Li “O Anibaleitor”, do escritor português Rui Zink

Gosto de livrarias pequenas, nelas encontro livros que não têm nas grandes, sempre vou à do meu amigo Ronaldo, a Livraria do Espaço, no Espaço Itaú de Cinema da rua Augusta, também frequento a Tapera Taperá, na Galeria Metrópole e a Novesete, na rua França Pinto, na Vila Mariana, especializada em livros infantojuvenis. Outro dia conheci a Realejo, na cidade de Santos, e descobri um livro muito bom, O Anibaleitor, do escritor português Rui Zink, publicado pela própria Realejo, que também é editora. E hoje vou falar desse livro.

Um devorador de humanos e livros

O Anibaleitor, escrito por Rui Zink e publicado pela Realejo Livros, conta a história de “um jovem rebelde que se envolve por acidente na caça a um ser mítico, devorador de humanos e livros”. Essa obra foi recomendada pelo Plano Nacional de Leitura de Portugal e, como diz o texto de orelha, “consegue equilibrar de maneira brilhante o ritmo e a emoção dos livros de aventura com uma profunda reflexão sobre a importância da leitura”. O livro não traz nenhuma indicação de que seja juvenil, enquanto lia, em algumas partes, achei que fosse um livro para jovens, em outras, pensei ser para adultos, mas ao final, em suas notas, o autor esclarece: “que o adulto o leia como se fosse um relato para jovens, e o jovem como se fosse uma novela para adultos”.

Os pais do menino, narrador dessa história, tinham acabado de se divorciar e, ocupados com suas brigas pessoais, não tinham tempo de cuidar do filho, que só via vantagens nisso, pois assim, “faltava às aulas, pintava a manta e fazia trinta por uma linha”. Achei engraçado, gosto de descobrir expressões antigas, e o autor usa outras, bem portuguesas. Quanto a essas duas, ele tenta esclarecer: “Ainda hoje não sei o que pintar a manta ou fazer trinta por uma linha querem dizer, mas não faz mal. Mesmo sem saber de onde vêm, sabemos bem ao que vêm, tanto o raio da manta como a treta da linha.”

O menino fazia parte de um grupo de pequenos ladrões, que atuava na zona do cais, onde, todos os sábados, havia um mercado. Nesses dias, a galera aproveitava a confusão para bater umas carteiras, roubar frutas, linguiças e outros produtos que, trocados, rendiam algum dinheiro. Certa manhã, foram ao mercado alguns soldados para dar uma batida, corria o boato de que um grande ladrão tinha dado um golpe, e que foi visto nas imediações do cais. Como o menino também era ladrão, embora de “meia-tigela”, entrou em pânico e tentou se esconder. Mas os esconderijos já estavam todos ocupados por seus amigos, então, ele se sentiu em “mauslençois” e acabou se enfiando, por engano, dentro de uma embarcação, que saía a caça de um animal fantástico e feroz, um “bruto peludo que lê”, o Anibaleitor.

Clandestino por pouco tempo, logo foi descoberto e, graças a sua agilidade e esperteza, virou o mascote da tripulação do navio e passou a prestar pequenos serviços. Sua maior habilidade era a de ficar como observador, em cima, no cesto da gávea, até que uma tempestade pegou a embarcação, o rapaz foi arremessado ao mar e foi parar em uma ilha.

Acordo numa caverna imensa, de cuja abóbada pingam fileiras de estalactites, feito mísseis de cera, nas quais se reflete a luz da lua, que deve estar cheia. A caverna, ou gruta, parece uma catedral pré-histórica. Todavia (reparo com horror), ao longo do chão há algo de muito diferente do que seria de esperar num santuário sagrado: centenas, talvez  milhares de ossadas. Tíbias, clavículas, caveiras. Um mar de ossos. E livros. Livros, livros, livros

Era nesse lugar que vivia o Anibaleitor, uma “desmesurada criatura, sentado, tinha a altura de três andares, parecia um gorila, mas um gorila do tamanho de três elefantes”. A partir daí começa a parte que eu mais gostei dessa história, as conversas do menino com o monstro, suas leituras e reflexões sobre livros, como num dia em que o menino, sem paciência, não estava entendendo nada de um livro que o Anibaleitor lhe recomendara e, irritado, fez a seguinte pergunta:

“Mas afinal, ler serve para quê?” “Para nada”, respondeu, objetivo, seu mestre. E no final de um diálogo longo e divertido, o Anibaleitor ainda acrescenta: “Um dia meu jovem e desmiolado amigo, aprenderás que as coisas mais importantes na vida são aquelas que não servem para coisa nenhuma”.

O autor

Rui Zink nasceu em Lisboa, em 1961, é escritor – autor de ensaios e ficção, tradutor e professor na Universidade Nova de Lisboa. Entre outros livros, publicou Hotel Lusitano (1986), Apocalipse Nau (1996), o romance interativo Os Surfistas (2001), Dádiva Divina (prêmio Pen Clube 2004), O Destino Turístico (prêmio Ciranda 2009). A sua obra foi traduzida em várias línguas e o romance A Instalação do Medo teve diversas adaptações para o teatro em Portugal, na Alemanha e na França. Além de O Anibaleitor, um livro que pode ser lido pelo jovem, como se fosse uma novela para adultos, como sugere seu autor, Rui Zink também escreveu outros livros para crianças.

 

Clube de leitura com O Alienista

O próximo e último encontro do ano do clube de leitura da Biblioteca de São Paulo, para jovens de 11 a 14 anos, será no próximo dia 25 de novembro, sábado, às 14h30, com o livro O Alienista, de Machado de Assis. Inscrições pelo e-mail: agenda@bsp.org.br, ou no balcão da biblioteca, que fica na avenida Cruzeiro do Sul, 2630, ao lado da estação Carandiru do metrô, em São Paulo.

 

 

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