Li contos mineiros e Fernando Pessoa

Hoje vou falar de duas amigas e um conhecido. O conhecido eu encontrei, pela primeira vez, em uma visita que fiz ao Museu da Língua Portuguesa, aqui em São Paulo. É o poeta português, Fernando Pessoa. Conhecer Fernando Pessoa deu um sentido à minha vida. Quando eu soube que ele criou os heterônimos, que são personagens que escreveram, tinham estilo próprio e até biografia, descobri, definitivamente, a minha verdadeira identidade: Eu também sou um personagem e tenho a minha biografia, pequena, mas tenho. Tenho o meu jeito de escrever e contar as minhas histórias aqui no blog. Então, eu também sou um heterônimo! Fiquei muito feliz quando descobri isso e contei no post “O Machado, o Museu e o Pessoa” (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=361).

As amigas são a Maria Viana e a Rosinha. A Maria sempre deixa comentário no blog e me ajudou a fazer um post especial sobre o Murilo Rubião. A Rosinha é de Recife, eu já fui a um lançamento dela aqui em São Paulo, e ela também acompanha o meu blog. Encontrei as duas no Jabuti e contei aqui. Nesse dia a Rosinha até ganhou um prêmio com ilustração. Hoje eu vou falar da Maria, da Rosinha, do Fernando Pessoa e de três livros que eu li. Dois do Fernando Pessoa – um de quadras e outro de poesias – organizados pela Maria Viana e ilustrados pela Rosinha, e outro de contos mineiros, escritos pela Maria Viana e ilustrados pela Denise Nascimento.

Mas antes eu vou contar uma coisa bem legal que aconteceu comigo na semana passada. Uma colunista de um jornal de São Bernardo do Campo falou do meu blog na sua coluna.

O blog do Le-Heitor na mídia

O pessoal da Sintaxe postou um texto sobre o blog no Facebook, em um grupo chamado Rainhas do Livro. Esse grupo é formado por mães que trocam informações sobre livros para orientar a leitura dos seus filhos. Eles colocaram lá o link para o post do Tolstói. Algumas mães curtiram, outras deixaram comentário e rendeu muitas visitas ao blog. Eu fiquei feliz! E teve mais, a Penélope Martins, que também faz parte desse grupo e tem uma coluna no jornal ABCD Maior sobre literatura infantojuvenil, viu o meu blog e resolveu falar dele na sua coluna. A matéria ficou bem legal! Eu adorei! Gostei do jeito que ela escreve e das coisas que ela falou de mim. Ela disse que eu sou um garoto “sui generis” e tenho uma disposição inesgotável para o conhecimento. Que sou um “rato de biblioteca”, que não fico satisfeito com informação terceirizada e vou atrás do que quero, fuço, investigo e descubro. Ela disse, também, que eu leio “até o último ponto, depois dos créditos finais”. Este é o link para a matéria da Penélope: http://www.abcdmaior.com.br/noticia_exibir.php?noticia=38366. Acho que eu vou pedir para o pessoal da Sintaxe colocar no grupo do Facebook, o link deste post, também. Soube que as Rainhas do Livro gostam de contos populares e hoje eu vou falar de três contos mineiros bem legais.

Mais do blog na mídia

Eu já estava escrevendo o texto deste post, quando o pessoal da Sintaxe me mandou um e-mail com links para outras matérias que falam do meu blog. É o resultado daquela entrevista, que a assessoria de imprensa do movimento em defesa do quarteirão do meu bairro fez comigo, e eu contei no post anterior. Eles mandaram o release para a imprensa e já conseguiram “emplacar” três matérias: Uma no site do Cesar Giobbi (http://www.cesargiobbi.com/?page=materias&id=16022); a outra na Gazeta de Santo Amaro (http://www.gazetadesantoamaro.com.br/atualidades/personagem-infantil-estimula-a-leitura-e-a-participacao-em-defesa-da-cidade), e a outra no site Podcultura (http://www.podcultura.com.br/personagem-infantil-estimula-a-leitura-e-a-participacao-em-defesa-da-cidade.98.3943). As matérias estão bem legais, vocês precisam ver! Elas falam do meu blog e divulgam o nosso movimento. Por falar do nosso movimento, no começo de março vai ter outra reunião. E eu vou! Vou buscar novidades sobre a nossa luta. Ela continua! Não podemos deixar a prefeitura derrubar a biblioteca, o teatro, duas escolas, uma creche, dois serviços de saúde, a Apae, que ficam num quarteirão do meu bairro, para construir um prédio de apartamentos.

Histórias mineiras

O livro A lenda dos diamantes e outras histórias mineiras foi publicado pela Editora Scipione e traz três contos da tradição oral, da época da mineração, na região de Diamantina, em Minas Gerais. As histórias foram recontadas e escritas por Maria Viana, e as ilustrações do livro foram feitas pela Denise Nascimento. Tem uma ilustração da Denise, que foi baseada em uma peça de cerâmica, que está em um museu e foi feita pelos índios de uma das histórias do livro. Ganhei este livro da autora, a Maria Viana, com uma dedicatória.

A primeira história se chama “A Lenda dos diamantes” e conta como apareceram as pedras preciosas. Dois índios de duas tribos diferentes se casam. A Cajubi pertencia ao grupo puri-coropó, e o Iepipo era da tribo puri-coroado. Antes essas duas tribos eram do mesmo grupo, mas brigas por terras separaram as duas famílias. Depois da festa, os índios enfrentam os bandeirantes paulistas, que já estavam na região, atrás das pedras preciosas. Para os índios tudo era precioso. Os índios perdem a luta e o grande pajé Piracaçu se vinga, fazendo surgir os diamantes, e junto uma grande maldição.

O segundo conto se chama “O tesouro de Isidoro” e foi o que eu mais gostei. Quem conta essa história é o Pedro. Ele diz que é um segredo, que guardou durante muito tempo, e que na época era um “rapazote metido a valente.” Ele e o seu amigo Chico eram tropeiros, e um dia, depois do trabalho, resolveram tomar “umas e outras”. Na saída da venda viram um grupo de homens conversando. Pararam, e um deles contava a história de Isidoro. É muito legal o jeito como a Maria conta a história do homem, que contava a história do Isidoro, contada pelo Pedro. Isidoro tinha um segredo sobre uma gruta e um tesouro e morreu sem revelar. Pedro e Chico resolvem ir atrás desse segredo e vivem uma história de medo com um final bem legal.

O terceiro se chama “O príncipe encantado” e conta a história de um príncipe-porco. A rainha desejava muito ter um filho. Um dia, ela vê um porco no colo do cozinheiro e diz: “- Oh, meu Deus, concedei-me a graça de ter um filho, ainda que seja um leitãozinho!” A rainha ficou grávida e nasceu um porquinho. O rei não conseguia entender o motivo daquela desgraça, mas com o tempo a rainha se acostumou com a ideia de ter um filho porco. Só foi mais difícil educar, ensinar regras de etiquetas e boas maneiras. Ele cresceu e quis se casar. A mãe disse que moça alguma ia querer se casar com ele, mas, mesmo assim, conseguiu pretendentes. Primeiro foi a Isabel, que não aguentou, depois, a Florisberta, que também não deu certo. Só a Rosalinda que se apaixonou pelo porco e lutou até o final para desfazer esse encanto.

Gostei muito das histórias que a Maria contou neste livro. Acho que os mineiros são muito bons pra contar histórias, e a Maria é mineira. Meu pai me disse que quando ele era criança, os seus amigos se reuniam na rua, à noite, para contar histórias. O trato era o seguinte: todos tinham que contar histórias de medo pra ver quem aguentava ficar até o final. A brincadeira começava, e logo um deles já dizia. “Preciso ir embora, minha mãe está me chamando!” Um por um, iam saindo todos. Só ficava o Tim, um amigo de infância do meu pai, mineiro e que tinha muitas histórias pra contar – uma “pior” que a outra!

Fernando Pessoa

Os livros com poesias do Fernando Pessoa que eu li são dois: Eros e Psique e outros poemas e Quadras ao gosto popular. Um eu ganhei da Maria e o outro da Rosinha, com dedicatória e tudo. A Maria Viana fez a organização das poesias e a Rosinha ilustrou essa coleção, que foi publicada pela editora Larousse Júnior. A coleção tem outros títulos, mas eu só li esses dois. Fazia tempo que eu não lia poesia. Quando eu era criança, hoje sou um adolescente – outro dia li que a adolescência começa aos doze anos – eu lia muitas histórias contadas em verso. Tem muitos de escritores que escrevem para crianças e contam histórias em verso. Depois que eu cresci, eu li menos essas histórias e não tenho encontrado outras. Vou procurar mais e também vou arriscar a ler os poetas que escrevem pra gente grande. Quem sabe, eu entenda!  Já comecei por Fernando Pessoa. Disseram que é um bom começo!

Gostei muito das poesias do Fernando Pessoa que a Maria escolheu para colocar nesses livros. E as ilustrações da Rosinha me ajudaram a entender, melhor, as poesias. Olho pra elas, leio as poesias e tento adivinhar que parte da poesia a Rosinha colocou nos desenhos. É bem divertido! É difícil entender poesia, ainda mais essas, que tem muitas palavras difíceis. Eu li muitas vezes, a mesma poesia. Acho que poesia é pra ler assim, mesmo. Muitas vezes! E ler em voz alta, é melhor ainda. Vou colocar aqui, duas que eu escolhi. Uma de cada livro.

Redemoinha o vento,
Anda à roda o ar.
Vai meu pensamento
Comigo a sonhar.

Vai saber na altura
Como no arvoredo
Se sente a frescura
Passar alta a medo.

Vai saber de eu ser
Aquilo que eu quis
Quando ouvi dizer
O que o vento diz.

(Do livro Eros e Psique e outros poemas)

Duas horas te esperei
Dois anos te esperaria.
Dize: devo esperar mais?
Ou não vens porque inda é dia?

Duas horas vão passadas
Sem que te veja passar.
Que coisas mal combinadas
Que são amor e esperar!

Dias são dias, e noites
São noites e não dormi…
Os dias a não te ver
As noites pensando em ti.

(Do livro Quadras ao gosto popular)

Fernando Pessoa nasceu no dia 13 de junho de 1888, em Lisboa, Portugal. Ficou órfão de pai quando tinha apenas cinco anos e sua mãe casou-se novamente dois anos depois. Seu padrasto era cônsul em Durban, África do Sul, para onde a família mudou-se em 1895. Nessa cidade, Fernando Pessoa teve profundo contato com a língua e literatura inglesas. Em 1905, o poeta retorna definitivamente à Lisboa e matricula-se no Curso Superior de Letras e nessa época entra em contato com a produção literária em língua portuguesa e escreve muitos poemas, além de colaborar com artigos e ensaios para várias revistas e traduzir obras de poetas ingleses. A partir de 1908, começa a se dedicar à tradução de correspondência comercial, que foi sua profissão até a sua morte em 1935, com apenas 47 anos. Sua obra, praticamente inédita em vida, começou a ser publicada a partir de 1943, e Fernando Pessoa se transformou em um dos maiores poetas da língua portuguesa de todos os tempos.

Maria Viana nasceu em Carangola, Minas Gerais, em 1965, mas desde 1987 mora em São Paulo. Estudou Artes Cênicas na UFMG e Letras na Universidade de São Paulo, onde atualmente faz o mestrado no IEB (Instituto de Estudos Brasileiros). Foi atriz, contadora de histórias e educadora, além de trabalhar em várias editoras com edição de livros didáticos e literatura para crianças e jovens. Já organizou várias antologias de contos e criou algumas das histórias que contou como atriz, mas A lenda dos diamantes e outras histórias mineiras é a sua primeira publicação em livro.

Rosinha nasceu em Recife, em 1963, e atualmente mora em Olinda. É formada em Arquitetura pela UFPE, profissão que exerceu até o dia que se apaixonou pela literatura para crianças e jovens e escolheu trabalhar com ilustração e formação de leitor. Há dois anos um novo desafio que tem dado muito prazer é o de escrever para esse público. Já recebeu vários prêmios, inclusive um Jabuti, em 2011, pela ilustração da coleção Palavra rimada com imagens, que ela também fez o texto.

Denise Nascimento nasceu em Belo Vale, interior de Minas Gerais, em 1969. Designer, graduada pela Universidade Estadual de Minas Gerais, trabalha também como ilustradora desde 1998. Seu trabalho faz parte dos catálogos da FNLIJ, organizados para as Feiras do Livro de Bolonha de 2007 e 2009, assim como do catálogo Patrimônio e Leitura, elaborado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, em 2007.

Li Tolstói

Na semana passada continuei minhas buscas por escritores consagrados, que ficaram famosos escrevendo para adultos, mas que também publicaram livros infantojuvenis. Procurei na internet e encontrei um livro infantil de Liev Tolstói. Eu já tinha ouvido falar do Tolstói e já tinha lido alguma coisa sobre os grandes escritores russos. O livro se chama De quanta terra precisa o homem?. Fiquei curioso pelo título e louco pra ler um livro do Tolstói. Fui procurar na minha biblioteca – aquela que a prefeitura quer derrubar, junto com todo um quarteirão do meu bairro, pra construir um prédio de apartamentos – mas não encontrei. Então fui à livraria com o meu pai e comprei o livro. Quando fomos ao caixa pagar, a moça me perguntou, espantada: – É um infantil do Tolstói?! – Sim, eu respondi, já posso ler Tolstói! – Ler e entender, ela completou. Rimos e saí feliz de lá, com o meu livro do Tolstói na mão.

Não via a hora de chegar em casa e ler. No caminho já fui pensado no post que eu iria escrever pra contar que eu tinha lido esse livro. Já fiquei imaginando o título do post: LI TOLSTÓI! Perguntei ao meu pai se ele não achava esse título muito óbvio e ele respondeu: – Sim, é obvio, mas é impactante, meu filho. Quando cheguei em casa, nem quis comer, sentei, li o livro todinho, reli, vi as ilustrações e fiquei muito feliz. Era minha primeira vez com Tolstói. Lembrei da primeira vez que eu li Machado de Assis. Eu também fiquei feliz, assim, e até contei isso aqui. É uma sensação tão boa, “uma felicidade que não cabe dentro de mim” – uma vez eu ouvi isso, e era exatamente o que eu estava sentido naquela hora. Precisava dividir a minha felicidade e contar pra mais alguém que eu tinha lido Tolstói. – Vou ligar pro pessoal da Sintaxe.

– E aí, pessoal, beleza?

– Beleza, Heitor. Alguma novidade?

– Li Tolstói!

– É mesmo?! Que livro você leu?

De quanta terra precisa o homem? e já vou falar dele no próximo post.

– Você não vai acreditar…

– No que?

– Agora mesmo nós estávamos conversando e pensando em mandar um livro do Tolstói pra você.

– Esse mesmo livro?

– Não. Outro… é um livro do Tolstói que tem algumas histórias para crianças. Ele se chama Contos da Nova Cartilha: Segundo Livro de Leitura.

– Que legal! O Tolstói escreveu mais histórias pra crianças?

– Sim, ele foi um escritor muito preocupado com a educação, criou uma escola para crianças pobres e escreveu as cartilhas e os livros que eram usados na sala de aula. E a editora Ateliê vai publicar um desses livros.

– Eu quero ler esse livro também.

– E tem mais… foram alguns alunos de uma escola russa que fizeram as ilustrações, especialmente para essa edição.

– Manda logo esse livro pra mim, então. Quero ler e falar dele, também, no próximo post.

– Mas o livro ainda não está pronto…

– Só se eu esperasse, então, e fizesse esse post depois… mas eu estou tão animado e louco para falar do Tolstói.

– Faz o seguinte… nós vamos conversar com a editora e ver se dá para mandar o PFD pra você.

– Que PDF?

Quando os jornalistas querem escrever sobre um livro antes de ele ser impresso, nós mandamos uma prova ou o PDF, que é um arquivo com as imagens do livro. Daí ele pode imprimir ou ler na tela do computador. Os jornalistas, muitas vezes, leem um livro, antes, mesmo, de ele ser publicado.

– Então eu também vou poder ler um livro, como um jornalista, antes dele ficar pronto?!

– Vamos ver, se o PDF estiver aprovado, nós mandamos pra você.

– OBA!

– Me fala, Heitor, e a sua luta política, como anda?

– O Condephaat está analisando o tombamento do quarteirão…. mas eu estou com medo. E se eles resolverem não tombar? O que nós vamos fazer? Vou ligar pro Helcias pra saber quando vai ser a nossa próxima reunião.

– Isso, liga, mesmo e depois avisa a gente. E tem mais novidades?

– Tem sim, tem uma novidade bem legal! A assessoria de imprensa do movimento em defesa do quarteirão me entrevistou.

– É mesmo? E pra que eles entrevistaram você?

– Pra fazer um release e mandar pra imprensa. Eles vão divulgar o movimento, e vão aproveitar, e falar do meu blog e da minha participação na luta.

– Que bom! E quando vai rolar isso?

– Eu já respondi a entrevista e eles me mandaram um e-mail dizendo que já vão “disparar o release para imprensa.” Eles disseram também, “que fizeram alguns contatos pra conseguir emplacar a pauta, e acham que vão conseguir.” Isso é bom?

– Isso é ótimo, Heitor!

– Tomara que saia matéria no jornal pra eu contar aqui no blog.

– Se tiver alguma novidade, conta pra gente, viu?

– Claro! Vocês serão os primeiros a saber.

Dois livros de Tolstói

O pessoal da Sintaxe conversou com a editora Ateliê e me mandaram o PDF. O livro do Tolstói Contos da Nova Cartilha: Segundo Livro de Leitura nem está impresso ainda, e eu já li. Li também o De quanta terra precisa o homem?, que foi o meu primeiro Tolstói. Já li dois livros do Tolstói e hoje vou falar deles aqui.

De quanta terra precisa o homem, escrito por Liev Tolstói, ilustrado por Cárcamo, que também fez a tradução e a adaptação, e publicado pela editora Companhia das Letrinhas conta uma história que começa com uma visita que a irmã mais velha faz para a irmã mais nova. A mais velha morava na cidade e era casada com um comerciante rico, a mais nova morava numa aldeia e era casada com um camponês. Elas se sentaram para tomar chá e conversar. A mais velha começou a se gabar das vantagens de viver na cidade, do conforto e da boa vida. Ela e as crianças se vestiam muito bem, comiam e bebiam a vontade, passeavam iam às festas, assistiam a espetáculos de teatro e muitos outros divertimentos.

A mais nova, que morava na aldeia, ficou ofendida e começou a criticar a vida na cidade e a defender a vida no campo. Disse que não trocaria a vida dela por nada, que viviam humildemente, mas pelo menos não viviam com medo. “Sua vida pode ser melhor que a nossa, podem ganhar muito dinheiro, mas também podem perder tudo.” E acrescentou: “Hoje, você está rica e, amanhã está pedindo esmolas.” E ainda continuou: “A vida no campo é mais segura. Não vamos ficar ricos, mas tiramos da terra o suficiente para não passarmos fome.” E a irmã mais velha deu o troco: “O suficiente para não passar fome? Claro! Se dividem o alimento com as vacas, os porcos e as galinhas. O que sabem vocês de moda e elegância? Por mais que seu marido trabalhe, vão viver e morrer no meio do esterco. E assim vão continuar os seus filhos.”

E a discussão foi esquentando: E o que você tem com isso? Perguntou a mais nova e disse que sua vida era rude, mas era segura. “Vocês vivem cercados de tentações. Hoje pode estar tudo bem, mas amanhã o diabo pode tentar o seu marido com cartas e vinho, e todo esse encanto de que você se pavoneia estará arruinado.” Pahkóm, o dono da casa, marido da mais nova, que estava sentado perto da lareira e ouvia as duas irmãs tagarelarem, pensou: “É a pura verdade. Desde a infância ocupado com a terra, um caipira como eu não tem tempo de encher a cabeça com bobagens. Nossa única preocupação é a falta de terra. Se eu tivesse muita terra, não temeria nem mesmo o próprio diabo.” Este é só o começo da história, depois disso Pahkóm vai atrás de mais terras, passa por alguns testes e no final o livro mostra De quanta terra precisa o homem.

Contos da Nova Cartilha: Segundo Livro de Leitura, escrito por Liev Tolstói, traduzido por Aurora F. Bernardini e Belkiss Rabello, ilustrado pelas crianças da Escola Infantil de Artes N. 9, da cidade de Ijevsk, e publicado pela Ateliê Editorial tem 38 histórias. São fábulas, histórias reais, contos folclóricos, e outros textos, que eram usados na sala de aula da escola rural que o escritor russo criou. Tolstói se preocupava com a educação das crianças e dos pequenos camponeses e por isso produziu livros de histórias para crianças e também cartilhas. Graças ao apoio de Nádia Wolkonsky, Lev Rodnov e Elena Vássina, essa edição da Ateliê conseguiu juntar algumas crianças de uma escola russa, que leram os textos originais, discutiram entre elas e depois fizeram os desenhos. Cada história tem uma ou mais ilustrações dessas crianças com o nome e a idade de quem fez. Cada desenho conta pra gente o que aquela criança russa entendeu da história. Isso é bem legal!

Macha Góreva, 8 anos

Tem a história da menina e os cogumelos que caíram nos trilhos do trem; do burro que se vestiu de leão; da andorinha e a galinha, que chocou os ovos da serpente; do índio, que prende um inglês e mesmo tendo seu filho morto por ele, deixa-o ir embora; do veadinho e do cervo que tinha medo dos cães; do mercador que perdoa o ladrão, que já tinha sido seu amigo; da raposa e as uvas, que ainda estavam verdes; dos homens que buscavam pedras preciosas e o que menos trabalhou foi quem pegou a maior; das empregadas, que mataram o galo pra não acordarem tão cedo e se deram mal; do camponês que queria construir um moinho que não precisasse de água, vento ou cavalo; do pescador que pescou um peixinho miudinho; do tato que desmente a visão e vice-versa; da raposa e o bode que bebeu muita água; do camponês que descobre um jeito bem fácil de tirar uma enorme pedra do meio da praça; e muitas outras.

Génia Lupatchiov, 12

Tem uma história, foi a que eu mais gostei. Ela me fez lembrar de outra história que aconteceu comigo. Faz tempo, eu era bem pequeno.

Um passarinho – acho que era um pardal – fez o seu ninho na caixa de relógio, que fica no terraço da minha casa. Eu o via trazendo os galhinhos pra dentro da caixa e acompanhei toda a sua rotina. Depois de alguns dias, ele botou os ovos no ninho, e ficava quase o tempo todo chocando, mas quando saía pra comer, eu podia ver que os ovinhos eram bem pequenos. Um dia os filhotes nasceram. Eram feinhos e peladinhos. A mãe saía pra buscar comida e eu podia ver bem de pertinho. Com o tempo criaram penas, ficaram bonitos, cresceram, aprenderam a voar e foram embora.

Essa minha história, que lembra a do Tolstói, tem um final feliz, apesar de eu ter sentido falta dos passarinhos, que foram os meus companheiros por muitos dias. Já a do Tolstói, que se chama “Titia conta como um pardal chamado Vivinho foi domesticado”, é bem triste, mas é muito bonita.

Uma história inteira

Adel Siniáguina, 12 anos

Eu já tinha fechado o texto do post, quando pensei que poderia publicar aqui uma história inteira para dividir com vocês, o privilégio de ler um livro, ou pelo menos parte dele, antes mesmo de ficar pronto. Falei com o pessoal da Sintaxe e eles conversaram com a Ateliê, que autorizou a publicação. Escolhi uma bem curtinha, é uma fábula. Ao lado coloquei a  ilustração da história, de Adel Siniáguina, que tem 12 anos, mora na Rússia e também estuda na Escola Infantil de Artes N. 9, na cidade de Ijevsk.

“Três broas e uma rosca”

Um mujique sentiu vontade de comer. Ele comprou uma broa e a comeu; mesmo assim, continuava com fome. Comprou outra broa e a comeu; continuava com fome. Comprou uma terceira broa e a comeu; mesmo assim, continuava com fome. Depois, comprou uma rosca e a comeu, ficou satisfeito. Então, o mujique bateu na testa e falou:

— Que bobo eu sou! Para que fui comer três broas à toa? Podia ter comido a rosca logo de cara.

Liev Tolstói nasceu na Rússia em 1828, numa grande propriedade chamada Iasnaia Poliana (campina clara). Filho de uma importante família ligada aos czares, ficou órfão ainda criança. Na universidade, na cidade de Kazan, estudou línguas orientais e direito. Em 1847 recebeu como herança a Iasnaia Poliana. Em seguida viajou por vários países da Europa e regressou à Rússia para administrar as terras e dedicar-se à literatura. Em 1859 criou nesse lugar uma escola rural para crianças pobres, e ele mesmo escreveu as cartilhas e os livros usados em sala de aula. Escreveu Guerra e paz e Anna Karenina, duas das maiores obras literárias de todos os tempos. Perseguido e excomungado pela Igreja, seus últimos anos são de engajamento social. Tolstói morreu em 1910, aos 82 anos de idade.

Gonzalo Cárcamo nasceu em 1954 no Chile, mora no Brasil desde 1976 e colabora nas principais publicações. Já recebeu alguns prêmios por seu trabalho, entre eles o de melhor caricatura nos salões internacionais de Humor do Piauí (1987) e de Piracicaba (1988), e o prêmio HQMIX de melhor ilustração de livro infantil (2002, 2004 e 2005). É autor de cinco livros infantis e de um livro de aquarelas sobre Paraty. Ganhou o prêmio FNLIJ 2007 de Melhor Ilustração pelo livro Thapa Kunturi – Ninho do condor. Tem profunda admiração pelos escritores russos e para ele, foi uma realização ter ilustrado De quanta terra precisa o homem, do Tolstói.