Li “O sol na cabeça” e assisti a um bate-papo com o autor, Geovani Martins

Depois de meses longe daqui, hoje volto pra falar de um livro que acabei de ler e gostei muito. Meu pai disse que eu nem deveria escrever este texto de abertura, e justificar minha ausência, falou que eu estou parecendo o avesso de um antigo cantor, que vivia anunciando sua despedida: “Ao contrário dele, Heitor, você vive anunciando a sua volta!” Não vou justificar nada, só quero dizer que está muito difícil falar de livros com tudo que tem acontecido por aí, ódio, perseguição, violência, e ainda ter que aguentar zoeira de pai.

Mas, apesar de tudo, consegui me animar, falei com a professora Luciana, de Belo Horizonte, e com o professor Carlos, de São José dos Campos e, neste ano, vamos retomar nossos clubes de leitura. No mês que vem também vou conversar com o pessoal da Biblioteca de São Paulo, já marcamos uma reunião, e quem sabe, voltaremos com o clube de leitura para jovens no segundo semestre. São muitos planos, eu tinha que voltar e falar dos livros que tenho lido. Então vamos agora com “O sol na cabeça”, de Geovani Martins.

A voz do novo realismo

Acabei de ler “O sol na cabeça”, li numa sentada, são treze contos do escritor carioca, Geovani Martins, histórias de crianças e adolescentes, mas, um aviso, não é um livro infantojuvenil. A primeira vez que ouvi falar desse escritor foi em um artigo da Fernanda Torres, na Folha de S. Paulo, meu pai leu a matéria e me mostrou, lá ela diz que ele é “um milagre literário saído da violenta Rocinha”. O Geovani nasceu em Bangu, bairro da zona oeste do Rio, morou na Rocinha e hoje vive no Vidigal, favelas da zona sul carioca.

Depois disso, soube que um conto dele tinha sido publicado na revista Piauí, fui atrás da revista e li o “Rolézim”, que conta a história de uma turma de adolescentes que resolve ir à praia, num dia quente do verão carioca de 2015, quando a polícia perseguia os meninos da favela, que queriam “ficar tranquilão, só palmeando as novinha, dando uns mergulho pra refrescar a carcaça”. Tem muitas palavras desse conto, que eu não sei o que significam, mas dá pra imaginar. Fiquei a fim de ler mais, dias depois saiu matéria grande no jornal, com entrevista e anúncio do lançamento de seu livro. Ele viria à São Paulo, lançar o livro e participar de um bate-papo com o Antonio Prata. Eu tinha que ir… E fui!

No bate-papo, Geovani disse que aprendeu a ler com sua avó, Aparecida, ela lhe contava histórias em quadrinhos, ele decorava, saía pra rua com a revista e fingia para os amigos que estava lendo. Foi assim que começou a pegar gosto pela leitura e passou a pedir livros de presente. Lia sempre e muito, no começo os best-sellers, depois foi ler Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos… Com o Graciliano aprendeu que escrever é um trabalho com diversas etapas. Hoje, Geovani primeiro pensa na história, faz algumas anotações, depois escreve o texto à mão, bate na máquina (sim, na máquina de datilografia! – ele ganhou uma quando seu computador quebrou e a mantém até hoje), e só no final passa para o computador.

Filho de uma cozinheira e um jogador de futebol amador, ele trabalhou desde pequeno, distribuiu papéis, carregou placas de propaganda com uma bicicleta pela orla de Copacabana, entregou comidas, foi garçom em casas de festa e em barracas de praia, e abandonou a escola no nono ano. Até que se inscreveu em uma oficina literária com o poeta Carlito Azevedo, na Biblioteca Parque da Rocinha, em 2014, e começou a escrever para a revista literária “Setor X”, que era produzida por essa oficina. No ano seguinte, em 2015, participou de oficinas na Flupp (Festa Literária das Periferias), onde conheceu alguns escritores, e foi à Flip (Festa Literária de Paraty), apresentar a “Setor X”.

Na Flip, muita gente lhe perguntou se ele tinha algum texto já pronto, contos, romance, e ele não tinha nada, achou que havia perdido a grande oportunidade de sua vida. Chegou ao Rio, pediu para voltar a morar com a mãe e passou a trabalhar, de seis a oito horas por dia, todo dia, escrevendo. Foi assim que saíram os contos desse livro. E o final feliz aconteceu, mesmo, em 2017, ele foi novamente à Flip, o Antonio Prata que já conhecia alguns de seus textos, o indicou à Companhia da Letras, que o contratou, e ainda vendeu os direitos do livro, na Feira de Frankfurt, para diversas editoras estrangeiras.

No final do bate-papo o Antonio Prata perguntou ao Geovani Martins o que estava lendo no momento. Ele respondeu que apesar dos dias corridos, com os lançamentos do livro, relia “Memorial de Aires”, de Machado de Assis, e lembrou uma fala de seu amigo Carlito Azevedo, que diz que quando não sabe o que ler, lê Shakespeare.  “Eu leio Machado, Machado é meu Shakespeare”, ele disse.

“Rolézim” e outros contos

Quando fui ler o livro, pensei que todos os contos fossem como “Rolézim”, na linguagem dos meninos do morro, mas não são, e a quarta capa já me preparou para a leitura. Lá o João Moreira Salles diz que o “Geovani pula da oralidade mais rasgada para o português canônico como quem respira”, outro texto diz que ele é a “voz do novo realismo”, e o Chico Buarque, então, contou que ficou “chapado” ao ler o livro. Confesso que também fiquei, gostei muito de “O sol na cabeça”! O Geovani disse que agora está escrevendo um romance. Vou esperar, e quero ler também!

Gostei de todos os contos, alguns mais que os outros, e adorei o jeito como ele termina as histórias, deixa uma sensação de que ela não acaba no final de cada conto, mas continua, em algum outro lugar da vida de seus personagens. Como no “Caso da borboleta”, por exemplo, que fala da infância e conta a história de Breno, um menino de nove anos, que chega em casa, com fome, e sua “avó cochilava de frente para a novela das sete, justamente aquela durante a qual ela mais gostava de cochilar”. Tem também o “Primeiro dia” que conta a história de André e do seu primeiro dia de aula na escola do sexto ano.

“A viagem”, que fala de uma relação amorosa entre o narrador e Nanda, e de suas descobertas na primeira viagem que fizeram juntos, foram ao Arraial do Cabo. “Estação Padre Miguel”, um grupo de amigos conversando na linha do trem, são abordados por dois homens numa moto, e vivem momentos de terror, com ameaça de morte. “O cego” que conta como fazia para viver o seu Matias, que “nasceu cego, nunca viu o mar, armas ou mulheres de biquíni”.

Mas o que eu mais gostei mesmo foi de “O mistério da vila”, que conta a história de “dona Iara, uma das senhoras mais antigas da rua, que já vê a terceira geração de sua família crescer no pedaço de terra que ajudou a desbravar”. Dona Iara fazia macumba numa vila onde crescia o número de igrejas evangélicas, as crianças ficavam apavoradas com o que ouviam da vizinhança. Para contar essa história simples, Geovani constrói uma narrativa em que se destacam os sentimentos de amizade e lealdade entre as crianças e, no meio de muita contradição, a grande admiração e respeito que todos tinham por dona Iara.

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  1. Que maravilha de relato Heitor. Por conta dele, vou ler o livro hoje é encontrar o Geovani Martins.
    Feliz que você esteja de volta nos apresentando o que eata lendo.
    Conversemos sobre oa livros, assim como falam de nivelas televianas.

  2. Que bom, Bel, que você gostou da minha volta e do meu relato! Fico feliz! Quer saber, vou também a esse outro encontro com o Geovani Martins, tenho umas perguntas pra fazer pra ele, que não consegui fazer no primeiro. Bjs!

  3. Heitor… quando escrevi não sabia onde estavam meus óculos. Você deve ter encontrado vários erros de digitação. Desculpe-me! Ainda bem que você além de ser um garoto estudioso, lê com o coração.

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