Uma sugestão e dois clubes de leitura

Hoje vou falar de uma sugestão de leitura que recebi da professora Luciana: Papel-manteiga para embrulhar segredos: cartas culinárias, de Cristiane Lisbôa. A Luciana é professora de Língua Portuguesa em Belo Horizonte e leu esse livro com seus alunos. Ela disse que “amou” o livro e que a autora conversou com os alunos dela pelo skype.  A professora Luciana conheceu meu blog quando foi trabalhar com o livro Carol, em sala de aula, leu a postagem que fiz aqui sobre as histórias em quadrinhos do Laerte e deixou um comentário.

Mas antes de falar desse livro, vou anunciar dois novos clubes de leitura que vamos fazer aqui, em breve. Um será com os alunos do professor Carlos, de São José dos Campos. Conheci o professor Carlos, pessoalmente, na Bienal do Livro. Além de professor, ele também é escritor e eu já falei de um livro dele aqui no blog, o Jogadas bem-assombradas da série Histórias da Lua-Cheia. Depois desse, ele já publicou outro da mesma série: O dia em que tentaram virar os pés do Curupira, que ainda não li, mas quero ler!

O professor Carlos sugeriu um título bem legal pra gente ler no clube, O Gênio do Crime, de João Carlos Marinho. Ele disse que leu O Gênio do Crime aos 12 anos de idade e foi um dos livros que o incentivou à leitura. O meu amigo Lipe já está lendo, ele sempre me ajuda nos clubes de leitura, lê também e depois conversamos, antes de eu publicar o post. Aprendi isso com a professora Rose, que fazia rodas de conversa com os alunos. Aqui, eu faço minha roda com o Lipe.

O outro clube de leitura que vamos fazer será com os alunos da professora Luciana, de Belo Horizonte, a mesma que me deu a sugestão do Papel-manteiga para embrulhar segredos. Quando a professora Luciana deixou o comentário no blog, alguns alunos dela também comentaram e disseram que minhas postagens tinham ajudado na leitura dos livros. Teve uma que disse até que o post lhe ajudou tanto, que achava que ia tirar nota dez no trabalho.

Fiquei muito feliz com os comentários, perguntei quais seriam os próximos livros que iriam ler, dei a ideia do clube de leitura e pedi a eles que conversassem com a professora. No final, troquei e-mails com a professora Luciana, ela gostou da ideia e sugeriu uma lista de livros para o nosso clube de leitura. Vamos começar pelo A professora encantadora, de Márcio Vassallo, ilustrado por Ana Terra e depois vamos ler Os herdeiros do Lobo, de Nelson Cruz.

Romance epistolar

Papel-manteiga para embrulhar segredos: cartas culinárias, de Cristiane Lisbôa, publicado pela editora Memória Visual é um romance epistolar, em que a história é contada por meio de cartas. Epístola é carta em latim. O livro tem também receitas culinárias escritas pela gastrônoma e redatora publicitária Tatiana Damberg.

Pesquisei e descobri que o objetivo do romance epistolar é dar maior realismo a história e que esse estilo teve seu auge nos séculos XVIII e XIX, com Montesquieu (Cartas persas), Samuel Richardson (Pamela), Honoré de Balzac (Memórias de duas jovens esposas), entre outros. Mas há romances recentes, como A cor púrpura (1982), de Alice Walker, e A caixa preta (1987), de Amos Oz, que também usaram essa técnica.

As cartas de Papel-manteiga para embrulhar segredos são escritas por Antônia e endereçadas a sua bisavó.

Bisa Ana

Estou em alguma parte do mapa. Não posso dizer qual, pelos motivos que nós duas sabemos. Espero eu, e imagino, espera a senhora, que estejamos fazendo a coisa certa. Chegamos de carro na casa onde também funciona o restaurante. É inteira de pedras com janelas enormes, que em alguns casos vão até o teto. Temos, cada uma, um quarto minúsculo. O único cômodo espaçoso e arejado da casa é a cozinha, o que era de se esperar. Tudo me assusta. Sobretudo ter que confiar apenas na minha memória “degustativa”. Senhorita Virgínia revisou minha mala e tirou de lá o gravador de fitas pequenas, os blocos, os lápis e meu relógio. Disse que não devolveria jamais, o que me causou péssima primeira impressão. (…) Se isso for um castigo divino por estar desobedecendo a Mamãe, imagino que será cumprido nos mínimos detalhes.

Já com saudades, Antônia

Antônia fugiu de casa para fazer um curso de gastronomia e não deixou carta alguma para sua mãe, foi aprender a cozinhar com a Senhorita Virgínia, num país onde nem sabia falar a língua. Ela tinha divergências com a mãe, que nunca a perdoou “por aprender a fazer bolo antes de entender o que significava submissão.” Sua mãe era professora universitária e não aprovava o fato de sua filha amar “o ambiente doméstico e, sobretudo, as cozinhas.” Antônia achava que isso não era uma vergonha e que para ser mulher moderna ela não precisava mentir que não gostava de panos de prato.

As cartas de Antônia para sua bisavó, que no final foram escritas em papel-manteiga, traziam no verso as misteriosas receitas da Senhorita Virgínia, escritas por Tatiana Damberg, e algumas lembranças curiosas e surpreendentes de sua professora.

Cristiane Lisbôa nasceu em Uruguaiana (RS), é escritora e, além de Papel-manteiga para embrulhar segredos: cartas culinárias, ela também publicou Pequenos pedaços soltos de histórias de amor às vezes verdadeiras (Fina Flor), que foi traduzido para o inglês e espanhol; Deles e quase o resto (Fina Flor), adquirido pela grife paulistana Madalena, que aplicou os contos em saias, vestidos e blusas de uma coleção chamada Literatura inclusa; Sylvia não sabe dançar (Mercuryo) e Duas pessoas são muitas coisas (Memória Visual). Ela edita um blog: www.cristianelisboa.zip.net

Tatiana Damberg é gastrônoma por vocação, desde pequena, quando acompanhava o pai à feira e decorava as tortas de sua mãe. Estudiosa de todas as coisas comestíveis, adora cozinhar e escrever a respeito. Além da paixão pelos sabores, gosta das palavras e trabalha com redação publicitária. Ela também edita um blog: www.mixirica.com.br

Contador zerado

Na quarta-feira passada, o contador de visitas do meu blog zerou sozinho. Ele já marcava mais de 43.200 visitas. A partir desse dia, ele registrava algumas visitas e zerava novamente. Agora, ele não está contando nada, não sai do número 1. Já reclamei, disseram que isso aconteceu, também, com outros blogs hospedados lá e estão tentando resolver o problema.

A dura vida de um escritor

Martin Eden sofreu muito pra virar escritor e viver de literatura e quando, finalmente, conseguiu, já era tarde

Antes de começar a fazer este blog, achava que vida de escritor era uma maravilha. Ler, escrever e passear pelas feiras e bienais de livros, conversando com os leitores. Que vida poderia ser melhor do que essa? Mas depois que conheci, com meu blog, um pouco do mundo da literatura, descobri que a realidade é diferente do que eu imaginava, escritor também sofre. Sofre para publicar seu livro e depois que consegue uma editora, sofre para vender. A maioria dos escritores não vive só de literatura, muitos têm outras profissões, são jornalistas, professores, tem até médico escritor.

Não sei como arrumam tempo para escrever, devem escrever de madrugada ou nos finais de semana. Mas acho que o maior sofrimento, mesmo, é na hora de publicar o livro. Mandam o original para as editoras e tempos depois recebem de volta, com alguma observação do tipo: “o texto é bom, mas não tem o perfil da nossa editora”. As editoras também recebem tantos textos, que nem conseguem ler todos. Com o meu blog já conheci muitos escritores que sofreram para publicar seu livro, mas até hoje nunca tinha visto um escritor sofrer tanto como sofreu Martin Eden.

A primeira vez que ouvi falar de Martin Eden foi lendo o jornal. Martin Eden é o nome de um livro de Jack London. Li um artigo do escritor Sérgio Telles n’O Estado de S. Paulo, contando que ganhou esse livro de seu filho, que lhe presenteou, dizendo que a história o fez lembrar de quando era criança e via o pai “escrevendo, mandando originais para as editoras e aguardando suas respostas.” O Sérgio Telles se lembrava de Jack London das suas leituras de infância, mas não conhecia esse livro. No artigo ele fala um pouco do livro, e só de ler o que ele escreveu, já gostei da história.

Não conhecia o Jack London, fui procurar o livro e pesquisar a obra do autor. Encontrei outro livro dele na estante de casa, O Lobo do Mar, depois soube que é um clássico da literatura. A edição que tem em casa de O Lobo do Mar é da Companhia Editora Nacional e foi traduzida por Monteiro Lobato. É um livro importante! Já separei pra ler depois, mas antes queria, mesmo, era ler o Martin Eden, a história dele me interessava muito. Já li, adorei e hoje vou contar um pouco a dura vida do escritor Martin Eden.

Martin Eden, de Jack London, traduzido por Aureliano Sampaio e publicado pela Editora Nova Alexandria conta a história da luta de um marinheiro pobre, que queria ser escritor e viver de literatura. Li que o Jack London fez sucesso escrevendo livros de aventura, como O Lobo do Mar e que este romance é diferente de tudo que ele escreveu, é “semi-autobiográfico” – a vida de Jack London foi bem parecida com a de Martin Eden.

Convidado por Arthur para jantar em sua casa, Martin Eden conhece sua irmã, Ruth, “uma criatura pálida e etérea, com uns olhos azuis grandes e espirituosos e abundante cabeleira loira. Comparou-a a uma pálida flor de ouro sobre uma haste delicada. Não; era um espírito, uma divindade, uma deusa. Tal beleza não podia ser da Terra.” Ruth estudava Literatura na universidade e Martin já tinha muito interesse pelo assunto, apesar de só ter lido poucos livros.

Conversaram e Ruth lhe falou de Swineburne, um poeta de quem Martin só tinha lido alguns versos. Ficou tão impressionado com o discurso da moça que chegou a seguinte conclusão: “Isto é que é vida intelectual, isto é que é beleza viva, maravilhosa, como nunca sonhei que existisse. Eis uma coisa por que valia a pena viver, uma coisa que merecia ser conquistada com luta, enfim, pela qual valia a pena morrer. Os livros diziam a verdade.” Ficou apaixonado por Ruth e pela literatura e decidiu lutar pelas duas.

Não foi nada fácil a luta de Martin Eden para conquistar suas duas paixões. A Ruth, depois de algum tempo e muita dedicação, ele começou a namorar, contra a vontade da família dela, que não aprovava a união da filha com um rapaz que pertencia a outra classe social e não tinha uma profissão definida. Depois que decidiu virar escritor abandonou o trabalho de marinheiro e só fazia alguns bicos para pagar sua comida, o aluguel do quarto onde morava e da máquina de escrever.

Só dormia quatro horas por dia e nas outras vinte lia e escrevia. Escrevia ensaios e contos, que mandava para as revistas literárias publicarem, por isso também gastava grande parte de seu dinheiro em selos do correio. Mas as revistas recusavam todos os seus textos. Depois escreveu livros, que também foram recusados. Um dia Ruth tentou convencer Martin a deixar seu sonho um pouco de lado e procurar um emprego: “Por que não tenta um lugar num jornal, se sente assim tanto gosto em escrever? Por que não experimenta a carreira de repórter?” “Estragaria meu estilo. Não faz ideia de quanto trabalhei para apurar meu estilo” – ele respondeu.

Depois o assunto da conversa passou para os editores, que viviam recusando os textos de Martin. Ele devia estar com tanta raiva dos editores, que disse: “A principal qualidade de noventa e nove por cento de todos os editores é o fracasso. Fracassaram como escritores. Tentaram escrever, mas falharam. E aqui está o maldito paradoxo da questão. Cada porta de acesso ao êxito literário encontra-se vigiada por esses cães de guarda – os fracassados da literatura.” No final da história Martin Eden conquista os editores que tanto odiava, consegue publicar todos os seus livros, vender e fazer muito sucesso como escritor, mas aí, já era tarde.

Jack London nasceu em São Francisco, nos EUA, em 1876, e morreu em 1916. Viveu uma infância pobre em Oakland e na adolescência trabalhou dezesseis horas por dia numa fábrica. Depois se alistou por algum tempo numa escuna, virou marinheiro e conheceu o Japão e a Sibéria. Voltou a ser operário para largar tudo novamente, levou uma vida de andarilho e chegou a ser preso. Terminou os estudos formais e matriculou-se na Universidade de Berkeley. Mas o preconceito contra estudantes pobres o fez sair da faculdade e tentar a sorte na “corrida do ouro” do Alasca. Ainda tentou ser carteiro e aos 25 anos largou tudo e decidiu ser escritor. Publicou mais de cinquenta livros, entre eles O filho do lobo (1900), O chamado da floresta (1903), O povo do abismo (1903), O lobo do mar (1904), Caninos brancos (1906), A estrada (1907), O tacão de ferro (1907), Martin Eden (1909), A travessia de Snark (1911), John Barleycorn (1913) e O Vale da lua (1913), além de mais de cem contos publicados em revistas.