Eloí Bocheco no clube de leitura e mais PMLLLB

Hoje vamos começar outra edição do clube de leitura com os alunos da Escola Municipal Luiz Gatti, de Belo Horizonte, falaremos do livro “Beatriz em Trânsito”, de Eloí Bocheco, também vou publicar uma entrevista coletiva que fizemos com a autora. E, no final do post, vou pedir licença aos meus amigos da Luiz Gatti, para ocupar o espaço do nosso clube e contar algumas novidades do PMLLLB, o Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca de São Paulo, e da nova amiga que fiz do mundo do livro.

O CLUBE DE LEITURA

O clube funciona assim, eu posto a resenha sobre o livro e na sequência, os alunos que leram e trabalharam esse livro, em sala de aula, escrevem seus comentários. Se alguém mais quiser comentar, também pode, mesmo não fazendo parte do clube. Esse nosso clube é formado por 100 alunos do 7º e 8º anos, turmas 7ºG, 7ºH e 8ºJ. Quem organiza o clube na escola é a professora Luciana, de Língua Portuguesa, aqui no blog, somos eu e o meu amigo Lipe, ele sempre me ajuda, lê os livros do clube, depois fazemos uma “roda de conversa” e compartilhamos nossas leituras.

Nossa roda de conversa

Faz tempo que eu não falo do meu amigo Lipe aqui no blog, mas a gente se vê quase todo dia, moramos na mesma rua e estudamos na mesma escola, ontem mesmo ele passou aqui em casa:

– E aí Le, beleza?

– Beleza Lipe! E você? Já leu o livro Beatriz em Trânsito, do clube de leitura?

– Li, achei da hora, só não gostei de uma parte.

– Que parte?

– Poxa… foi sinistro o que aconteceu com o Samuel, achei que ia rolar um lance entre ele e a Beatriz.

– E rolou…

– Mas foi curto!

– As histórias dos livros são assim mesmo, Lipe, nem sempre acontece o que a gente espera.

– Não é só nos livros, Le, na vida real também.

– Pois é…

– Mas eu não me conformo, fico revoltado com essas coisas.

Foi bem legal essa minha conversa com o Lipe, durou a tarde toda, falamos muito mais do livro e descobrimos coisas da história que sozinhos não tínhamos percebido. O Lipe é o meu melhor amigo e adoro conversar com ele!

O livro escolhido

Este é o quarto clube de leitura que fazemos com a Escola Municipal Luiz Gatti, de Belo Horizonte, já é o quarto livro que leio com as turmas da professora Luciana, e compartilhamos nossas leituras aqui no blog. Já lemos A professora encantadora, de Márcio Vassallo, Os herdeiros do Lobo, de Nelson Cruz, e Meu pai é um homem-pássaro, de David Almond, e desta vez o livro é Beatriz em Trânsito, de Eloí Bocheco, neste ano ainda pretendemos fazer mais um clube de leitura, será com As Frangas, de Caio Fernando Abreu.

Quando a professora Luciana me passou a lista dos livros do semestre para eu escolher algum para o clube, vi o da Eloí Bocheco e respondi pra ela: Quero esse! Já tinha lido um livro da Eloí, gostei muito e contei aqui no blog, foi o Olha a Cocada!, ela até deixou comentário no post! Eu disse à professora Luciana que poderia consultar a autora, e fazer uma entrevista coletiva, como fizemos com o Nelson Cruz, a professora gostou da ideia, consultei a Eloí, ela topou e esse clube tem entrevista, também!

As perdas e as conquistas de Beatriz

O livro Beatriz em Trânsito, escrito por Eloí Elisabete Bocheco, com ilustrações de João Lin, e publicado pela editora In Pacto, em 2005, já tem um currículo de sucesso, Conquistou muitos prêmios, o Mário Quintana de 2005; foi selecionado para o Catálogo White Ravens da Biblioteca Internacional da Juventude, Munique, em 2006; selecionado para o Catálogo de Bolonha, Feira Del Libro Per Ragazzi, Italia, em 2006; selecionado para o Acervo Básico da FNLIJ, Brasil, em 2006; selecionado para o Programa Mais Cultura do MINC e Biblioteca Nacional; e também selecionado para o Kit Escolar da Prefeitura de Belo Horizonte, em 2013, com isso chegou aos leitores da Luiz Gatti e ao nosso clube de leitura.

A família de Beatriz vivia mudando, de lugar, de casa, de vizinhos, de escola, de amigos… Ela dizia que até já tinha se “desacostumado do costume” de viver sempre no mesmo lugar, mas não sabia por que mudavam tanto, achava que isso era influência de seu avô. Beatriz morava com a avó e os tios, sua mãe morreu, se matou, quando ela ainda tinha um pouco mais de um ano, e seu pai sumiu, suas lembranças da mãe eram “mais inventadas”, para sua avó, as lembranças eram “de verdade”, uma vez por ano, viajavam para levar flores para a mãe no cemitério.

Beatriz tinha alguns medos, o maior deles era o de ficar sozinha, “se morrerem todos aqui em casa e só sobrar eu”, ela também tinha uns sonhos esquisitos, desses que a gente tem quando dorme, sonhava com um boi sem cabeça, com igreja que corria atrás dela – esse ela contou para o seu tio Pedro, que comentou: “Isso é sonho ou literatura?”. Outra vez ela sonhou que era duas Beatrizes, uma tinha mãe e a outra não tinha.

Beatriz gostava de pensar nas palavras, mas, às vezes, algumas a perseguiam. Em casa, era muito querida, na escola adorava a professora Guiomar, que tinha um armário bege, cheio de livros, que os alunos liam com caras de contentes e até podiam levar pra casa. Foi nessa escola que Beatriz conheceu Samuel, ficaram muito amigos, mas logo ele foi passar uns meses em outra cidade, faria uma cirurgia, nesse tempo eles se comunicaram por e-mail, conversaram sobre a vida e sobre o mais gostavam, os livros.

Entrevista Coletiva

“Meu desejo era escrever uma história em que os personagens fossem leitores, apaixonados por literatura”.

Entrevistamos a Eloí Bocheco!

Os alunos da Escola Muncipal Luiz Gatti fizeram algumas perguntas, eu e o Lipe acrescentamos outra, enviamos para a autora e ela respondeu

Clube de Leitura – Qual foi sua inspiração para escrever esse livro, ele foi baseado em uma história real?

Eloí Bocheco – Meu desejo era escrever uma história em que os personagens fossem leitores, apaixonados por literatura.  Queria construir um cenário fictício em que o livro tivesse um lugar privilegiado, fizesse parte do imaginário dos personagens, como algo indispensável, misturado à vida, à rotina. Depois desta primeira ideia, apareceu uma menina, não lembro como ela chegou. Mas vi que se chamava Beatriz e mudava o tempo todo de lugar. Daí em diante, a narrativa foi puxando os outros personagens e tudo o que aconteceu com eles.  Embora o perfil de alguns personagens seja inspirado em vivências reais, a história de Beatriz é uma história de ficção.

CdL – Por que você escolheu o nome “Beatriz” para a personagem principal?

EB – Escolhi por achar este nome muito lindo. Uma coisa curiosa é que, muitos anos depois de ter escrito o livro, fiquei sabendo que Beatriz significa “viajante”, “peregrino”, segundo os estudiosos do significado dos nomes de pessoas. Digo que é curioso, porque a Beatriz vivia (…) “mudando de casa, de vizinhos, de escola, de amigos, de vista pro pôr-de-sol, de ares, de brincares…”

CdL – Você se inspirou em alguém para criar o Samuel e a história dele?

EB – Tive um aluno cadeirante que era um grande leitor, como o Samuel. Era um menino generoso, que ajudava os colegas nas tarefas da escola e era muito admirado por sua inteligência e sensibilidade.  O Samuel tem um quê desse menino.

CdL – Por que o Samuel morreu nessa história? Foram tantas aventuras vividas por Samuel e Beatriz, quase um romance. Por que, então, Samuel morreu?

EB – Olhem, eu não queria que o Samuel partisse. Me doeu muito essa partida. Como na vida, nas histórias, também há caminhos sem volta. A narrativa foi indo para um atalho que levou Samuel embora. A morte é uma realidade inevitável, contra a qual nada podemos fazer. Perder um amigo é uma grande dor.  Foi difícil para Beatriz enfrentar essa perda. Mas, ela enfrentou com a ajuda da arte e dos amigos que ficaram. As lembranças e a saudade ficam para sempre. O tempo faz a sua parte e, pouco a pouco, cicatriza as feridas para a vida prosseguir, apesar das perdas. Os e-mails que ela trocou com Samuel gravaram a memória de uma grande e inesquecível amizade.

CdL – Por que você tratou de temas tão graves como abuso, suicídio, bullying, violência doméstica e violência familiar?

EB – Porque os temas graves devem ser levantados, discutidos, comentados,  para que se reflita sobre eles,  para que se busque prevenir, antes que aconteçam, ou para enfrentá-los sem medo ou preconceitos.

CdL – Por que Beatriz sofre tanto e tem tantos problemas nessa história?

EB – A história de Beatriz encena, recria através da linguagem, a vida. E a vida tem perdas, sofrimentos, perplexidades, dúvidas, conflitos. Apesar da perda trágica da mãe, da ausência do pai e da perda do amigo, ela tem uma família composta pela avó e tios, que são amorosos, acolhedores, e lhe transmitem legados valiosos, como o amor aos livros e às artes, além de exemplos de  ética, de  sensibilidade para com os problemas do outro. Sem contar a professora Guiomar, com quem Bia tem longas e bem-humoradas conversas sobre a vida e sobre os livros do armário bege. A vida mistura alegrias e tristezas, como diz a própria Beatriz: “Amanhã é uma coisa que mistura o que aconteceu com o que vai acontecendo na vida da gente. Umas coisas se repetem nessa mistura, que nem os adeuses, outras nunca mais acontecem. Das coisas que os amanhãs misturam, para mim, a que mais dói é a saudade e a que mais alegra é a amizade”. (Pag. 85)

CdL – Como você foi tendo ideias para escrever Beatriz em Trânsito?

EB – Primeiro surgiu a Beatriz, que era uma menina sempre “em trânsito”, visto que seus tios mudavam o tempo todo de lugar. Daí em diante, uma ideia foi puxando a outra, um personagem foi levando ao outro, e a história foi surgindo e dando voltas, e me levando junto. Acho que as histórias brotam do fundo da memória, das profundezas, dos abismos,  das coisas gravadas na alma, de sentimentos que querem tomar forma através das palavras.

CdL – Foi difícil criar esse livro?

EB – Diria que foi trabalhoso. Levei muitos meses escrevendo e reescrevendo cada capítulo do livro. Procurei reler todos os livros que são citados pelo Samuel e por Beatriz para ter as histórias bem vivas na memória (Reinações de Narizinho, Alice no país das Maravilhas, A Menina que o vento roubou, A Menina e o Vento, O Jardim Secreto, etc.) Levei muitas semanas para compor o diário de João oleiro. Esta parte foi escrita com muita lentidão e refeita numerosas vezes. Também revisitei o folclore para inventar as despedidas de Bia e Samuel nos e-mails e  para compor a mitologia da lagoa verde esmeralda. Foi um livro demorado, mas valeu a pena, pois, desde que foi editado, em 2005, segue encontrando leitores sensíveis como vocês.

CdL – Você sempre gostou de ler livros literários?

EB – Desde que li meu primeiro livro literário, que foi Clarissa, de Érico Veríssimo, nunca mais parei de ler e de procurar os livros literários na biblioteca ou onde quer que pudessem ser encontrados. Na juventude, tive uma mestra de leitura maravilhosa, que lia livros aos capítulos para a turma e formou várias gerações de leitores. Devo a essa mestra a paixão pela literatura e pela biblioteca. Fiz, tempos atrás, uma homenagem a ela, através de uma crônica chamada “Doses de Sonho”, porque era assim mesmo que ela nos oferecia a literatura, como doses de sonho para viver. A crônica pode ser lida em meu blog Sala de Ferramentas.  Essa homenagem foi premiada pela FNLIJ, em 2013, com o Prêmio Leia Comigo! e eu fiquei muito feliz, pois pude homenagear duplamente esta querida mestra. http://wwwsaladeferramentas.blogspot.com.br/2011/05/doses-de-sonho-premio-leia-comigo-da.html.

CdL – Por que decidiu trabalhar com literatura? Você pretendia ser escritora desde pequena?

EB – Meu sonho, desde os sete anos, era ser professora. Realizei esse sonho e lecionei até me aposentar do magistério. Comecei a escrever no final da carreira de professora, durante um trabalho de alfabetização que eu fazia, na biblioteca, em 1998, com crianças da comunidade. Escrevi alguns poemas para auxiliá-los ludicamente nas dificuldades que apresentavam. Foi assim que surgiu meu primeiro livro Uni…Duni…Téia (esgotado).  Alguns poemas desse livro foram resgatados recentemente no livro Tá pronto, seu Lobo? E outros poemas, (Formato, 2014). (http://cantoriando.blogspot.com.br/)

CdL – Ser professora ajudou na sua carreira de escritora?

EB – Ajudou.  Antes de escrever literatura,  fiz a  experiência de compartilhar a literatura com crianças e jovens, e essa foi uma experiência marcante. O magistério me deu uma memória de escola muito rica, muito forte. Ao lecionar, lidamos com a palavra o tempo todo. Temos que procurar a palavra mais clara, mais objetiva, mais limpa para nos comunicar com as crianças, para nos fazer entender.  Esse exercício me deu certo traquejo para lidar, também, com a palavra escrita. Quando escrevo penso que aquele texto poderá ser lido para uma classe em voz alta e capricho para que fique o máximo possível limpo e soe bem aos ouvidos. Ao ler o livro Uma Clareira no bosque – Contar histórias na escola ( Papirus, 2014), da professora Gilka Girardelo, encontrei uma passagem sobre meu livro Contra feitiço, feitiço e meio, onde a autora diz assim: (…) “descobriremos que a autora nos ajuda nesse trabalho, como se tivesse escrito o livro pensando na professora que vai lê-lo em voz alta para a turma”. Ao escrever procuro deixar o texto em estado de ser lido em voz alta por uma professora em classe. A professora que fui sempre está olhando por cima do ombro quando escrevo.

Breve biografia da autora

Eloí Bocheco mora na cidade de Bombinhas, em Santa Catarina, escritora, formada em Letras pela Universidade de Passo Fundo-RS e pós-graduada em Alfabetização e Metodologias de Leitura. Atuou como alfabetizadora, professora de Língua Portuguesa e Literatura, trabalhou como animadora da biblioteca escolar, foi coordenadora de ensino de língua e literatura, dentre outras atividades ligadas ao ensino. Iniciou na literatura escrevendo crônicas para o jornal A Notícia, de Joinville (SC), e seu primeiro infantil foi o “Uni… Duni… Téia”, um livro de poemas, que está esgotado. Depois deste já publicou diversos livros e ganhou muitos prêmios. Se quiser saber mais sobre a autora, visite seus sites: http://wwwsaladeferramentas.blogspot.com.br/ http://wwwprosaseversos.blogspot.com.br/

Extra… Extra! Fotos das turmas da Escola Municipal Luiz Gatti no Clube de Leitura

Lendo o blog e o post do livro Beatriz em Trânsito na sala de informática

PMLLLB – DEBATES REGIONAIS

Na semana passada o pessoal da Sintaxe me ligou:

– E aí, Heitor, tudo bem?

– Tudo.

– Fomos convidados a participar de um debate do PMLLLB, é um debate regional da zona leste, será amanhã, no bairro de São Mateus, na biblioteca do CEU São Rafael. Quer ir comigo?

– Claro que eu quero… Quem vai?

– A Cristiane Rogerio, ela que convidou a gente, acho que você ainda não a conhece, a Cristiane é jornalista, foi editora de educação e cultura da revista e do site Crescer, da Editora Globo, tem um livro infantil publicado pela editora Cortez, o Carmela Caramelo, e agora promove projetos de leitura, tem um site bem bacana que se chama “Esconderijos do Tempo” e trabalha  no projeto “Quem lê sabe por quê”, da prefeitura de São Paulo, é tutora em três CEUs.

– Nossa! Quanta coisa legal ela faz, quero conhecer essa Cristiane.

No dia seguinte fomos a esse debate. Como já contei aqui no blog, até o mês de setembro, aconteceram os debates setoriais, e em outubro, começaram os debates regionais do PMLLLB. Nesses encontros são discutidas as propostas que serão encaminhadas ao GT, o grupo de trabalho que vai elaborar o Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca da cidade de São Paulo. O Plano será construído de forma democrática, com a participação da população interessada.

O debate foi muito bom, adorei conhecer a Cristiane Rogerio, depois quero ler o livro dela e saber mais de todos os trabalhos que ela faz. Além da Cristiane, também estavam no encontro a Socorro, que é a gestora desse CEU, a Eliegi, a Josi, e a Priscila, que trabalham na biblioteca, o Abner, que frequenta essa biblioteca desde criança e hoje já está no ensino médio, e o Germano Gonçalves, que mora na região e é escritor. Ele leu pra gente um poema do livro que acabou de publicar, adorei o poema, e o livro tem um nome bem bonito, e sugestivo: O Ex-excluído. Discutimos diversas propostas, e a que eu mais gostei foi a do Germano: Que as bibliotecas públicas dos bairros da periferia tenham em seu acervo livros de autores da periferia. No final, a Socorro me levou pra conhecer o CEU. Adorei!