (a menina), se sente muito atraído por ela, mas adia o primeiro beijo, vive essa espera com alegria e com a certeza de que ele vai acontecer.
Um acidente de percurso leva Marcos César a cometer um crime e esse livro é o seu pedido de perdão. Leiam e depois me contem se o Marco César deve ser perdoado ou condenado. Eu ainda estou em dúvida.
A Cantada de Jorge Miguel
Descobri esse livro de Jorge Miguel Marinho, quando estava escrevendo o post do clube de leitura da Escola Luiz Gatti, sobre o livro As Frangas, de Caio Fernando Abreu. Meu pai, que também leu As Frangas e participou do clube, me falou de outro livro do Caio F., o Morangos Mofados, que fez parte de uma coleção antiga, da Editora Brasiliense, chamada “Cantadas Literárias”, e que devia estar perdido na estante de casa. Procurei, não encontrei o Morangos Mofados, – ele deve ter emprestado pra alguém que não devolveu -, mas encontrei o Escarcéu dos Corpos, do Jorge Miguel, que foi lançado em 1984 e também fez parte dessa coleção. Fiquei curioso pra ler.
Escarcéu dos corpos, o livro de Jorge Miguel Marinho, publicado pela Editora Brasiliense, da coleção “Cantadas Literárias”, traz sete contos do autor: “A mulher azul”, conta a história de Dona Rebeca, que de repente começa a ficar azul e provoca a maior confusão; “Fornada”, é a história de um casal que não para de ter filhos, chegam a ter a cada três meses; “O complexo de Ephedron”, é a história de outro casal em que o marido acha que a mulher está se transformando em homem;
“Forquilhas” é a história de uma velha, com uma doença bem estranha, presa num quarto, refletindo sobre a vida; “A gorda do Carandiru” é a história de Norma, que começa a engordar por uma felicidade, depois busca diversos regimes, mas não para de engordar; “Circunstâncias de uma harmonia” é a história de uma mulher que tenta escrever um conto sobre seu marido, Anselmo, consegue isso e muito mais; e “Alívio”, a história de um velho, que vai morar com a filha e vive aventuras fantásticas com o neto.
Gostei de todos esses contos do Jorge, apesar de não ter entendido direito algumas partes, realismo fantástico, às vezes, é difícil de compreender. Mas, outro dia, ouvi dizer que não é preciso entender pra gostar, dá pra gostar, mesmo assim, não entendendo tudo. A gente pode gostar de como a história é contada, pelo som das palavras… É muito bonito o jeito como o Jorge escreve esses contos, li em voz alta e o texto ficou mais bonito ainda. Gostei mais de dois, do primeiro, “A mulher azul”, e do último, “Alívio”. O primeiro é muito engraçado e o último, triste.
O autor
Jorge Miguel Marinho nasceu no Rio de Janeiro e logo veio morar em São Paulo, onde vive até hoje, é escritor, cursou Letras e fez mestrado em Literatura na USP, professor de literatura brasileira e língua portuguesa, coordenador de oficinas de criação literária, roteirista e ator. Escreveu e publicou livros infantis, juvenis, contos, poesia e ensaio.
Entre outros, é autor de, Um passarinho me contou; Uma história, mais outra e mais outra; Advinha o que tem dentro do ovo; A ideia que se esquecia; O menino e o fantasma do menino; Na curva das emoções; A visitação do amor; A maldição do olhar; Na teia do Morcego; Escarcéu dos corpos; e o premiado Lis no peito – Um livro que pede perdão, que em 2006, ganhou o Jabuti, recebeu o prêmio Orígenes Lessa, o prêmio White Ravens, e o Selo Altamente Recomendável da FNLIJ.
Plenárias regionais discutem o PMLLLB de SP
Como muitos já devem saber, a cidade de São Paulo está elaborando o seu Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca (PMLLLB). Desde 2012, pessoas que atuam nas áreas do livro e da leitura, vêm se reunindo para discutir a necessidade desse plano. Em abril de 2014 foi formado um grupo de trabalho composto por representantes da prefeitura, da câmara e da sociedade civil para elaborar o projeto. Desde então, já foram realizados mais de 30 debates setoriais, envolvendo diversos segmentos do livro e da leitura, em que foram apresentadas diversas propostas.
Na próxima etapa, que começa neste sábado, dia 28 de março, vão acontecer as plenárias regionais, com consultas à comunidade de seis regiões da cidade (Centro, Norte, Sul, Sudeste, Leste e Oeste)
“Esta será mais uma oportunidade de toda a população debater e construir um Plano que reflita o direito ao livro, à leitura e à literatura, que não se restrinja a interesses corporativos e localizados. Essas plenárias regionais e o Encontro Municipal que definirá em abril a redação final do PMLLLB representam as últimas etapas do processo”.
Segue cartaz com o calendário das plenárias regionais. Eu vou à da regional oeste, que acontece no bairro Butantã, que fica na região onde moro. Também quero ir à do centro, que será na Biblioteca Mário de Andrade.