Li uma HQ e entrevistei o autor

Eu gosto muito de contar as histórias dos livros que eu leio. Foi, principalmente, por isso que eu ganhei este blog e essa história eu já contei lá no primeiro post. Mas hoje eu vou contar um tipo de história diferente. Um tipo de história difícil de contar, mas eu vou tentar. Vou começar primeiro por uma história bem curtinha que eu vi no jornal um dia desses. O nome da personagem dessa história é Lola, a andorinha. Cansada de voar Lola resolve andar de metrô, desce na estação, espera, espera, espera, e nada do trem vir. Decide voar pelo túnel para ver se encontra o trem. Mais a frente o trem está lá, parado. – Cansei de correr debaixo do chão. – Gostaria de voar? – Seria bárbaro! – Vamos ao aeroporto! Chegando lá: – Ué, cadê o avião, pergunta a andorinha. No final da história o avião aparece nadando no mar. Além de ser difícil contar, as Histórias em Quadrinhos (HQ) perdem a graça quando contadas. Vocês não acham?

Tem outra história em quadrinhos, do mesmo autor da Lola, que eu vi no jornal já faz algum tempo. Na época eu achei muito engraçada e saí por aí contando essa história. Ela é quase uma história de terror e as pessoas riam no final. Essa eu vou contar de memória. Eu acho que ela não tinha texto. Só tinha imagens. No primeiro quadro aparece aquele brinquedo que tem nos parquinhos de diversões: eu acho que se chama pesca surpresa. Vocês já viram um brinquedo desses? São diversos peixinhos de madeira enterrados na serragem. Você compra uma fichinha e tem direito de pescar um peixinho. Na parte enterrada do peixe vem escrito o prêmio que você ganha. Pois é, estava lá um menino pescando o seu peixinho. Ele escolhe o peixinho, prende o anzol na boquinha dele e vai puxando. O peixinho vai saindo da serragem e crescendo, crescendo, crescendo, até virar um peixão. Quando o peixe sai totalmente da serragem ele já ocupa um quadro inteiro da história, e no quadro seguinte ele engole o menino de uma só vez (pausa). No final o peixe se encolhe e volta para a serragem. O último quadro mostra todos os peixinhos enfiados na serragem e o parque em silêncio. Gostaram?

O autor dessas duas histórias é o Laerte. E hoje eu vou falar de um novo livro dele. O nome do livro é Carol. Acabou de ser lançado pela Editora Noovha América em parceria com o selo Sete Luas. O livro conta muitas aventuras da menina Carol, uma personagem criada pelo Laerte. Ela sempre está aprontando alguma com o Gabriel e a sua turma de amigos. A primeira história do livro se chama O Grito!! e é muito divertida. A Carol está no banheiro, sentada na privada e tem um lápis preso na orelha. Olha para o papel higiênico, com uma cara muito engraçada, e começa a puxar o papel e a desenhar nele. Vai puxando e desenhando, puxando e desenhando até que o papel acaba. Olha para o rolo vazio, com uma cara mais engraçada ainda, vira para a porta e grita – Mãe! Acabou o papel!!!

Tem outra história no livro que se chama Mães! A Carol está saindo de casa correndo para brincar na rua e sua mãe grita: – Carol! Onde você pensa que vai?!! – Você não vive dizendo para eu brincar lá fora, não? – Mas não pelada desse jeito. E a mãe vai vestindo a Carol com blusa, cachecol, gorro, bota… – Agora você pode ir… – Desistiu? Mas a Carol já tinha escapado pelo meio daquele monte de roupas e saiu de shorts e camiseta para brincar na rua.

Outra história do livro Carol, do Laerte

Terminei de ler o livro e me deu vontade de fazer umas perguntas para o autor, queria saber do trabalho dele, como ele cria os personagens, em quem ele se inspira… Falei com o pessoal da Sintaxe (a assessoria que fez este blog pra mim) e eles conversaram com a Sandra, da Editora Noovha América. A Sandra avisou o Laerte, que eu ia mandar umas perguntas e me passou o e-mail dele. Eu mandei as perguntas e ele respondeu.

Heitor – Como nasceu a Carol?

Laerte – Comecei a desenhar uma página para a revista ZÁ! em 1997, a que chamei de “O GRITO“. Consistia numa série de tiras, com personagens infantis. A Carol apareceu numa dessas tiras e achei que era uma garota encantadora. Tive vontade de fazer mais histórias com ela. Acabei ocupando toda a página com uma aventura só da Carol e de seus amigos. A revista ZÁ! não existe mais.

Heitor – Você vai fazer outras histórias com a Carol?

Laerte – Não tenho planos de fazer novas histórias, por enquanto.

Heitor – A Carol é “parente próxima” da Suriá?

Laerte – São duas garotas criadas por mim, o que as torna próximas…

Heitor – Você tem alguma preocupação quando cria um personagem infantil? É diferente de criar para adultos?

Laerte – O modo de inventar é igual, porque estou criando, de fato, para mim mesmo. No entanto, tenho que levar em conta o que é de cada idade – não faz sentido fazer para crianças uma narrativa que se baseia na experiência de um adulto. Já o vice-versa pode funcionar…

Laerte Coutinho nasceu em 10 de junho de 1951. Entrou na Universidade de São Paulo em 1969, para cursar a Escola de Comunicações Culturais, mais tarde Comunicações e Artes. Fez música, jornalismo, mas não terminou nenhum dos cursos. Começou a publicar no jornal do Centro Acadêmico e em 1972 fundou, com outros, a revista Balão, de quadrinhos. Em 1975 fundou, também com amigos a Editora Oboré, para atender as necessidades na área de comunicação dos sindicatos de trabalhadores. Colaborou com revistas e jornais, como Veja, Isto é, Folha de São Paulo, O Estado de S Paulo, O Pasquim e muitos outros. Fez histórias em quadrinhos nas revistas Chiclete com Banana e Circo, onde apareceram pela primeira vez os Piratas do Tietê. Já fez textos para TV e desenha para o jornal Folha de S. Paulo e também para o suplemento infantil do jornal, a Folhinha de S. Paulo.

Falha técnica – muitas pessoas tentaram colocar comentários no blog e foram bloqueadas com um antispan. O programador me explicou o que estava acontecendo: “Havia um plugin instalado que bloqueava algumas mensagens. O plugin foi desinstalado e esse problema já está resolvido”. Quem tentou e não conseguiu colocar o seu comentário, pode colocar agora que vai dar certo.

Fui sozinho à biblioteca do bairro

Já tinha ido outras vezes à biblioteca do meu bairro. Mas fui com a professora e a minha turma da escola ou com a minha mãe. Nunca tinha ido sozinho. Nesta semana eu estava em casa e pedi à minha mãe: – Posso ir à biblioteca, mãe? – Pode. Espera um pouquinho que eu te levo. – Não, mãe. Eu quero ir sozinho. – Por que você quer ir sozinho? – Sei lá, deu vontade. – Você não acha que é muito pequeno para sair assim, pela rua, sozinho. – Mas eu não vou sair, assim, pela rua. Eu vou à biblioteca. Não tem perigo, só são quatro quarteirões e eu presto bastante atenção na hora de atravessar. – E o que você vai fazer lá? Ora, mãe, o que uma pessoa faz numa biblioteca?

Muitas coisas, seu espertinho. Por exemplo: ela pode ficar lá, lendo um livro, ou pegar um livro emprestado para ler em casa. É isso que eu quero saber… Tudo bem, eu deixo você ir, mas quero que volte logo. – Tá bom, mãe, eu não vou demorar. Eu vou pegar um livro emprestado e volto para ler em casa. – Mas você não tem a carteirinha da biblioteca. Pra pegar livro emprestado precisa ter a carteirinha. – Eles devem fazer na hora. – Então leva um documento e uma conta de luz. Pra essas coisas eles sempre pedem comprovante de residência.

Sai pela rua, assim, sozinho, como disse minha mãe. Claro que eu já tinha estado outras vezes sozinho, mas desta vez foi diferente. Senti um frio na barriga, uma sensação estranha e gostosa. Era como se eu crescesse mais um pouco naquela hora. Outro dia eu aprendi uma palavra que explica direitinho o que estava acontecendo comigo: emancipar. Eu acho que eu estava me emancipando saindo sozinho para ir à biblioteca.

Cheguei lá, entrei e um rapaz muito simpático me atendeu. Ele me cumprimentou e perguntou o meu nome. – Heitor, eu disse. E você, como se chama. – Eu me chamo João Gabriel. Está procurando algum livro, Heitor. – Sim, estou. – Qual é o nome do livro? – Não sei. Estou procurando um livro pra ler, mas não sei o que quero. – Posso te ajudar? – Claro que pode. – Você gosta de ler? – Gosto – Quais foram os últimos livros que você leu? Falei da Alice, do Pandonar e do Encafronhador, que eu já contei nos posts.

João Gabriel é bibliotecário e gosta de ajudar as pessoas a escolher livros pra ler. Ele disse que sempre começa por essa pergunta, e depois faz outras: – O que você gosta de fazer? Você gosta de brincar? Gosta de aventuras? De viagens? Ele disse que para cada pessoa tem um caminho, e ele vai conversando, até encontrar o tipo de leitura que pode agradar essa pessoa. Ele não ajuda só as crianças, ele também orienta os adultos para escolher um livro. Essa biblioteca do meu bairro antes era só infantil, hoje ela atende crianças e adultos.

Ele disse que no seu trabalho de bibliotecário tem dois grandes desafios: o primeiro é despertar as crianças para outras leituras. Ele explicou: há crianças que só leem os bestseller ou os livros da moda. Quando esses acabam, elas não leem mais nada. Procuro mostrar para essas crianças que existem outras leituras tão boas, ou muitas vezes, melhores do que essas. – Tenho tido muito sucesso nessa batalha. O outro desafio é recuperar o desejo de leitura dos adultos que já perderam esse hábito. – Neste caso, procuro trabalhar com os bons autores contemporâneos ou indico um clássico que ele não tenha lido. Esse desafio é um pouco mais difícil, pois sou jovem e só estou iniciando minha carreira de leitor, disse o João Gabriel com muita humildade.

Bem, no final eu fiz a minha carteirinha da biblioteca do meu bairro. Ela serve para pegar livros em qualquer biblioteca da prefeitura, inclusive na Mário de Andrade, que foi reinaugurada nesta semana. Agora sou sócio do Sistema Municipal de Bibliotecas. Minha mãe tinha razão (mãe sempre tem razão rs rs rs): precisou de documento e comprovante de residência. Com a ajuda do bibliotecário João Gabriel, eu já peguei dois livros emprestados e tenho até quinze dias para ler e devolver. O primeiro é A ilha perdida, de Maria José Dupré. Minha professora já me falou dessa escritora, mas eu ainda não li nenhum livro dela. O João Gabriel contou que leu A ilha perdida quando era criança e que foi este livro que o fez se apaixonar pela leitura.

O outro livro que eu peguei é A invenção de Hugo Cabret, de um escritor americano chamado Brian Selznick. É um livro bem grosso, bonito e cheio de ilustrações. O João Gabriel me disse que a história desse livro é muito emocionante. Dei uma folheada e o livro começa como se fosse um filme de cinema. Eu vou ler os dois e vou voltar à biblioteca. Da próxima vez quero ficar na sala de leitura. É muito gostoso ficar lá, é silencioso, tem jardins em volta e muitas árvores. Agora eu já aprendi o caminho para ir sozinho à biblioteca do meu bairro, estou emancipado.

A Camila e a Sabrina deixaram um comentário no blog perguntando se eu já tinha lido o livro O menino e o boi do menino, de Cyro de Mattos, da editora Biruta. Elas disseram que gostaram muito dessa história. Eu respondi que ainda não tinha lido. E fui ler para compartilhar minha leitura com elas. Oi, Camila! Oi, Sabrina! Eu também adorei este livro. A história me fez lembrar uma notícia que eu vi esses dias na televisão. Um cachorro, que dava muito trabalho aos seus donos, foi dado para uma família bem distante. Não demorou muito e o cachorro da notícia fez como o boi da nossa história.

Descobridor de palavras e leitura compartilhada

Nesta semana eu li um livro que conta a história de um menino que gostava muito de ler e de descobrir palavras diferentes, e eu também descobri o que quer dizer “leitura compartilhada”.

Théo voltava da escola de ônibus com sua irmã mais velha quando avistou, pela janela, uma placa que dizia o seguinte: “Precisa-se de Encafronhador com experiência em Trombilácios”. Cutucou sua irmã, Driel, que ouvia música nos fones de ouvido. Primeiro ela o olhou com cara de desprezo, mas depois também ficou interessada e até tirou os fones das orelhas. O pai deles estava desempregado há meses e o anúncio prometia “excepcional remuneração”.  – Tem oferta de emprego para um encafronhador. Você sabe o que é isso? Théo perguntou a sua irmã. – Não tenho a menor idéia. Lá em casa a gente pergunta para o papai. É mais ou menos assim que começa a história do livro O encafronhador de trombilácios, de Rosana Rios, com ilustrações de Biry Sarkis. Lá no fim deste post tem um pouco sobre a vida e o trabalho deles, suas biografias. A Editora Scipione lançou este livro no ano passado.

Théo gostava muito de ler. A mãe lia muitas histórias pra eles e assim acabaram aprendendo a ler bem cedo. A mãe morreu quando Théo tinha seis anos e Driel, nove e eles herdaram dela uma sala cheinha de livros. Ele já estava acostumado, desde muito pequeno, a procurar as palavras novas no dicionário. E assim que chegou em casa foi pesquisar o que significavam encafronhador e trombilácios. Théo gostava de descobrir palavras novas e como lia muito sabia algumas que ninguém desconfiava o que eram.  Uma vez, quando estava no primeiro ano, foi parar na diretoria porque chamou a professora de peremptória, mas depois foi perdoado quando descobriram o que significava isso. Quando brigava com os amigos ao invés de dizer palavrões os chamava de reles, estúrdio, abstruso e outras palavras legais que só ele sabia. É o Théo quem conta esta história, ele é o narrador (eu também vou descobrindo palavras). Mas Théo não encontrou o significado destas palavras, elas não estavam no dicionário. Fiquei curioso, li o livro até o final para descobrir o que queriam dizer encafronhador e trombilácios e me diverti muito com esta história.

A segunda parte deste livro começa quando o pai vai trabalhar de encafronhador e eles passam a morar em uma rua bem tranquila chamada “alameda Reta”. Essa rua era cheia de álamos e é por isso que não era chamada de rua e sim de alameda. Nesta alameda tinha escola, onde os meninos foram estudar; tinha padaria, sempre com pães quentinhos; as frentes das casas eram gramadas; tinha a oficina do Nerdínio, onde o pai foi trabalhar de encafronhador; tinha uma loja de presentes; tinha as Lojas Turíbio, um galpão enorme que vendia móveis e eletrodomésticos; tinha uma quitanda, que vendia frutas, verduras e doces; não tinha supermercado, tinha um empório, que vendia de tudo; tinha uma casa branca, onde eles foram morar; e também tinha uma livraria. Numa certa manhã a tranquilidade da alameda Reta foi quebrada pela demolição da Loja Turíbio. A partir desse dia, toda vizinhança começou a receber propostas para vender suas casas. No lugar das casas seriam construídos enormes edifícios.

A leitura compartilhada

 Falei para o meu tio que eu estava lendo este livro e contei um pouco da história. Ele ficou muito interessado e também quis ler o livro. Ele adorou e contou pra mim, que quando era criança, também morou numa rua assim. Como na alameda Reta, as pessoas que moravam na rua do meu tio eram como se fossem uma única família. Elas tinham uma vida simples. Meu tio disse que teve muitos amigos na infância. Jogavam bola, bolinhas de gude, rodavam pião, empinavam pipas, brincavam de pique e esconde-esconde. Essa rua ficava em um bairro, aqui mesmo, na cidade de São Paulo. Ele disse que lá também chegaram os “especuladores imobiliários”. Derrubaram as casas e no lugar construíram prédios luxuosos. – Hoje esse bairro é considerado nobre, mas não tem a elegância do bairro da minha infância, disse o meu tio com um olhar de saudades e uma lágrima nos olhos.

Fiquei muito feliz pelo meu tio ter lido um livro que eu li. Foi bem legal ele se lembrar da infância dele e contar pra mim o que achou do livro. Eu percebi que as pessoas descobrem coisas diferentes, mesmo quando lêem o mesmo livro. O meu tio descobriu coisas na história que eu não descobri, e eu descobri outras coisas que ele não tinha descoberto. E é muito bom trocar essas coisas. Outro dia eu ouvi uma escritora falando sobre leitura compartilhada. Se eu pudesse conversar com ela, queria saber mais sobre esse assunto. Mas de uma coisa eu já sei: leitura compartilhada é isso que eu fiz com o meu tio. E é isso que eu também quero fazer com este blog: compartilhar as minhas leituras. Por isso eu gosto tanto quando deixam comentários aqui no blog, eu fico muito feliz e respondo a todos.

Rosana Rios é formada em Educação Artística e Artes Plásticas pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo. Além de escritora, também é ilustradora, trabalha com arte-educação e escreve peças de teatro. Quando pequena, adorava ler, mas nunca imaginou que se tornaria uma escritora. Tudo começou quando seus filhos eram pequenos, e ela começou a inventar histórias para contar a eles. Naquela época, já era formada em Belas-Artes e trabalhava como desenhista numa empresa, mas inventar histórias lhe agradou tanto que começou a escrever e a trabalhar com isso. Primeiro, foi roteirista do programa Bambalalão, na TV Cultura de São Paulo; mais tarde trabalhou na TV Bandeirantes e na TV Record. Começou a publicar em 1988 e já fez uns 100 livros. Ela disse que o que mais a deixa feliz é saber que alguém leu um livro seu e se emocionou, se divertiu e viajou na aventura. 

Desenho de Biry

Biry Sarkis é desenhista e autodidata – aprendeu a desenhar sozinho. É mineiro e tem duas filhas, a Lua e a Clara, suas companheirinhas e muitas vezes fontes de inspiração para o seu trabalho. Já fez ilustração para muitos livros e revistas infantis. Com os seus desenhos ajuda a contar histórias e também cria as suas. Quando era pequeno ele brincava muito, principalmente na rua, na cidade de Caxambu, onde passou sua infância, em Minas Gerais.

Li um imortal

Ganhei um livro no sábado e li – como um dia eu ouvi meu tio dizer e achei muito engraçado – numa sentada. O nome do livro é Vida e paixão de Pandonar, o cruel e o autor é o imortal, como são chamados os escritores que fazem parte da Academia Brasileira de Letras, João Ubaldo Ribeiro. As ilustrações são de Mariana Newlands. A história foi escrita em 1984 e recebeu naquele ano o prêmio de Melhor Livro da Associação Paulista de Críticos de Arte. A Editora Objetiva relançou este livro neste ano.

Pandonar é um personagem criado pelo Geraldo, que é o menino que conta esta história. Geraldo tem 15 anos e a história começa durante a aula do professor Cícero: “Ciro, rei dos persas, sabedor do temor e da veneração dos egípcios pelos cães e gatos, marchou contra o faraó à frente de um exército de cães e gatos!” e ele termina dizendo que “os egípcios morderam o pó da derrota!” Fernandinho interrompe o professor e pergunta: “antigamente as pessoas que perdiam a guerra eram obrigadas a morder o pó? era obrigatório? Como é que se morde o pó?”

O professor responde que empregou uma metáfora e pergunta pra sala se alguém sabia o que era uma metáfora. O próprio Fernandinho responde metralhando: Figura-de-retórica-na-qual-uma-palavra-ou-expressão-é-substituída-por-outra-em-virtude-de-relação-de-semelhança-subentendida. E o professor ainda pergunta: E o que é figura de retórica? Isso eu não decorei, só decorei a metáfora, responde o Fernandinho. Dê um exemplo de metáfora gritou Cícero para o Fernandinho. – Os egípcios morderam o pó da derrota. O professor cruzou os braços e passou a encarar o Fernandinho por um tempo muito longo.

Enquanto isso Geraldo, que estava do outro lado, jogou um olhar magnético em direção a barriga de Cícero e começou a repetir as palavras que tinha lido no livro O poder do magnetismo pessoal: sob meu poder, sob um poder, você está sob meu poder!  Geraldo acreditava que se dirigisse toda a força em direção a barriga de Cícero, ele ficaria com dor de barriga e poderia até dar um vexame. Mas isso não aconteceu e o professor agora olhou para o Geraldo e pediu: o senhor me faça o favor de dar um exemplo de metáfora. E ele deu: Os persas espanaram o pó da vitória.

Pela cara do professor ele percebeu que não devia ter dito aquilo. – Fora! – gritou Cícero. – Ao diretor! Debochado! Indisciplinado! Pela primeira vez ele saiu da sala expulso para enfrentar o diretor. Enquanto saía, procurando evitar o olhar do professor e fingindo que encarava tudo aquilo com a maior tranquilidade, ele se virou para o lado das meninas e Maria Helena estava olhando para ele. Nesse olhar havia alguma coisa diferente e parecia que tudo começava naquela hora.

Esse é só um resuminho do começo da história. A partir desse dia Geraldo só pensou em Maria Helena, até deixou de lado o Voldegrado, uma nova língua que ele estava inventando e parou de escrever as aventuras do Pandonar, mas ainda recorria ao personagem para sair de alguns apuros. Como por exemplo, quando todos na escola descobriram que ele deixava bilhetes românticos para Maria Helena e esperava a sua resposta debaixo do apagador.

Ele se sentiu traído e colocou Pandonar em seu lugar, moribundo, sendo assistido por Al-Glabur. Maria Helena, arrependida de ter prejudicado tanto Pandonar vai até o seu leito de morte para dizer que o amava mais do que a própria vida. Depois de uma longa conversa entre os dois, Pandonar diz: – Não acredito. E, com um último suspiro, vira a cabeça para o lado e morre. (Dramático e muito cruel o Pandonar, não acham?)

Antes desse momento trágico da história criada pelo personagem, Geraldo já tinha muitas dúvidas e queria se aproximar de Maria Helena. Ele procurou a ajuda do seu melhor amigo, o Roquetão. – Você conhece a Maria Helena? – Que Maria Helena? A Maria Helena lá da sala? E depois de muitas perguntas e respostas sobre a menina, o Geraldo disparou: Acho que ela quer namorar comigo. – Ela quer namorar com você? Ela disse? – Ela não disse assim. Mulher não diz essas coisas assim.

Eles eram muito amigos, mas brigavam demais. Assim como Geraldo, Roquetão era um menino que gostava de inventar coisas e por isso era conhecido como cientista maluco. – Eu não sou maluco! Maluco é você que só fica pensando em códigos, em escrever com limão para tinta ficar invisível, em fazer línguas novas e em falar em Pandonar… Quem é Pandonar? Pandonar não existe? Então o maluco sou eu?

E o livro segue assim, com o Geraldo criando as suas histórias, tentando se aproximar de Maria Helena, tendo a ajuda do seu amigo Roquetão e o apoio de Pandonar, o cruel. Mas para saber o fim da história desses meninos malucos só lendo o livro, mesmo.  

João Ubaldo Ribeiro nasceu na cidade de Itaparica, na Bahia. Antes de virar escritor ele era jornalista, começou a trabalhar em 1957 e ainda estudou na faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Em 1964 ele recebeu uma bolsa e foi estudar ciências políticas nos Estados Unidos. Ele já ganhou um Camões, que é um dos prêmios mais importantes para os escritores de língua portuguesa. João Ubaldo disse que escreveu Vida e paixão de Pandonar, o cruel para garotos de todas as idades e se inspirou em acontecimentos da sua infância. Ele já publicou contos, crônicas, e romances que fizeram muito sucesso como, Viva o povo brasileiro e Sargento Getúlio. João Ubaldo Ribeiro também é colunista de dois grandes jornais: O Estado de S. Paulo e O Globo.