Fui à minha primeira passeata

Já falei muitas vezes aqui da biblioteca do meu bairro, da minha biblioteca, a Anne Frank. Quando eu era criança, hoje já sou um pré-adolescente :-), ia lá com a minha mãe ou com a minha professora e a turma da escola. Depois eu cresci e aprendi a ir sozinho. Contei aqui o dia em que eu fui sozinho, pela primeira vez, à biblioteca do meu bairro (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=172). Depois desse dia, eu fui muitas vezes. Vou lá para pegar livros, ler, estudar ou assistir a contações de histórias. Ela fica em um lugar gostoso, cheio de árvores e passarinhos. Eu também já falei aqui que a prefeitura quer fechar a minha biblioteca. Eles pretendem vender o terreno onde ela fica para construir prédios. Parece que isso tem um nome, chama-se especulação imobiliária. É um terreno bem grande, um quarteirão, e não tem só a biblioteca, tem também duas escolas, creche, teatro, dois serviços de saúde e a APAE. A biblioteca está lá desde 1946, há 65 anos. Primeiro ela foi construída onde hoje fica o teatro, e em 1955 foi inaugurada a casa onde ela está até hoje. Nesse tempo ela passou por muitas reformas, a última foi em 2004, em que ela foi totalmente transformada e ganhou instalações bem modernas, mas a fachada da casa foi preservada. A Anne Frank é a primeira biblioteca infantil de São Paulo, construída fora do centro da cidade. Nesta semana eu fui lá por outro motivo. Fui participar de uma passeata em defesa daquele quarteirão e da minha biblioteca. Fui à minha primeira passeata.

A passeata reuniu quase mil pessoas, que caminharam pelas ruas com faixas, carro de som e cantaram: “Aha-uhu, o quarteirão é nosso!” No final todos deram as mãos e abraçaram o quarteirão. Eu estava lá, de mãos dadas com as pessoas, ajudando a defender a minha biblioteca. Estavam também o padre da paróquia, um deputado, um vereador, as crianças da creche, os meninos e meninas das escolas do quarteirão, e de outra escola estadual que fica no bairro. Quem está apoiando esse movimento desde o início e também foi à passeata é a atriz Eva Wilma, que vive há muito tempo na rua da biblioteca e sabe da importância dela e dos outros serviços para as pessoas que moram ou trabalham no bairro. Eu conversei um pouquinho com a Eva Wilma, falei para ela que eu frequento a biblioteca, tenho um blog e queria saber o que ela acha do fechamento da Anne Frank. E ela me disse:
– “A Biblioteca Anne Frank deve ser preservada, pois, além de ser muito importante para a comunidade, ela tem uma importância histórica, que remonta a Monteiro Lobato, e poucas pessoas sabem disso.”
Como tinha muita gente querendo falar com ela, eu não consegui perguntar o que Monteiro Lobato tinha a ver com a minha biblioteca, então eu fui pesquisar e encontrei: foi ele quem escolheu o terreno onde foi construída a Biblioteca Anne Frank, que na época se chamava Biblioteca Infantil do Itaim. Não é legal isso: a biblioteca está lá por causa do Monteiro Lobato!!! E a prefeitura, mesmo assim, quer tirar de lá!

No final da passeata eu fui conversar com o João Gabriel, o meu amigo bibliotecário. Ele sempre me dá dicas de leitura, já sabe do que eu gosto e escolhe uns livros bem legais para eu ler. Mas desta vez o assunto não foi livro, eu queria saber como ele está se sentindo com a possibilidade de a nossa biblioteca fechar. E ele me disse: – “Pois é, Heitor, eu estou preocupado, pois a biblioteca não atende só a comunidade do bairro, atende também outros bairros e até cidades próximas a São Paulo.” E continuou: – “Às vezes eu vejo três gerações frequentarem juntas a Anne Frank – avô, pai e filho – e todas têm uma história com a biblioteca. A Anne Frank deve ser mantida não só pela questão do espaço, mas pelo amor e pelo carinho que as pessoas têm com ela”. E finalizou: “Ao contrário daquilo que tem sido dito, a Biblioteca Anne Frank funciona em um prédio bem estruturado, com instalações adequadas e que passou por uma grande reforma recentemente.”

Nas próximas semanas será encaminhado à Câmara Municipal, para votação, um projeto de lei, que autoriza a venda desse terreno para uma construtora. Em troca ela deve construir creches pela cidade. Temos que convencer os vereadores da importância de preservar esse espaço e manter a biblioteca e os outros serviços aqui no bairro, do jeito que estão. Na segunda-feira, dia 28/03, às 19h00, haverá, lá na Câmara, uma audiência pública para tratar desse assunto. Vou ver se o meu pai pode me levar. Não quero perder nenhum capítulo dessa história e quero que salvem a minha biblioteca.

Li um livro numa sentada

Hoje eu vou contar a história de um livro bem legal. Tão legal, que eu li numa sentada! Quando eu ouvi pela primeira vez essa expressão, eu achei muito engraçada: ler numa sentada! Eu já usei essa expressão outra vez aqui no blog. Mas no meu caso, e desta vez, não foi exatamente numa sentada. Foi numa deitada! Eu li esse livro no domingo passado, deitado no sofá da sala de casa. Às vezes eu gosto tanto de um livro, que eu leio sem parar, até chegar ao final. Não sei o que é que acontece, se é o jeito que ele é escrito, ou pela própria história e como ela é contada. Tem vezes que o assunto até não me interessa tanto, mas a forma como o escritor conta, me prende de um jeito, que eu me esqueço da vida e das outras coisas que eu tenho pra fazer, e fico só lendo. Mas também já teve vezes que eu comecei a ler um livro e no início ele estava meio chato, muita descrição, muitos detalhes, sei lá, essas coisas que me fazem distrair e me perder na leitura. Quando é assim, eu insisto, e muitas vezes dá certo. Vou descobrindo a história, conhecendo os personagens, entendendo o jeito de o escritor contar, e no meio, o que era chato passa a ser bem gostoso. É como aquelas pessoas que quando a gente vê pela primeira vez, não vai muito com a cara, mas depois, conhecendo melhor, viram grandes amigos. Quem não teve uma pessoa assim na vida, e um livro?

Esse livro foi a miki que me emprestou. Eu já falei dela aqui no blog (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=731). Ela escreveu e ilustrou Vestida para espantar gente na rua e vive inventando coisas. Naquele dia ela me disse: – “Leva esse livro emprestado, Heitor, eu adorei, li mais de uma vez. Leia e depois me conte, acho que você vai gostar”. – E eu gostei, mesmo, miki, adorei, também. O nome do livro é Nuno 100 novidades, o autor é o Pierre Gripari, o ilustrador é o Odilon Moraes, e foi publicado pela Editora Companhia das Letrinhas. O livro conta a história de um rapaz que não tinha novidades. Sempre que lhe perguntavam: – E então? Como foi? Ele respondia: – Sem novidades. Quando voltava ao trabalho, depois do final de semana, todos os colegas dele tinham coisas para contar. Um tinha saído para pescar e pegou um peixe bem grande, outro rodando de carro viu uma batida incrível, outro brigou com a sogra, o filho de outro caiu da árvore e quase se arrebentou, outro assistiu a um filme na TV. Só o Nuno não tinha visto e nem ouvido nada. E quando lhe perguntavam: – Mas afinal de contas, como foi que você passou esses dois dias? Ele respondia tranquilamente: – Eu? Sem novidades… Por isso ele era conhecido como Nuno-Sem-Novidades. Quem conta a história desse livro é o Tadeu, que vivia na mesma cidade que o Nuno, era mais novo do que ele e virou o seu grande amigo. Foi o Tadeu quem descobriu que o Nuno, na verdade, não era sem-novidades, ele sempre estava cheio de novidades, era, sim, o Nuno cem-novidades.

Ilustração do Odilon Moraes
As novidades do Nuno eram as histórias que ele contava. Ele conhecia muitos casos, podia contar um conto atrás do outro e sempre aumentava um pouco. Tadeu já conhecia o Nuno de vista e um dia ele tinha acabado de fazer 12 anos e foi à biblioteca municipal devolver o livro que tinha emprestado e pegar outro, como ele mesmo conta: – “Lá chegando, tenho a grande surpresa de ver Nuno sentado à mesa de atendimento, no lugar antes ocupado por uma senhora a quem a gente se dirigia para as devoluções e empréstimos. Ele havia arranjado esse novo emprego”. Como o Tadeu frequentava muito a biblioteca eles acabaram ficando amigos, “meu melhor amigo”, dizia Tadeu. Conversavam na biblioteca ou no banco da praça, onde eles se encontravam à noite, depois do jantar. “As melhores noites eram as de segunda-feira, porque ele então me contava histórias. Não histórias que tivessem acontecido com ele, é claro – porque, como vocês sabem, jamais lhe acontecia nada -, mas histórias de gente que ele havia encontrado ou de quem tinha ouvido falar”, contou o Tadeu, que desconfiava que muitas dessas histórias nunca tinham acontecido de verdade, nem com o Nuno e nem com ninguém, e o Nuno nem disfarçava e inventava suas histórias enquanto conversava.

As primeiras conversas aconteceram mais ou menos assim:

Tadeu começava provocando o Nuno.

– E então Nuno, passeou bastante ontem?

– Ah, passeei bastante, sim.

– E o que te aconteceu desta vez?

– Não aconteceu nada…

– Mas nada mesmo?

– Mesmo. Você sabe muito bem que comigo nunca acontece nada.

– É, mas sei lá, você pode ter encontrado alguém, ou alguma coisa…

– É… pode ser… Deixa ver: quem?

E então ele fingia que estava fazendo força para se lembrar e Tadeu dava algumas sugestões.

– Encontrou um marinheiro, um camponês, um guarda, uma vaca, uma cobra, um cachorro.

– É acho que encontrei alguém…, mas quem?

E Tadeu respondeu:

– Uma raposa.

Nuno reagiu na mesma hora:

– Isso, mesmo garoto! Eu tinha me esquecido! Uma raposa! Uma raposa-macho, aliás. Um raposo. Reinaldo-Raposo.

E lá veio a história do Reinaldo-Raposo, que havia saído de um livro e com quem o Nuno tinha se encontrado e conversado na língua das raposas. Além desta foram muitas e muitas histórias, que o Nuno inventou e contou para o seu amigo Tadeu, e estão todas lá, nesse livro.

Pierre Gripari nasceu na França, em Paris, em 1925 e morreu em 1990. Além deste livro, ele escreveu Contos da rua Brocá, que também deve ser bem legal. Filho de mãe francesa e pai grego, de Míconos, ele escreveu romances, contos fantásticos e muitos livros infanto-juvenis.

Achei um vídeo na internet e li o livro

Hoje tem novidade diferente no blog! Achei um vídeo na internet e fui procurar o livro, A menina que odiava livros. Coloquei o vídeo aí embaixo! Ele é bem legal e o livro é melhor ainda. Como o nome já diz, eles contam a história de uma menina que odiava livros. Seu nome é Meena e seus pais tinham livros por todo canto da casa. – Eles estão sempre no caminho, ela reclamava. Além das estantes e mesinhas, onde os livros geralmente ficam, havia livros nos armários da cozinha, em gavetas, mesas, nos guarda-roupas, nas camas, sobre o sofá, escadas, uns entulhados na lareira e outros empilhados nas cadeiras. Até na pia do banheiro havia livros e a menina não podia nem escovar os dentes direito. Um dia o seu gato Max subiu na maior pilha de livros da casa. Era a pilha dos livros que ela tinha ganhado dos seus pais e nunca tinha lido nenhum. Quando falavam para ela ler, ela dizia e às vezes até gritava: EU ODEIO LIVROS! Meena subiu na pilha para pegar o gato, derrubou todos os livros e aconteceu uma coisa que mudou a sua vida.

A menina que odiava livros, publicado no Brasil pela Editora Melhoramentos, foi escrito por Manjusha Pawagi e ilustrado por Leanne Franson. A autora nasceu na Índia e cresceu no Canadá. Hoje ela trabalha na cidade de Toronto como advogada em defesa dos direitos das crianças. A ilustradora mora e trabalha em Montreal e desde criança é fã de livros e desenhos. E como esse mundo é pequeno, eu conheço a moça que fez a tradução deste livro para o português. O nome dela é Adriana de Oliveira e ela é amiga do pessoal da Sintaxe. Ela já trabalhou em um monte de editoras, está fazendo doutorado em antropologia e orienta as pessoas que querem escrever livros. Preciso conversar mais com ela! Ela me falou que gostou muito de traduzir a história dessa menina que tinha a casa inundada por livros e disse ainda que esse livro é “um recado para os pais”, que querem que os seus filhos tomem gosto pela leitura.