Li Os meninos da rua Paulo

No ano passado derrubaram umas casas da minha rua para construir um prédio. As casas foram derrubadas, mas a construção do prédio demorou para começar. Acho que foi problema de alvará, pelo menos foi o que eu ouvi falar. Nesse tempo, o terreno ficou vazio e os meninos maiores começaram a entrar lá para jogar bola. Os grandões – como chamamos os meninos mais velhos – ocuparam o terreno. Depois, eu e minha turma aproveitamos a ocupação e usamos o terreno como nosso campinho, também. O moço que tomava conta, no começo ficou bravo, mas depois ele falou com o engenheiro da construtora e eles deixaram a gente brincar no terreno vazio, enquanto não começava a construção. Essa brincadeira durou um bom tempo e foi bem legal. Até jogo contra marcamos lá! Hoje o prédio já está em construção e perdemos o nosso campinho. Eu me lembrei desta história por causa de um livro muito legal, mas muito legal, mesmo, que eu li nesta semana.

Eu li Os meninos da rua Paulo, do escritor húngaro Ferenc Molnár, publicado pela editora Cosac Naify. A história deste livro se passa em Budapeste, na Hungria, em 1889. Um grupo de meninos ocupa um terreno baldio para brincar e neste terreno eles criam um monte de histórias, brincam, jogam péla – um jogo parecido com o tênis – e fazem as reuniões de um clube, a Sociedade do Betume. Até um exército montam lá para defender o grund – como eles chamam o lugar – da invasão de outro grupo de meninos.

A turma era formada pelo Boka, o chefe; o Csele; o Csónakos; o Weiss; o Geréb; o Barabás; o Csengey; o Nemecsek, o lourinho, personagem muito importante da história; e muitos outros. Nemecsek era o único soldado raso, os outros eram todos oficiais. Era ele quem recebia as ordens de toda turma. Para não dizer que ele era o único, havia outro em quem todos mandavam: o cachorro que vivia no terreno e que também era um soldado raso. Advinha qual era o nome desse cachorro… Heitor! Heitor era o nome do cachorro. Lendo o livro muitas vezes eu quis ser o Nemecsek, mas com esse cachorro na história, ficou difícil de imaginar.

O livro começa contando o fim de uma aula de química. As aulas acabavam a uma hora e faltavam quinze minutos para ela terminar. Nessa hora o som de uma pianola entrou pela janela tocando uma alegre canção húngara e todos começaram a sorrir e a se agitar. Arrumavam, guardavam o material e se aprontavam para sair, assim que o sinal tocasse. Já estavam prestando mais atenção ao que acontecia fora da sala do que ao que o professor dizia. Neste momento o professor interrompeu a bagunça e perguntou: – O que é que há? E todos voltaram a ficar em silêncio e imóveis, sentados nas carteiras. O professor então pediu que o Csengey, que era o monitor, fechasse a janela. Nesse momento Csónakos pediu a Nemecsek que passasse um bilhete para o Boka. No bilhete estava escrito: Às três da tarde, assembléia geral. Eleição do presidente, no grund. Divulgar. Todas as tardes eles frequentavam o grund e era lá que brincavam e viviam as suas aventuras.   

A história é contada pelo autor, que algumas vezes parece ter feito parte daquela turma. Eu acho que aquela era a turma de Ferenc Molnár, quando ele era criança. Molnár nasceu na Hungria em 1878, trabalhou como jornalista, estudou direito em Genebra e aos 20 anos já publicava contos e poemas. Publicou Os meninos da rua Paulo em 1907. Por causa da guerra foi para os Estados Unidos em 1939 e morreu em Nova York em 1952. Este livro chegou ao Brasil em 1952, traduzido por Paulo Rónai, que também nasceu na Hungria, na cidade de Budapeste, onde se passa essa história, e em 1907, ano da primeira publicação deste livro. Paulo Rónai cresceu em Budapeste lendo os livros de Ferenc Molnár. Foi professor de latim e estudou literatura clássica, francês, italiano e húngaro. Aprendeu português, veio para o Brasil em 1941, também por causa da guerra, e naturalizou-se brasileiro. Tradutor, escritor e pensador, Paulo Rónai foi o grande divulgador da literatura brasileira no leste europeu e da literatura de lá, aqui. Ele morreu em Nova Friburgo (RJ) em 1992.

Os meninos da rua Paulo formaram um exército e conseguiram defender o seu grund da invasão dos meninos do Jardim Botânico, que queriam ocupar o terreno baldio para jogar péla. Mas, no final da história, não conseguiram defender o lugar de uma ameaça maior: construíram no terreno um prédio de quatro andares o que acabou de vez com o sonho dos meninos (isso é contado logo no começo do livro, por isso não estraguei o final da história, tá!). Esse final me fez lembrar o meu grund atual: a biblioteca do meu bairro. É na minha biblioteca que eu encontro muitos livros legais e vivo as minhas aventuras. E como em Budapeste de 1889, hoje querem destruir, como destruíram o sonho dos meninos de lá, os meus sonhos daqui. Como já disse em outros posts, a prefeitura quer vender o terreno onde fica a biblioteca para construir um prédio no lugar. Vou convocar o exército dos meninos da rua Paulo para defender a minha biblioteca! Vou pedir a ajuda deles e quem sabe, desta vez, a gente consegue vencer. Quem quiser apoiar a “nossa luta” pode colocar seu nome no abaixo assinado que está no link: http://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/7756

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  1. Heitor: a dica dos Meninos da Rua Paulo é exclente. A referência a Paulo Rónai, para mim, dá saudade do meu irmão, que está no céu. Ele trabalhava na Folha e trazia livros de cortesia que as editoras mandavam para lá. Um deles era “A tradução vivida”, do Rónai. Está comigo hoje, envelhecio, mas com a lembrança do meu irmão bem viva. De vez em quando tiro-o da estante, sinto seu peso, folheio-o e meu irmão, ao lado do Rónai, se materializam na minha retina como visões doces e na minha garganta, como um nó dorido.

  2. Heitor, sempre leio o seu blog e gosto muito dele! Adorei sua resenha sobre os Meninos da Rua Paulo, é um livro que eu mesma quero muito ler!

    Também acho muito importante essa iniciativa de salvar a Biblioteca! Já coloquei meu nome no abaixo-assinado e vou ajudar a espalhar via twitter (e assim que acabar de montar meu blog, também vou linkar o seu e falar do abaixo-assinado).
    Temos que ajudar as pessoas a entender que casas de livros são tão importantes quanto casas de gente!

    Um grande abraço e parabéns pelo blog. Adoro ler suas resenhas =)

  3. Oi, Petra. Obrigado, mesmo! Depois me passa o link do seu blog!
    Que legal que você colocou o seu nome no abaixo-assinado e vai espalhar pelo twiter. Desse jeito vamos vencer! Ah, já estou te seguindo no twitter.

  4. Heitor, muito legal você lembrar essas histórias – a sua e a do livro que, aliás, eu sempre quis ler e até hoje não me aventurei. Depois do seu comentário, vou passá-lo na frente na minha lista para ler rapidinho. Boa dica! Bjs.

  5. Oi, Cecilia! Que legal! Eu também faço lista de livros para ler, mas depois eu esqueço da lista e leio outros.

  6. Heitor, não li o livro, mas vi o filme “Os meninos da Rua Paulo’, quando era criança nos anos 70 e até hoje eu e meus irmãos, nos lembramos desse filme, de tão marcante que foi. Acho que temas como esse que falam de infância e passagem do tempo serão sempre atuais; você percebe que, tantos anos depois, você enfrenta algo parecido com a história deles aí no seu bairro.

    Vou assinar o abaixo assinado e queria deixar um recado: se alguém souber se existe o dvd do filme faça o favor de me dizer. Gostaria muito de revê-lo.

    Até mais Heitor e parabéns por colocar no seu blog temas que relembram coisas legais e nos fazem refletir.

    um beijo!

  7. heitor, este livro marcou a minha infância! Adoro o seu blog e divulgo para todos que conheço. Vc já leu um livro chamado A Bolsa Amarela? Vale a pena! um abraço

  8. Que legal, Natani! Também acho que vai marcar a minha. Obrigado por divulgar o meu blog. Não li esse livro, mas já anotei sua dica e vou procurar.

  9. Olá Heitor,
    Li “Os meninos da Rua Paulo” na minha infância e, naquela época, despertou em mim emoções e reflexões importantes, mesmo que eu não tivesse essa consciência naquele momento. Hoje percebo melhor o quanto foi bom para minha formação pessoal.
    Sou professora e, há alguns anos faço a leitura dessa bela e obra com meus alunos e para eles a história tem sido significativa.
    Gostei muito do comentário que você fez, um dos melhores que já li.
    Abraços

  10. Oi, professora Solange.
    Que bom que você gostou do meu comentário sobre esse livro. Muito obrigado!!!
    Fico feliz em saber que os seus alunos também gostam de Os meninos da rua Paulo. É um dos meus livros preferidos. Quando li, eu estava no meio do movimento em defesa da nossa biblioteca, como contei neste post. A história me inspirou pra essa luta e pra outras coisas em minha vida, que ainda vou contar aqui no blog.

  11. É o livro da minha vida. Li, pela primeira vez, lá pelos onze anos, pelas mãos do meu melhor amigo. É leitura pra vida toda: ainda hoje, aos trinta e tantos, vez ou outra o releio.

    Belo blog! Parabéns!

  12. Oi, Marcelo. Obrigado!
    É um dos meus livros preferidos e já li duas vezes. Logo vou mostrar uma novidade sobre ele, também. Anotei seu e-mail e vou lhe avisar!

  13. Oi, Emilly.
    Faz tempo que eu li, do que me lembro, parece que ele se arrepende, sim, apesar de não ficar claro, e os seus amigos da rua Paulo, parece, também, que o perdoam. Você leu o livro?

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