O Machado, o Museu e o Pessoa

Já estava com saudades de escrever no blog. Na semana passada não coloquei nenhum post aqui. Como sempre, tinha muita coisa para estudar. Também eu ia sair no final de semana para dois passeios da hora e já tinha pautado – como eu aprendi com uns amigos jornalistas – falar deles aqui no blog. No sábado de manhã eu fui ao lançamento de um audiolivro da editora Livro Falante. Achei o maior barato o nome dessa editora. Lembra o grilo, que assim como o livro, também era falante. Era um audiolivro do Machado de Assis, o Quincas Borba. Eu nunca li nada do Machado de Assis, mas estou louco para ler. Falei com a minha professora e ela me disse que daqui a alguns anos a gente vai ler na escola. Não sei se vou ter paciência de esperar. Ela disse que se eu quisesse ler antes, poderia começar por uma história mais curta, um conto, por exemplo. Ela me falou de O Alienista, disse que é uma história muito engraçada. Acho que vou ler esse livro. Estou super ansioso e nervoso. Eu nunca li Machado de Assis. Será a minha primeira vez.

O lançamento foi no teatro da Livraria Cultura do conjunto Nacional, na avenida Paulista. Eu já conhecia essa livraria. Fui a uma sessão de autógrafos lá e contei aqui no blog (http://blogdoleheitor.sintaxe.com.br/?p=94). Quem fez a leitura do Quincas Borba para esse audiolivro foi o Rafael Cortez. Aquele mesmo do CQC. Ele é o maior barato! Eu pensei que ele só trabalhasse na televisão, mas ele faz muita coisa. Ele fez jornalismo, estudou música e também é ator. Além do Quincas Borba, ele já gravou outros livros do Machado de Assis para a Livro Falante, o Memórias póstumas de Brás Cubas, o Dom Casmurro e O Alienista. A Sandra, dona da Livro Falante, conheceu o Rafael numa peça de teatro. Gostou tanto dele, que o convidou para gravar esses audiolivros.

Nesse lançamento o Rafael tocou violão, fez um recital. Ele é violonista clássico e também compositor. Ele tocou aquela música “Se essa rua fosse minha…” no violão. Foi muito bonito! Disse que o arranjo que fez para essa música sintetiza sua relação com o Machado de Assis. “São variações de um mesmo tema”. Vou tentar explicar o que ele contou: no primeiro movimento a música é mais simples, como a primeira leitura que ele fez do Machado, quando criança; no segundo movimento, a música fica mais complexa, ganha mais notas, sua leitura na fase adulta, mais madura; no terceiro movimento, a música atinge o pleno amadurecimento, assim como a leitura que ele pretende fazer do Machado, quando tiver quarenta ou cinquenta anos. Isso aumentou ainda mais o meu desejo de ler o Machado. No final eu conversei com o Rafael e ele autografou o meu audiolivro. A Sandra disse que vai me dar o audiolivro do Drácula. Eu vou ouvir e depois eu conto aqui.

Meu sábado não parou por aí. Vocês não vão acreditar onde eu fui à tarde… Fui ao Museu da Língua Portuguesa! Ele fica na Estação da Luz. Conheci o Museu e o Fernando Pessoa. Foi muito legal! Assim que chegamos, disseram que o filme já ia começar, então fomos direto para o terceiro andar. Eles passaram um filme, narrado pela Fernanda Montenegro, sobre a importância das Línguas na formação dos povos, e sobre a Língua Portuguesa, que termina com uma palavra bem legal: “idiomaterno”. A Língua é a nossa mãe! Nós que falamos português somos todos filhos de uma mesma mãe portuguesa.

Fernando Pessoa
Depois do filme a tela subiu e a gente entrou no palco. Lá foram projetados textos e palavras de escritores de Língua Portuguesa, com a leitura de autores e artistas. Há uma parte bem bacana de uma portuguesa. Ela disse que gosta de ouvir o português dos brasileiros, pois nós pronunciamos todas as vogais. É verdade, os portugueses comem as vogais!

No segundo andar tem um telão de mais de cem metros de comprimento e que pega toda a extensão da Estação da Luz. Nele passam muitos vídeos que falam sobre a Língua Portuguesa e as diversas manifestações culturais e artísticas dos povos que falam português. Fiquei quase meia hora vendo esses filmes. São bem legais! No segundo andar tem também uma linha do tempo na parede, que conta a história da Língua Portuguesa do Brasil e vai desde os seus primórdios até os dias de hoje. Com textos, fotos e desenhos, ela mostra o aparecimento da Língua e as transformações das culturas e dos povos que falam português. Tem tanta coisa para ler que não dá tempo de ler tudo.

No primeiro andar tem a exposição do Fernando Pessoa. Ele é um poeta português muito conhecido. Eu que tenho 11 anos e nunca li Fernando Pessoa reconheci alguns versos das poesias dele que estavam lá escritas: “O poeta é um fingidor / Finge tão completamente / Que chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente…” Não é bonito? E outro: “Tudo vale a pena / Quando a alma não é pequena…”. Tem outra frase que eu gostei muito e que fala, pelo menos do que eu entendi, de descobrir as coisas pelas palavras: “Quem não vê bem uma palavra não pode ver bem uma alma”. Acho que quanto mais conhecemos as palavras, mais conhecemos o mundo.

Fernando Pessoa, assim como Machado de Assis, escreveu em português. Machado era brasileiro e Pessoa era português. Eu também escrevo e falo em português. Saber isso me dá uma sensação tão gostosa. A sensação de fazer parte dessa turma, não só a turma de Machado e Pessoa, o que seria uma pretensão, mas a de fazer parte de um povo (são mais de 200 milhões de pessoas em todo o mundo), que fala e escreve em português. De alguma forma, eu conheço todas essas pessoas. Isso é muito bom!

Fernando Pessoa também criou diversos heterônimos. Os heterônimos são várias personalidades inventadas por um mesmo autor. Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis foram alguns dos poetas criados pelo Fernando Pessoa. Eles tinham um estilo próprio de escrever e até biografia. Alberto Caeiro, por exemplo, nasceu em 16 de abril de 1889 e morreu em 1915. Ele foi um poeta ligado à natureza e desprezava qualquer tipo de pensamento filosófico. Depois de conhecer Fernando Pessoa acho que eu descobri o que eu sou: Sou um heterônimo!

Li um Kafka (ou quase)

Na semana passada o pessoal da Sintaxe ligou e me disse: – Heitor, você vai ler um Kafka! Parecia uma ameaça. Fiquei com medo e perguntei: – Isso é perigoso? Quem é esse Kafka? Eles riram e me acalmaram: – Não tem perigo, nenhum, Heitor. E me falaram um pouco dele: “Kafka é considerado um escritor complexo e os seus personagens sofrem de conflitos existenciais. Ele nasceu na cidade de Praga em 1883 e morreu em 1924, vitima da tuberculose, aos 41 anos, em um sanatório perto de Viena. A maior parte de sua obra foi publicada depois da sua morte. No mundo kafkaniano os personagens não entendem o sentido de suas vidas e sempre estão em confronto com o poder das instituições. Suas histórias mostram o tamanho da impotência e da fragilidade do ser humano”. – Eu estou achando perigoso, sim, ler esse Kafka, eu disse, zoando com eles. – Na verdade, Heitor, você vai ler um livro que conta uma história que aconteceu com o Kafka, um ano antes de sua morte. Essa história foi contada por Dora Dymant, sua mulher nessa época. Vamos mandar o livro para você. Você vai gostar!

Recebi o livro em casa. Ele se chama Kafka e a boneca viajante, foi escrito pelo espanhol Jordi Sierra i Fabra, tem ilustrações de Pep Montserrat, e foi publicado no Brasil em 2008 pela editora Martins Martins Fontes. O livro é maravilhoso! A história é emocionante. Quem não leu, precisa ler. Era o início do verão de 1923, Kafka morava em Berlin e ia todas as manhã ao parque Steglitz. A paz e o silêncio desse parque faziam bem à sua saúde. Um dia ele estava no parque e ouviu o choro alto de uma menina, que estava muito perto dele. “Ela chorava em pé, desconsolada, tão angustiada que parecia trazer no rosto toda a dor e a aflição do mundo”. “Franz Kafka olhou para um lado e para o outro. Ninguém notava a menina. Estava sozinha”. Ele não sabia o que fazer. Se conversava com ela ou simplesmente ia embora. Ele nunca tinha ouvido alguém chorar daquele jeito.

Kafka pensou muito e decidiu falar com a menina. – Olá. O que aconteceu? Você se perdeu? – Eu não, ela respondeu. – Quer dizer que você não se perdeu. – Eu não, já disse. – Quem então? – Minha boneca. – Sua boneca? – É. A menina chorava e parecia sofrer muito. “Eram as lágrimas mais sinceras e dolorosas que já tinha visto. Lágrimas de uma angústia suprema e de uma tristeza insondável”. Ele não sabia o que dizer à menina. – Onde você a viu pela última vez? – Naquele banco. – E você onde estava? – Estava brincando. – E ficou lá muito tempo? – Não sei. Ele pensou e descobriu uma solução simples para a sua mente criativa de escritor.

– Espere um pouco, que bobagem a minha! Qual o nome da sua boneca? – Brígida. – Brígida, claro! E soltou uma risada para convencer a menina. – É ela, lógico! Desculpe, não me lembrava do nome! Às vezes sou tão avoado! Com tanto trabalho! A menina arregalou os olhos. – Sua boneca não se perdeu. Ela foi viajar. – Viajar? – Isso mesmo! Qual é o seu nome? – Elsi. – Elsi, claro! Lógico que era a sua boneca, porque a carta era para você. – Que carta? – A que ela escreveu, explicando por que foi embora tão de repente. Kafka disse a menina que, na pressa, tinha deixado a carta em sua casa, mas que lhe entregaria no dia seguinte. – Sou um carteiro de bonecas.

Assim que a menina saiu da praça e voltou para casa, Kafka percebeu que acabava de se meter numa tremenda confusão. Precisava escrever aquela carta. Com criança não se brinca, ele pensou: sem aquela carta, Elsi cresceria com o pior dos traumas: o de ser abandonada por sua boneca. Era escritor, mas nunca havia escrito uma carta de uma boneca viajante para a menina que fora sua dona até o momento da separação. Kafka foi para casa, se trancou em seu escritório e escreveu a carta. No dia seguinte, no horário combinado, levou a carta para menina. Elsi olhou o envelope, virou e viu o remetente: “Brígida. West End. Londres” Não faltou nem o selo.

Kafka leu a carta para a menina. Nessa carta a boneca explicava porque foi embora tão de repente sem se despedir. As despedidas são tristes e ela não queria ver Elsi chorar. Disse que a amava. Que as pessoas e as bonecas são feitas de sentimentos e emoções e que é preciso ir usando aos poucos. Disse também que depois de viver esses anos ao lado da menina, ela se sentia a boneca mais feliz do mundo. Mas que agora ela se preparava para inicar uma nova vida. Falou dos lugares que conheceu em Londres: o Picadilly Circus, passeio de barco pelo Tâmisa, caminhada pela Trafalgar Square e ainda assisitu, à noite, a uma peça de teatro no Soho.

Esse é só o começo da história do livro. Depois disso a boneca da menina foi à Paris, Viena, Veneza, Moscou, seguiu para a Espanha, Grécia, Hungria, cruzou o mar e foi à Africa, à Asia, à America do Norte e do Sul. Também cruzou o deserto do Saara, explorou a Índia, percorreu a muralha da China, nadou no mar Morto, escalou os picos do Himalaia. Esteve em Pequim, em Tóquio, em Nova York, em Bogotá, no México, em Havana, em Hong Kong. Pulava de um continente ao outro num abrir e fechar de olhos. E nesse tempo Kafka escreveu uma carta por dia. Mas isso não poderia durar a vida toda ou toda a infância da menina. Kafka tinha que dar um fim para essa história. Mas só lendo o livro para saber que fim o escritor deu para a história da boneca viajante.

Tem uma parte do livro em que a mãe de Elsi, curiosa pelas histórias contadas pela filha, lê as cartas, segue a menina e vai conversar com o carteiro de bonecas, Franz Kafka. Esse trecho do livro é muito emocionannte. Diz que Kafka chorou nesse encontro com a mãe de Elsi. Eu também chorei.     

Jordi Sierra

O escritor Jordi Sierra i Fabra nasceu na Espanha em 1947. Com mais de 300 obras publicadas de gêneros diversos. Criou a Fundação Jordi Sierra i Fabra, em Barcelona, e a Fundação Taller de Letras Jordi Sierra i Fabra para a América Latina, na Colômbia, que desenvolvem um intenso trabalho com crianças e jovens para estímulo à leitura e à criação literária.

O ilustrador Pep Montserrat nasceu na Espanha em 1966. Ilustrou diversos livros infantis e juvenis. Também trabalha como ilustrador para jornais como El País, na Espanha, e The New York Times, nos Estados Unidos. Desde 1998 é professor na escola de arte Massana de Barcelona.

Os escritores da Bienal

Este é o último post que eu escrevo sobre a Bienal. Estou muito feliz em fazer este blog. Acho que foi o maior presente que eu recebi neste ano. Com ele estou conhecendo um monte de escritores. E os comentários e e-mails que eu tenho recebido. Vocês nem imaginam como eu gosto quando eu falo de um escritor e ele vem aqui no blog, deixa um comentário ou manda um e-mail. Nunca pensei que isso fosse possível: os escritores que eu leio, lerem o que eu escrevo.  E os escritores que eu conheci na Bienal, então. Foram tantos, que não vai dar tempo de falar de todos.

Mas ainda tem uma coisa muito importante que eu estou sentindo falta no blog: dos comentários dos meninos e meninas da minha idade. No começo eles comentavam, diziam que estavam gostando do blog, que iam ler o livro que eu li e até sugeriram que eu lesse um livro que eles tinham lido. Depois eles pararam de comentar. Queria tanto que eles voltassem. Acho que eu vou pedir ajuda para a minha professora e ver se ela tem alguma ideia. Bem, agora eu vou falar um pouco dos escritores que eu conheci na Bienal, dos que eu vi, dos que eu não vi e dos que eu vi de longe.

No primeiro dia que eu cheguei à Bienal eu conheci a Maria Vianna. Ela trabalha como editora de livros. Ela é muito bacana! Disse que está acompanhando o meu blog e que está adorando. Cada pessoa que a gente encontrava ela dizia: – Esse é o Heitor, ele tem um blog, chama-se Blog do Le-Heitor. Você precisa ver como é bonito o blog dele! Ela fez a maior propaganda do meu blog. As primeiras escritoras que eu conheci nesse dia foram a Anna Claudia Ramos e a Sandra Pina. Elas são do Rio de Janeiro. A Sandra até deixou um comentário aqui no blog. Quero encontrá-las de novo, quando elas voltarem a São Paulo. Depois a Maria me apresentou a Rosinha Campos, que é de Recife e estava lançando um livro que se chama Maria que Ria. Pensei que fosse uma homenagem a Maria Vianna, por que ela é muito risonha, mas não era não.

Depois encontrei a Paula (eu já falei dela aqui no blog). Ela me mostrou a Aline Abreu, que estava passando por um estande. – Corre Heitor, vamos falar com a Aline, ela é muito legal! Naquele dia a Bienal estava cheia de gente. Corremos, corremos, mas não conseguimos alcançá-la. Perdemos a Aline de vista. Ela é ilustradora e também escreve livros e deixou um comentário no blog. A Paula também me apresentou a Luciana Savaget. A Luciana é jornalista, já fez muitas viagens e tem um monte de livros publicados. Ela também já viu o meu blog e até me mandou um e-mail. Conheci a Ingrid Biesemeyer Bellinghausen (espero que eu não tenha errado o nome dela). A Ingrid escreveu um monte de livros infantis. Ela tem um livro chamado Mundinho que eu li quando estava no primeiro ano.

No outro dia o pessoal da Sintaxe me apresentou ao Adriano Messias. Ele escreveu uma série de livros que se chama Contos para não dormir e que tem histórias de assombração. Eu vou ler um desses e se eu não morrer de medo eu volto aqui e conto para vocês. Outro escritor que eles me apresentaram e até me levaram ao estúdio de uma rádio para eu acompanhar a entrevista dele foi o João Bosco Bezerra Bonfim. Ele mora em Brasília e estava lançando um livro chamado Um pau-de-arara para Brasília. Ele é especialista em literatura de cordel, autografou um livro para mim e até fez uma dedicatória em verso. Vou ler esse livro e depois quero conversar com ele para saber mais sobre cordel.

Conheci também o Jeosafá Fernandez Gonçalves, que estava lançando dois livros infantis e outro dirigido ao professor, sobre como ensinar poesia na escola. Também conheci a Thereza Christina Rocque da Mota, que tem uma editora especializada em poesia e que estava lançando um livro chamado A vida dos livros, que já foi um blog e que conta o dia a dia do trabalho de fazer livros. Conheci a Eliana Sá, que estava lançando um livro infantil, que trabalhou na editora Globo e hoje tem sua própria editora, a Sá Editora. Conheci a Neuza Lozano Perez que lançou um livro sobre o Curupira e que também tem um blog e a Miriam Portela, que eu já falei dela no outro post. Conheci o Rafael Cortez do CQC, que gravou o audiolivro Quincas Borba, do Machado de Assis, pela editora Livro Falante.

Laerte na Bienal
Também encontrei – e já falei no outro post – a Katia Canton e o Jorge Miguel Marinho. A Katia deixou um comentário no blog e o Jorge já me mandou uns e-mails. Conheci a Tati Móes, ilustradora que morava em Recife e agora está em São Paulo, e o Ale Jordão, artista plástico que fez um livro de imagens com o cachorro dele. Também encontrei e conheci pessoalmente o Laerte. Já falei dele em outro post. Ele fez uma dedicatória para mim no livro dele. Não encontrei o Marciano Vasques. Ele tem um monte de livros infantis e já fez uma pequena biografia da Tatiana Belinky. Ele também tem um blog e já me mandou uns e-mails dizendo que gostou do meu. No dia do lançamento dele eu não pude ir à Bienal. Que pena!

Ah, teve também dois escritores bem famosos que eu só consegui ver de longe: o Ziraldo e o Maurício de Souza. As filas eram muito grandes para falar com eles e pegar autógrafos.

Depois de conhecer e conversar com tanta gente, não vai me faltar assunto para os próximos posts.