Li um conto fantástico de Murilo Rubião

Hoje vou falar de um conto bem bacana que eu li nesta semana, mas antes quero contar como foi a audiência pública na Câmara, em defesa da biblioteca e do quarteirão da cultura do meu bairro. Na semana passada eu fui à Câmara Municipal, meu pai me levou! A sala estava cheia e vi algumas pessoas que também participaram da passeata, que eu contei no post anterior. Muita gente falou, eu prestei atenção e anotei algumas coisas para contar aqui no blog.

Um promotor está encaminhando um inquérito civil – eu acho que é esse o nome – para entrar com uma ação judicial, no caso do projeto de desapropriação ser encaminhado para votação dos vereadores. Ele vai mostrar que o quarteirão é um bem público, que deve ser preservado.

Uma arquiteta está preparando o projeto de tombamento do espaço. Esse projeto quer provar que o quarteirão é patrimônio histórico e cultural. Se o processo de tombamento for iniciado, ninguém pode mexer no quarteirão até que o projeto seja avaliado.

A organização do movimento está preparando outras manifestações e conversas com os vereadores e também está passando um abaixo-assinado. Sai bastante animado de lá. Tem muita gente lutando pela minha biblioteca. Meu pai me falou que essa é a minha primeira luta política e eu estou gostando muito dela!

Mas a minha leitura continua e nesta semana li o conto O ex-mágico da taberna Minhota, do escritor mineiro Murilo Rubião, em um livro publicado pela Editora DCL e ilustrado por Ana Raquel. Esse conto foi publicado pela primeira vez no livro o Ex-mágico, em 1947. Eu comentei com a Maria Viana, que editou esse livro da DCL, que eu ia escrever sobre o Murilo Rubião no blog. Conheci a Maria na Bienal e já falei dela aqui (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=308). Conversei com ela pelo telefone e depois mandei um e-mail. Ela respondeu o meu e-mail:

“Oi, Heitor. Fiquei muito contente ao saber que você leu o Ex-mágico da Taberna Minhota. O Murilo Rubião reescrevia muito suas histórias antes de publicá-las em livros. Entre 1939-1944, ele se correspondeu com Mário de Andrade, para quem enviava suas histórias e compartilhava suas dificuldades de escrever. Em uma visita a um sebo em Belo Horizonte, encontrei um livro organizado pelo professor Marcos Antonio de Moraes, intitulado Mário e o Pirotécnico Aprendiz. Seguem trechos de duas dessas cartas. Espero que você leia outras histórias escritas pelo Murilo Rubião. Quando eu tinha a sua idade, li “Teleco, o coelhinho” e gostei muito.

Trecho de carta endereçada a Mário de Andrade em que o contista mineiro escreve sobre seu processo criativo

Belo Horizonte, 23 jul. 1943

Mário de Andrade

(…) Ainda não consegui, após cinco anos de uma luta feroz com a literatura de ficção, realizar um conto definitivo. (…) Infelizmente, escrever é para mim a pior das torturas. Uma simples carta, como esta, me custa sangue, suor e um sacrifício imenso. Arranco, de dentro de mim as palavras a poder de força e alicates. Por outro lado, a minha imaginação é fácil, estranhamente fácil. Construo meus “casos” em poucos segundos. E levo meses para transformá-los em obras literárias. Daí meus defeitos. Achando facilidade em inventar e dificuldade em escrever, cuido quase exclusivamente da última. Mas, agora, sinto que o meu instrumento está melhorando e que já posso cuidar melhor da “invenção”.

Trecho da resposta de Mário de Andrade para Murilo Rubião

São Paulo, 5 abr. 1944

Murilo Rubião,

(…) Mas afinal das contas, Murilo Rubião, não será isso mesmo, o sofrimento de artista como arte, a pedra de toque provando a existência do artista em você?… Não dá a medida do valor, eu sei, isso depende até de elementos que independem do próprio artista infelizmente – mas o sofrimento prova a existência, a legitimidade do artista. Não creio possível o artista sem dor, a arte sem dor. Essa dor de fazer, essa dúvida, essa insatisfação, essa luta pelo melhor, essa inquietação pelo ainda melhor que pode surgir já tarde, essa angústia da eterna pergunta eternamente sem resposta: “estará bom?”

Adorei o e-mail da Maria, os trechos das cartas e a contribuição que ela deu para o meu blog! Vou ler outros contos do Murilo Rubião.

Descobri Murilo Rubião pesquisando sobre literatura fantástica. Ele é considerado precursor e um dos principais representantes deste gênero no Brasil. Eu já falei aqui de uns livros de literatura fantástica que eu li. Foram dois escritores brasileiros e um inglês e estão no post “Li três romances fantásticos”  (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=579). As histórias contadas na literatura de ficção são sempre inventadas, mas poderiam ser de verdade. Por exemplo, as coisas que acontecem na cidade de Itaguaí, no livro O Alienista, do Machado de Assis (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=674),  são exageradas, mas poderiam ser verdadeiras. Não poderiam? Agora, um mágico tirar do bolso o dono de um restaurante!? E foi isso que fez o ex-mágico da taberna Minhota do Murilo Rubião. E ele nem se espantou. O dono do restaurante, sim, assustado perguntou como o mágico tinha feito aquilo e em seguida lhe deu um emprego: a partir daquele dia ele passou a divertir, com as suas mágicas, os frequentadores da casa.

Mas o mágico não durou muito por lá e foi logo demitido. Ele só dava prejuízo ao dono da casa, pois tirava do paletó almoços gratuitos para os espectadores. De lá ele foi trabalhar no Circo-Parque Andaluz, suas apresentações empolgaram as multidões e deram muito lucro ao dono da companhia.  No circo ele tirava do chapéu coelhos, cobras, lagartos… e no último número fazia aparecer entre os dedos um jacaré, apertava o animal pelas pontas, o transformava numa sanfona e encerrava o espetáculo tocando o Hino Nacional da Cochinchina. Com tudo isso, o mágico ficou muito famoso, mas mesmo assim, ele, que já era uma pessoa triste, com o sucesso, ficou pior, sua vida se tornou insuportável e é o que ele conta nesse conto.

Murilo Rubião nasceu em Carmo de Minas em 1916. Formou-se em Direito em 1942, foi jornalista e trabalhou na Folha de Minas. Foi chefe de Gabinete do governador Juscelino Kubitschek e adido na embaixada do Brasil na Espanha.  Criou e dirigiu o Suplemento Literário de Minas Gerais de 1966 a 1969. Publicou os livros O ex-mágico, A estrela vermelha, Os dragões e outros contos, O pirotécnico Zacarias, O convidado, A casa do girassol vermelho e O homem do boné cinzento e outras histórias. Morreu em Belo Horizonte em 1991.

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  1. Caro Heitor:

    Murilo Rubião revela uma porção coisas estranhas escondidas nas dobras de realidade. Ele nos diz que não devemos confiar demais na mormalidade das coisas: um dia a gente abre a porta da rua e descobre que nem ela, a porta, nem a outra, a rua, são de verdade.

    Amplexos do JeosaFÁ procê.

  2. oi Heitor
    estou conseguindo acompanhar, seu blog. vc sabe eu gosto muuuuuito dele. Da vontade de ler todos os livros que vc le, mas não dá, né.
    Eu falei pra minha professora ela tb le seu blog mas eu procurei ela não deixou comentario. Ela quer que eu coloque meu nome, mas eu não posso, assim tá bom. Senão os meninos daqui vão me zoa.
    É a gente descobre muitas coisas nas dobras da realidade como disse seu amigo, não sei se entendi, mas gostei do som e da imagem, existem coisas que são, mesmo quando achamos que não ou nem vimos. Minha vida é muito dificil aqui, ler me ajuda muito a pensar outras coisas…..
    Acabou meu tempo. FUI

  3. Oi Heitor,
    Gostei muito de saber sobre o seu interesse pelas histórias do Murilo Rubião, mas quero mesmo é deixar um recado para o menino X que escreveu a mensagem acima. Apesar de não gostar muito de escrever mensagens em blogs e afins. Quando eu era pré-adolescente, alguns colegas diziam que eu parecia um dicionário ambulante ou que eu filosofava até nas aulas de Educação física, mas eu não me importava com essas brincadeiras, pois gostava muito de ler. Lia quando a vida estava difícil, lia quando estava feliz, lia quando queria saber mais sobre alguma coisa, lia quando o dia estava ensolarado, lia quando a chuva lá fora molhava a calçada. Quero dizer, eu lia os livros para entender mais da vida e lia a vida para compreender as histórias contadas nos livros. Como não gosto de escrever em blogs, entendo seu desejo de se manter anônimo, mas continue lendo as histórias dos livros elas, às vezes, nos ajudam a entender as histórias da vida. Sim, alguns colegas daquela época gostavam muito de ouvir as histórias que eu lia e contá-las me fazia muito bem… Experimete! Acabou meu tempo, fui rsss

  4. Oi, Maria. Que legal! Você colocou um comentário no meu blog! Obrigado pelas cartas… Com a sua ajuda este post ficou bem mais bacana!

  5. Oi, Mariana. Obrigado! Eu também vi o seu blog. Você escreve bem, também. Você inventa histórias!!! Estou lendo e treinando para um dia fazer isso, também. Vou visitar sempre o seu blog!

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