Outro dia fui visitar o pessoal da Sintaxe, eles estavam escrevendo um artigo para uma revista, gosto muito de ir lá, e sempre aprendo alguma coisa. Para quem não sabe, a Sintaxe é a assessoria de imprensa que criou e me deu de presente este blog, me apresentou a um monte de escritores, e hoje, são meus amigos. O artigo que escreviam era sobre o escritor Manuel Antônio de Almeida, para a revista da ANL, Associação Nacional de Livrarias. Ainda não conhecia esse escritor e eles me falaram um pouco dele, disseram que ele escreveu para o teatro, fez poesia, mas seu único romance é o Memórias de um sargento de milícias, sua grande obra.
Eles me disseram, também, que esse romance foi publicado, inicialmente, como folhetim, que era tipo umas crônicas que saiam nos jornais de antigamente. As Memórias de um sargento de milícias saíram em forma de capítulos, entre os dias 27 de julho de 1852 e 31 de julho de 1853, no folhetim “Pacotilha”, do jornal do Rio de Janeiro, Correio Mercantil, nesses folhetins não apareceu o nome do autor. Depois, foi publicado em livro, em dois volumes, o primeiro, no final de 1854 e o segundo, no começo de 1855, nesses o autor aparece como “Um brasileiro”. Eles me contaram que a “autoria desse romance só foi atribuída a Manuel Antônio de Almeida, numa edição de 1863, publicada depois de sua morte”.
– Heitor, foi com este livro que aprendi a gostar de ler – meu amigo levantou e balançou um exemplar na minha frente – Nos meus tempos de escola a gente só lia os clássicos, com Memórias de um sargento de milícias descobri que havia alegria na literatura e na leitura dos clássicos.
– Que legal!
– Você vai ter que ler esse livro quando chegar ao ensino médio, ele sempre está na lista do vestibular.
– Vou ter que esperar todo esse tempo… Queria ler agora!
– Tudo bem, eu te empresto… O texto deste é da primeira edição, tem muitas palavras que hoje nem se usam mais, mas tem notas no final do livro, explicando essas palavras. Vai te dar trabalho, mas acho que você vai gostar. O Leonardo, o personagem principal desta história, é uma figura!
As aventuras de um traquinas
A edição que li do livro Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, foi publicada pela Ateliê Editorial, tem apresentação e notas de Mamede Mustafa Jarouche, especialista no autor e na obra; ilustrações de Marcelo Cipis e imagens de edições da época. O pessoal da Sintaxe tinha razão, deu bastante trabalho ler esse livro, mas foi muito bom, adorei! Além de a história ser bem divertida – o Leonardo é uma figura, mesmo! – aprendi um monte de palavras diferentes. Toda hora eu tinha que consultar as notas, ao final do livro, para entender as palavras que eu não conhecia, li o livro com dois marcadores de página.
Assim era Leonardo, personagem central da história (seu pai também se chamava Leonardo, o Pataca):
“Logo que pôde andar e falar tornou-se um flagelo; quebrava e rasgava tudo que lhe vinha à mão. Tinha uma paixão decidida pelo chapéu armado do Leonardo; se este o deixava por esquecimento em algum lugar ao seu alcance, tomava-o imediatamente, espanava com ele todos os móveis, punha-lhe dentro tudo que encontrava, esfregava-o em uma parede, e acabava por varrer com ele a casa; até que Maria, exasperada, pelo que aquilo lhe havia custar aos ouvidos, e talvez às costas, arrancava-lhe das mãos a vítima infeliz. Era, além de traquinas, guloso; quando não traquinava comia. A Maria não lhe perdoava, trazia-lhe bem maltratada uma região do corpo; porém ele não se emendava, que era também teimoso, e as travessuras recomeçavam mal acabava a dor das palmadas.”
Leonardo, o pai, e Maria, a mãe, se separaram, e o menino Leonardo foi viver com o padrinho, o dono da barbearia.
Cresceu e continuou a aprontar, deu muito trabalho ao Major Vidigal, responsável por manter a lei e a ordem na cidade. Namorou duas moças, Vidinha e Luisinha. Perdeu Luisinha para José Manuel, que logo depois morreu, e Leonardo acabou se casando com a viúva, sua antiga namorada.
Do primeiro namoro de Leonardo e Luisinha tem um capítulo que eu gostei muito e se chama “Declaração”. Ele declara seu amor a ela, não foi fácil fazer isso, e o capítulo conta todos os detalhes dessa luta. Sim, foi uma luta, como está no final do capítulo: “Quando ela desapareceu, soltou o rapaz um suspiro de desabafo e assentou-se, pois se achava tão fatigado como se tivesse acabado de lutar braço a braço com um gigante.”
Manuel Antônio de Almeida nasceu no Rio de Janeiro em 1830 e morreu em 1861, filho de portugueses, enquanto fazia faculdade de Medicina, com dificuldades financeiras, foi trabalhar como jornalista e escritor. Formou-se em Medicina em 1855, mas nunca exerceu a profissão. Escreveu a peça de teatro “Dois Amores”, fez poesia e, além de Memórias de um sargento de milícias, publicou a tese de doutoramento em Medicina e um libreto de ópera. Foi Administrador da Tipografia Nacional, onde conheceu Machado de Assis, que trabalhava como aprendiz de tipógrafo.
Também foi 2º Oficial da Secretaria da Fazenda, e em 1861, quando se preparava para entrar em campanha como candidato à Assembléia Provincial do Rio de Janeiro, morreu no naufrágio do navio Hermes, próximo a Macaé (RJ). Não se interessava pelo sucesso nem pela moda literária, escreveu seu romance sem compromissos e apresentou, em tom direto, bem humorado e com tendências realistas, a sociedade de então, principalmente a gente simples que povoava o Rio de Janeiro. Memórias de um sargento de milícias fez sucesso pelo humor imparcial e amoral, o estilo coloquial e, principalmente, por seu grande talento como narrador. (Fonte: Página 3 Pedagogia & Comunicação)