Clube de leitura e entrevista com Jorge Miguel Marinho

Hoje temos mais um capítulo do nosso clube de leitura, publiquei a segunda parte da história que o Jorge Miguel Marinho cedeu, especialmente, para o meu blog, ele me enviou o texto por e-mail e disse: “Heitor, quero dar um retorno carinhoso a tudo que você faz pelos escritores e pela leitura” Adorei!!!

Então, hoje vamos ler a segunda parte do texto e tentar descobrir a palavra, como expliquei no post anterior. Mas antes, vamos conhecer um pouco mais do Jorge Miguel, lendo a entrevista que ele deu para os alunos da professora Luciana, da Escola Municipal Luiz Gatti, de Belo Horizonte. São eles que estão me ajudando a fazer esse clube de leitura tão diferente.

“Não há como separar vida e literatura” (Jorge Miguel Marinho)

Entrevista com Jorge Miguel Marinho feita pelos alunos da Professora Luciana

Alunos da Professora Luciana – Você gosta de livros desde pequeno?

Jorge Miguel Marinho – Quase todo mundo acha que escritor sempre leu muito e começou muito cedo. Não é o meu caso. Como venho de família muito simples, não havia livros nem na minha casa, nem na escola que só tinha duas salas de madeira. Mas um dia, uma amiga estava lendo um livro escondido atrás de um guarda-roupa e, quando ela saiu, esqueceu o livro e foi aí que o livro aconteceu na minha vida.

APL – Com quantos anos você escreveu seu primeiro livro?

JMM – Escrevo histórias ou crio na imaginação e não escrevo – fico só curtindo – desde sempre, nem me lembro.

APL – Qual foi o primeiro livro que você leu?

JMM – O primeiro livro não era bom – a autora se chamava Adelaide Carraro –, mas eu gostei de ter um livro nas mãos e imaginar que eu podia ler a história quantas vezes eu quisesse. Logo depois li O pequeno príncipe de Saint-Exupéry.

APL – O que fez você virar escritor?

JMM – A vida – ser entusiasmado por pessoas e gostar muito de ler.

APL – Que sentimento você tem quando escreve um livro?

JMM – A alegria de criar e, depois,  de um certo medo de que vocês não gostem do livro.

APL – Qual livro mais te interessou quando era adolescente?

JMMDom Casmurro, de Machado de Assis – lembro que fiquei muito triste e muito feliz, o que talvez seja o melhor modo de ler.

APL – Qual tipo de livro você mais gosta de ler?

JMM – De todos, mesmo os que não são bons ou têm qualidade discutível. Sou muito curioso. De qualquer forma, prefiro a boa literatura e daí não tem fim: Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Caio Fernando Abreu, Julio Cortázar, Murilo Rubião e vai por aí, sem um ponto final.

APL – Qual influência você leva para seus filhos em relação à literatura?

JMM – Apenas de ler e gostar de conversar sobre livros com eles.

APL – Lemos na internet que você é pai, esposo e escritor – como faz a separação da vida pessoal da profissional?

JMM – Não separo – não há como separar vida e literatura.

APL – Você acha que os jovens de hoje estão lendo como antes?

JMM – De fato não sei. Cada época e cada geração lêem de um modo muito especial – o importante é ler com prazer e curiosidade.

APL – Você já pensou em escrever livros para adultos?

JMM – Eu escrevo para adultos, não só contos e romances, como também peças de teatro.

APL – Você já pensou em desistir de ser escritor?

JMM – Nunca, estaria desistindo de mim e isso é impossível para qualquer pessoa.

APL – Qual foi sua inspiração para o primeiro livro?

JMM – Eu nunca me inspiro muito – apenas olho para a vida e deixo o livro acontecer. Talvez mesmo eu me inspire com tudo.

A PALAVRA QUE NÃO QUERIA DIZER SEU NOME…

Jorge Miguel Marinho

Leia agora a segunda (e penúltima) parte do texto e tente adivinhar que palavra é essa, envergonhada, que não quer dizer seu nome

Bom, mas tudo isso parece que não adiantou nada até agora. Nem a braveza, nem a bondade do Dicionário, nem a vontade de todo mundo de descobrir o nome dela. Ou adiantou? Sei lá!

Só sei que o medo da palavra que tinha vergonha do nome dela foi deixando essa palavra que vivia assustada com as suas quatro sílabas cada dia mais medrosa. Ou são cinco? Xiiii!, essa palavra está me deixando confuso e a dona Gramática às vezes é meio indecisa. Isso é o que eu penso – o que você pensa eu não sei. Cada cabeça é uma cabeça e na sua cabeça já deve ter um monte de palavra que pode ter cisma, ira que é um ódio maior que raiva e até vergonha do nome dela. É ou não é?

Pois muito bem: de tanto essa palavra ficar com medo e passar a vida clandestinamente, escondidinha, sem ocupar a sua moradia certa que tinha endereço num país bem conhecido que ia de A a Z , a palavra que tinha vergonha do nome dela foi ficando mais esperta. É, esperta mesmo. A gente tem que entender que medo é um saco, mas para alguma coisa ele presta.

Então ela se escondia atrás das outras palavras, pulava quase do fim para o começo do Dicionário, se enfiava dentro da lombada outra vez, roía a contracapa de nervosa e ele, o Dicionário, sentia umas cócegas tão irritantes que ria tossindo também de nervoso.

Um belo dia, quando um dedo de criança quase pegou essa palavra que estava dormindo de cansada, ela levou o maior susto da vida dela. Se escondeu atrás da palavra Delicadeza que era completamente o contrário e até maior do que ela com uma letra a mais, mas não deu nada certo. Ela se esqueceu de tirar o seu chapéu, o acento, e a prova da fuga apareceu assim:

“Delicadêza”. Nem pensou mais: apagou com a letra L de lenço essa outra palavra e a Delicadeza que já estava tão esquecida na travessa D desapareceu.

Nesse dia a palavra envergonhada tapou, com as mãos, os olhos das suas duas últimas vogais de tanto sentir culpa e quase morreu de medo de ser presa pela Polícia Militar Dr. Abecedário da Língua Portuguesa.

Mas não tomou jeito de gente – deu de usar uma maquiagem pesada para não ser reconhecida e se vestir na tonalidade da palavra Violeta que disfarçava a cara e a grafia correta das suas letras, mas é uma flor de aroma tão agradável que, mesmo sendo roxa, não cabe dentro do sentido da palavra que tinha vergonha do nome dela. Ou cabe? Sei lá!

Caramba, agora quase me escapou o nome dela. Ainda bem que você não escutou o que tem dentro da minha cabeça.

Muito bem, ela provocou tanta confusão que até mesmo as outras companheiras ficaram confusas e começaram a se repetir feito umas gralhas:

“Mas como é mesmo o nome dessa palavra?”

Eu não posso dizer, mas bem que você podia ir dando uns palpites para eu escrever o jeitão dessa palavra e acabar logo com esse suspense. Eu sou um escritor mas detesto ficar fazendo e fazendo e fazendo rodeio com as palavras e, como eu já disse e não vou dizer mais, contar eu não posso.

Topa? Então vamosnessa. Engraçado! Eu juntei sem querer essas duas palavras e o som ficou parecido com o som da palavra que tinha vergonha do nome dela. Escutou essa agora ou não? Então problema seu, continua escutando. Ihhh…, minha nossa senhora das palavras, eu acho que é a palavra envergonhada que ninguém descobriu o nome dela até agora que começou a bagunçar essa história juntando as palavras. Que falta de vergonha!

Paciência!, mas nem tanto que eu já estou cansado de ficar aqui esperando que alguém pelo menos adivinhe o nome dessa palavra que nesse ponto dessa palavrada toda já deve estar ficando louca de tanto medo do nome dela e não sou eu que vou ficar repetindo o que aconteceu até agora porque quem quiser acertar que volte lá para trás no começo e trate de escutar essa história que eu vou em frente. Caçamba, que frase enorme demais de grande que eu escrevi nessa página! Paciência outra vez que eu já estou fulo da vida. Não entendeu, que se dane!

Vamosembora então…

(continua no próximo post)

Um clube de leitura diferente

Hoje vamos começar um clube de leitura bem diferente, eu, a professora Luciana e os alunos da Escola Municipal Luiz Gatti, de Belo Horizonte. Vamos ler um texto do escritor Jorge Miguel Marinho, cedido especialmente para o blog, que será publicado em três capítulos, e tentar adivinhar a palavra escondida

Outro dia recebi um e-mail do meu amigo escritor Jorge Miguel Marinho, dizendo que tinha um texto, que já foi publicado no passado pela revista Recreio, e depois virou um livro, que se chama A palavra que não queria dizer seu nome. Ele disse que tem autorização para “publicar e veicular onde quiser”, e me ofereceu, com exclusividade, para postar em capítulos aqui no blog.

Ele me explicou que é uma história de palavra e de suspense, um quebracabeças. Disse que eu “poderia publicar no blog aos poucos, por breves capítulos, e fazer uma bela brincadeira de adivinhação com os leitores”. Ele falou para eu ficar à vontade e só publicar se achasse a ideia bacana. Claro que achei bacana, uma ótima ideia, e fiquei super feliz. Um texto do Jorge Miguel Marinho publicado, com exclusividade, no meu blog… É uma honra!!!

E logo me lembrei da professora Luciana, que também acredita em mim, e dos meus amigos, alunos da Luiz Gatti. Juntos já fizemos muitos clubes de leitura. E pensei, faz tempo… estou com saudades dos nossos clubes de leitura, vou convidar a professora e ver se querem participar desse clube diferente. Eles também gostaram da ideia e toparam participar. Até entrevista com o Jorge Miguel Marinho combinamos de fazer, eles já pesquisaram sobre o autor e mandaram as perguntas.

Dividi o texto do Jorge Miguel em três partes, neste post, vou publicar a parte inicial, nos próximos, publico o restante do texto, a entrevista com o autor e mais informações sobre esse nosso novo clube. O desafio é adivinhar o nome da palavra escondida, e todos estão convidados a participar. Fica a dica do Jorge Miguel: primeiro a gente tenta descobrir o sentido da palavra até chegar ao nome dela. Participe dessa brincadeira e dê seu palpite aqui nos comentários!

A PALAVRA QUE NÃO QUERIA DIZER SEU NOME…

Jorge Miguel Marinho

Imagine só se isso acontece…

É você mesmo…! Eu sou o escritor dessa história e estou falando com você mesmo aí bem na sua frente. Então me escuta…

Ela era uma palavra que tinha muita vergonha do nome dela.

É verdade mesmo, e você pode acreditar nisso. Era uma palavra envergonhada, com raiva dela mesma, sem a menor auto-estima.

E é por isso mesmo que ela vivia se escondendo no Dicionário que é uma das casas das palavras.

Ele, o Dicionário que nunca foi e nunca vai ser o Pai dos Burros, ele sabia muito bem que toda palavra tem  casa em qualquer lugar – ela mora na rua, na escola, no banheiro, na mão direita ou na mão esquerda e em tantos outros lugares que até fica acordada  lá dentro do sonho da gente e inventa história de verdade como eu.

Pois muito bem: o Dicionário às vezes era um pouco vaidoso como todo o mundo e ficava com a lombada estufada se achando o dono de todas as palavras. Por mais que tentasse fazer a maior força para entender, não conseguia admitir de jeito nenhum esta atitude tão apavorada da palavra. Uma palavra que tremia dos pés à cabeça só de imaginar que alguém pudesse descobrir o seu sentido… E muito pior ainda ficar sabendo o “sentimento” dela.

“Isto não pode ficar assim – não, Não e NÃO!”, ele gritava não muito alto, tinha bom senso e não podia perder a cabeça. Mas também não conseguia tirar da cabeça  que uma palavrinha qualquer, muito metida à besta,  tivesse o atrevimento de ficar escondida dentro dele. Justamente dele que nunca tinha pensado na vida em ser um esconderijo.”

O dicionário pensava muito: ele sabia muito bem que era uma casa, mas espera aí!, era uma casa de portas abertas para quem quisesse visitar qualquer palavra. Não tinha o menor cabimento uma palavra ou uma pessoa que é a mesma coisa ficar se escondendo ou escondendo o nome dela. Eu concordo com ele, você eu não sei…

“Rrrespeito é bom e eu gggosto”, ele rangia o R com os dentes e abraçava o G com a língua no céu da boca.

“Que palavra mais descarada, fingida, sem vergonha”, ele acusava. E na hora se corrigia:

“Sem vergonha ou envergonhada? Para essa palavra maluca, tudo é a mesma coisa e pronto –  essa garota só tem nove letras e é tão confusa”.

Escutou o que ele disse? Eu escutei…

Eu ainda não conto e nem sei se vou dizer o nome da palavra, se não eu estrago o segredo dessa história. E você sabe muito bem que uma história sem segredo é muito pior do que uma palavra que tem vergonha do nome dela.

O Dicionário que não podia perder o sentido das coisas, buscava encontrar uma razão para esse medo da palavra, mas não se conformava. Quando sentia o dedo de alguém percorrendo com os olhos bem abertos o seu caminho alfabético e essa palavra se apagava, fugia e até se disfarçava com as letras de uma colega sua, ele ficava realmente com os nervos à flor da pele: mordia um pouco a capa, ficava pálido nas páginas e desconfiado de outras palavras, até apertava ainda mais as abreviaturas. Mas isto durava só um instantinho. Afinal ele era muito equilibrado e tinha de manter em ordem todas as letras para cuidar dos sentidos bem corajosos das outras palavras. E depois não adiantava ficar muito bravo – cada palavra era dona do seu próprio nariz e fim. Eu também acho isso…

Imagine você que às vezes ele, o Dicionário, ficava até meio comovido, tinha o coração mole, cheio de outras palavras e deixava até escapar algumas delas:

“Coitada dessa palavra, tem palavra que já nasce para sofrer, é uma tragédia.”

Se conformar, ele não se conformava, mas a paciência de esperar era a maior qualidade do Dicionário. E, se existia palavra exibida como “Exuberante, Fascinante, Insinuante”, por que não podia existir palavra com complexo de inferioridade? Até “Estupendo” que era demais de vaidosa e por coincidência tinha o mesmo número de letras da palavra envergonhada!

Mas acontece que, para o azar dessa palavra que se escondia, ela tinha acento circunflexo bem em cima do Ê e esse chapeuzinho chamava muito a atenção. Um dia lá longe quando ela percebeu esse som mais forte lá dentro e lá fora da penúltima sílaba dela, não teve outra: ela se trancou nela, igual a um caramujo que mora e se recolhe dentro da sua própria concha que nem janela tem para ele ver o sol.

“OPA”…, que me deu uma vontade de dizer agora o nome dela, mas nem pensar: como eu já disse, essa palavra é muito envergonhada e eu sou muito discreto. Ainda bem porque você já deve estar adivinhando o tamanho e o jeito dessa palavra.

(continua no próximo post)